Por filmar demais e experimentar ao extremo, Jean-Luc Godard conseguia criar obras-primas memoráveis, assim como tropeços absurdos em sua carreira. Mesmo que muita gente louve Masculino-Feminino, ainda outro drama de romance sobre casais da filmografia do diretor, simplesmente considero esse irritante conto um dos maiores vacilos da carreira do autor.
Trazendo a história de Paul (Jean-Pierre Léaud), um marxista pensador, que se apaixona pela nada ideológica Madeleine (Chantal Goya), uma garota concentrada em perseguir seu sonho de se tornar uma cantora pop. Sem nenhuma razão aparente, além das constantes investidas terríveis de Paul em se aproximar da jovem, os dois convivem atravessando diversas aventuras pretensiosas em Paris.
Até A Chinesa, Godard simplesmente não sabe trabalhar bem questões ideológicas politizadas em seus filmes. Masculino-Feminino é a maior prova disso por conta da completa inaptidão dos diálogos que Paul tem com amigos ou com Madeleine ou através de monólogos longos para si mesmo. Todas as vezes que o protagonista se põe a falar, o espectador é obrigado a acompanhar uma diversidade absurda de verborragia sobre filosofia, política e ideologia.
Como a atuação de Léaud é impassível conseguindo tornar Paul em um insuportável pretensioso, o longa de ritmo já monótono de Godard se torna interminavelmente entediante. Godard pode muito bem sim ter construído uma sátira ao pedantismo juvenil masculino de pseudo intelectual, porém há uma falha que simplesmente destrói o tom cômico completamente: não há conflito. Nunca.
Paul reclama de tudo e traz as conjecturas de Godard, as mesmas de sempre, sobre as guerras da Argélia e do Vietnã indicando um esgotamento criativo do diretor para trazer seu descontentamento do que ocorre para seus filmes. Aliás, esse esgotamento é tão notado que o diretor parece simplesmente ignorar que há algum espectador para a história que ele pretende contar – obviamente, tudo é diluído em quinze cenas aleatórias com pouco ou nenhum encadeamento narrativo.
Testemunhamos então um filme que mais se assemelha a um diário repleto de discursos flácidos prepotentes vomitados em um fluxo de consciência tão maçante que até mesmo os outros personagens simplesmente ignoram – para a nossa infelicidade. Mesmo que Paul consiga elaborar algum questionamento interessante, logo esse é atropelado por mais um caminhão de discursos desconjuntados que não permitem a reflexão atingir o espectador. É a verborragia pela verborragia.
Em Masculino-Feminino, o diálogo é simplesmente uma enorme encheção de linguiça para preencher os intermináveis cem minutos de exibição. Aliás, seria mais apropriado chamar o filme de “Masculino-Masculino”, já que o papel que Madeleine desempenha seja tão irrelevante. Godard não explora os ares das juventudes em uma narrativa típica de guerra de sexos já que, primeiro, o protagonista é um falastrão de esquerda completamente idealizado pelo diretor.
Para piorar isso tudo, o “romance” é tão estéril por conta não só pela falta de química, apesar dos esforços de Goya, mas por conta dos diálogos entre os dois serem pautados em interrogatórios filosóficos sem qualquer refinamento, como se Paul perguntasse o que viesse a sua mente naquele instante. Como Madeleine sempre replica com comentários curtos e nada interessados, não demora muito para Godard fazer uma abordagem sexista na personagem.
Ele a reduz como uma boba sonhadora interessada apenas pelo consumo e acumulação de capital em uma visão realmente misógina: ou as mulheres são “putas” ou são “idiotas” nesse longa – isso é dito em diálogos com os amigos de Paul, já que nunca acompanhamos o ponto de vista de Madeleine quando está distante do protagonista.
O único bom momento que Godard consegue criar alguma atmosfera romântica entre os dois, com Paul ficando bastante desconcertado em se aproximar de Madeleine para dormir na mesma cama, há um momento de silêncio e de delicadeza entre os dois que torna o conflito finalmente honesto. Até que Godard se lembra que precisa se tornar insuportável novamente, interrompendo a bela cena para logo fazer Madeleine recitar uma poesia abruptamente.
Por esses detalhes é praticamente impossível se conectar aos personagens, pelo discurso e pela relação que eles nutrem ao longo de toda a obra. Mesmo com Godard oferecendo um tratamento estético bem rígido e posando a câmera com enquadramentos da linguagem de documentário, para dar a falsa impressão de capturar pessoas reais com dramas reais.
Como o próprio Ingmar Bergman disse sobre esse filme em específico e também da persona de Godard: é um exercício maçante na qual somente o diretor parece estar se divertindo. Godard é um mestre inventor, mas isso não significa que todas suas invenções sejam impecáveis e para todos.
Masculino-Feminino (Masculin féminin, França – 1966)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Chantal Goya, Marlène Jobert, Michel Debord
Gênero: Drama, Romance
Duração: 110 minutos.
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