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Crítica | Master of None – 2ª Temporada

Lançada em 2015 na Netflix, Master of None foi um tremendo sucesso de crítica, facilmente colocando a comédia dramática do comediante indiano Aziz Ansari entre uma das melhores realizações contemporâneas do gênero. Aliás, não seria exagero algum taxá-la como a melhor série que o serviço de streaming já nos trouxe até hoje, e que felizmente ganhou uma segunda temporada, mesmo que esta demorasse um ano a mais para chegar. Porém, agora finalmente estamos diante de mais 10 episódios da comédia de Ansari e Alan Yang, com um novo ano que solidifica o talento da dupla e oferece um novo nível para o seriado.

A nova temporada começa de forma muito ambiciosa, com Dev (Ansari) vivendo na Itália onde participa de um curso de massas, onde tem uma forte amizade com a bela Francesca (Alessandra Mastronardi) e busca novas perspectivas de vida após seu término com Rachel (Noël Wells). De volta para Nova York, Dev novamente tem novas crônicas com seus amigos, pais, relacionamentos amorosos, e, especialmente, em sua nova carreira na televisão, que lhe garante um emprego como host de um game show culinário, ao mesmo tempo em que vê no influente Chef Jeff (Bobby Cannavale) uma chance de enfim explodir no ramo.

Ao contrário de sua antecessora, essa temporada de Master of None oferece uma estrutura de episódios muito mais isolada, que diversas vezes ignora o uso de uma narrativa contínua ao longo dos 10 capítulos, preferindo-se focar em situações ou personagens coadjuvantes no mundo de Dev. Por exemplo, temos um episódio inteiro dedicado à personagem de Denise (Lena Waithe) e sua amizade e descoberta sexual, marcado pela evolução de diferentes feriados de Thanksgivings, ao passo em que em outro episódio temos uma narrativa completamente inspirada nos longas Nova York, Eu te Amo ou Paris, Eu te Amo, com a história movendo-se livremente para acompanhar diferentes personagens em Manhattan, sem qualquer ligação que seja com o protagonista ou o arco de sua história.

Isso oferece à série um caráter livre de vinhetas e até esquetes, onde a prosa inteligente de Ansari e Yang é capaz de explorar muito mais temas do que a primeira, que acabava centrada na perspectiva do imigrante indiano em meio ao show biz americano. Aqui, a gama expande-se para um setor mais específico do audiovisual, chegando até mesmo a abordar assédio sexual nos bastidores, ao mesmo tempo em que consegue tratar da religião indiana, a dificuldade de aceitação da orientação sexual por parte da família (vide o episódio de Denise), o amor na fase idosa e até um olhar muito bem humorado sobre namoro virtual e aplicativos para solteiros – assim como a forma de comunicação transformada por smartphones e textings. É um estilo de humor que remete muito àquele de Jerry Seinfeld e Larry David na obra máxima da televisão humorística, com a diferença de que Ansari constantemente opta por uma melancolia muito bem-vinda.

Basta observar o primeiro episódio da série, que por si só poderia ser considerado uma obra-prima. Audaciosamente dirigido por Ansari, The Thief toma clara inspiração do cinema de Federico Fellini para apresentar o espectador à vida de Dev na Itália, adotando uma fotografia preto e branco e uma trilha sonora que evoca à música do cinema italiano dos anos 60, além das notáveis citações do personagem em nomes dessa vanguarda. É um episódio que impressiona pela simplicidade e pela naturalidade, chegando a evocar Richard Linklater e sua trilogia do Antes quando Dev acaba conhecendo uma jovem britânica de férias, desenvolvendo ali uma rápida relação através de diálogos sinceros e atuações descontraídas. Vale apontar também como a estética deste episódio é fabulosa, com Ansari revelando-se um diretor com apuro visual notável, fazendo belo uso de planos abertos que valorizam a beleza da arquitetura italiana e o isolamento dos personagens. É difícil pensar em outra comédia que tenha um apuro estético tão sofisticado e elaborado quanto o visto aqui.

É uma segurança muito grande com a linguagem abordada aqui. Retomando o episódio de antologias New York, I Love You, não só o episódio merece créditos por apostar em figuras completamente diferentes e aleatórias, mas pela forma com que narra cada uma das historinhas. Em particular, o instante em que acompanhamos um casal de surdos, fazendo com que todo o áudio seja eliminado e transformando a narrativa em um exercício puramente visual, com as legendas nos ajudando a entender os diálogos em linguagem de sinal – aliás, temos uma hilária sequência com a discussão muda mais sexualmente explícita já feita, sem sombra de dúvida.

Seguindo essa fórmula, First Date oferece uma verdadeira aula de montagem ao abordar os diferentes encontros que Dev tem com mulheres de um aplicativo de namoro à lá Tinder. Durante praticamente todo o episódio, a montadora Jennifer Lilly constantemente intercala os diferentes eventos envolvendo o protagonista, construindo uma narrativa ágil e dinâmica, e que diverte graças às diferentes reações das possíveis namoradas com as ações de Dev, assim como estabelece o modus operandi praticamente imutável do comediante. É uma aposta arriscada  que funciona  principalmente pela precisão de Lilly, assim como os diálogos que conseguem ilustrar de forma verossímil e moderna esse tipo de relacionamento – em outras palavras, é escrito por pessoas que realmente sabem como essa tecnologia funciona, o que garante um resultado natural e nada forçado.

E os fãs da série certamente lembram de cabeça do famoso episódio Nashville, onde Ansari demonstra uma comovente faceta romântica ao relatar a viagem de Dev com sua então namorada Rachel. Pois bem, aqui o “equivalente”, de certa forma, àquele episódio vem na forma de Amarsi un Po, um episódio que merece nada menos do que – perdão pela repetição – o título de obra-prima. Estendendo-se por quase 1 hora, o penúltimo episódio narra o período de aproximadamente um mês o qual Francesca visita Dev em Nova York, com os dois saindo para diversos encontros e passeios pela Grande Maçã, com uma incontrolável paixão do protagonista florescendo pela amiga – que, para complicar, acaba de anunciar seu noivado. O que se segue é uma narrativamente profundamente emocional onde o espectador realmente se envolve com o drama do personagem, e o clima fortemente romântico (acrescente dança lenta com música italiana e uma nevasca que prende os dois em um local fechado) é de um nível simplesmente indescritível. Poesia pura, e vale apontar o carisma da maravilhosa Alessandra Mastronardi.

O segundo ano de Master of None é uma verdadeira pérola da comédia contemporânea. Não só é capaz de explorar uma gama muito maior do que sua já ótima primeira temporada, mas Aziz Ansari e Alan Yang triunfam ao trazer histórias com temas variados e um olhar cômico único, que navega pelo drama e pelo romance de forma belíssima. Pra entrar pra História.

Master of None – 2ª Temporada (EUA, 2017)

Criado por: Aziz Ansari e Alan Yang
Direção: Aziz Ansari, Alan Yang, Eric Wareheim, Melina Matsoukas
Roteiro: Aziz Ansari, Alan Yang, Lena Waithe
Elenco: Aziz Ansari, Eric Wareheim, Lena Waithe, Bobby Cannavale, Alessandra Mastronardi, Kelvin Yu, John Legend, Riccardo Scamarcio
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Comédia
Duração: 30-50 min, aprox

https://www.youtube.com/watch?v=yZTo7U1GoWs

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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