Não é de hoje que os filmes de ação carecem de substância. Uma narrativa mais profunda com personagens mais complexos. Filmes como Carga Explosiva, Velozes e Furiosos, Busca Implacável, Os Mercenários, Dredd são exemplos claros da predominância da ação e da circunstância em detrimento da narrativa e evolução de personagem.
Isso de forma alguma é algo ruim, mas certamente quando um filme nos oferece uma história mais elaborada, é algo gratificante.
O roteiro de Brad Ingelsby se concentra em Jimmy Conlon (Liam Neeson), um antigo membro da trupe mafiosa de seu amigo Shawn Maguire (Ed Harris). Seu filho, Danny Maguire (Boyd Holbrook), ambicioso, já pensa em assumir as responsabilidades de seu pai para gerir a gangue tentando trazer novas formas de enriquecimento ilícito para a família. Entretanto, Danny erra ao negociar uma nova estratégia e acaba assassinando outros mafiosos.
Em meio a isso tudo, Mike Conlon (Joel Kinnaman), motorista dos mafiosos e filho de Jimmy, testemunha o assassinato de seus clientes e foge. Danny o persegue para silenciá-lo. Enquanto isso, Jimmy descobre o ocorrido e corre para salvar seu filho. Chegando na casa de Mike, Jimmy se depara com o maior dilema de sua vida: o filho de seu melhor amigo está prestes a matar Mike.
Sem hesitar, Jimmy mata Danny. Agora, Shawn, antes seu melhor amigo, jura que vai exterminá-lo junto de toda a sua família. Agora cabe apenas a Jimmy proteger Mike e sua família durante uma noite sem fim.
Esse é o típico caso do filme de ação razoável que em meio a tantos outros ruins ou insatisfatórios do gênero, acaba se destacando. O escopo da história é muito familiar: o caso da relação problemática entre pai e filho. Entretanto, o roteirista não insere esse drama apenas nos personagens de Neeson e Kinnaman, mas também nos antagonistas Ed Harris e Holbrook.
Ele elabora uma crítica muito sútil a respeito da paternidade dessas duas figuras. Enquanto um se afastou da família, destruiu seu relacionamento com o filho e é incompreendido, o outro assume seu posto familiar e insere o filho na criminalidade do seu negócio durante a vida. Com isso, esse questionamento da ambiguidade moral, sobre quem realmente foi um verdadeiro pai para seus filhos, o longa ganha um aspecto mais sóbrio. Aliás, sobriedade é o que não falta. Este é um filme bem sério em seu teor e no drama sugerido.
O olhar do diretor Jaume Collet-Serra para essa questão é fundamental. Ele constrói muitas cenas competentes para mostrar a diferença de caráter entre Mike e Danny, o abandonado e o protegido. Claro que essa visão não foge do lugar comum que nós já vimos em diversas outras obras. Este é um filme que progride exatamente da forma que você espera, porém de modo muito divertido simplesmente porque ele é muito funcional.
Collet-Serra é conhecido por dirigir filmes de ação – Sem Escalas e Desconhecido, ambos estrelados por Liam Neeson. Ele também já dirigiu o excelente suspense A Orfã. Noite Sem Fim é uma conciliação de ação e suspense, este sempre bem explorado e correto no timing. O filme te cativa e mantém uma tensão crescente. O diretor também insere uma linguagem interessante para fazer a transição das cenas – planos sequência que rementem muito a um recurso mostrado no game Grand Theft Auto V. Toda vez que tem uma transição de cena que mudam os personagens, o diretor afasta a câmera – com auxílio da excelente computação gráfica, até o topo da cidade e o plano viaja até encontrar o personagem que protagonizará a próxima cena. Apesar de ser um efeito estranho para essa mídia, é algo bem atual e cinético. Uma nova forma para fazer transições de cena.
Além disso, o diretor sabe dosar muito bem o ritmo da montagem. Nada fica embolado em mil planos para descrever ações simples. Temos aqui um filme que é possível perfeitamente apreciar a ação das perseguições e lutas sem ficar confuso. Somente no início do filme que há um frenesi da montagem que não para de jogar planos muito rápidos em uma cena calma, algo que destoa completamente e incomoda.
Entretanto, apesar da boa condução do drama e das cenas de ação, o diretor desaponta em um dos momentos mais importantes do filme que é o confronto entre Harris e Nesson. A cena é muito genérica, não tem um elemento marcante e o roteirista não fornece nenhum diálogo sensível ou profundo. Isso é bem decepcionante pois passamos o filme inteiro esperando o desfecho dessa estranha amizade que funciona graças a química entre os dois atores.
Noite Sem Fim é um ótimo divertimento para quem procura um entretenimento que mistura ação e drama simples com boa produção. Até mesmo a fotografia de Martin Ruhe surpreende com a belíssima iluminação barroca bem sombreada. O filme possui poucos deslizes – a inserção apressada de um caçador de recompensas interpretado por Common e a trilha sonora genérica inspirada nas músicas de Hans Zimmer em O Cavaleiro das Trevas são alguns exemplos deles, entretanto o que pode tirar bastante o mérito dele é por conta de outro filme muito semelhante que estreou ano passado, De Volta ao Jogo com Keanu Reeves. Diversos pontos entre as duas histórias batem, infelizmente.
Enfim, nessa safra particularmente fraca de filmes no primeiro semestre de 2015, Noite Sem Fim é uma surpresa muito bem-vinda que justifica uma volta ao cinema para os que ainda estão em dúvida se vale a pena ver outro filme de ação com Liam Neeson.