Depois de mergulhar tão intensamente na filmografia de Éric Rohmer, há um grande impacto que Noites de Lua Cheia traz. Certamente, não é um daqueles positivos que te deixam mesmerizados após a exibição. Na já consagrada série de filmes da antologia Comédia e Provérbios, o diretor já havia cunhado um excelente filme com Pauline na Praia, logo, evitando repetir cenários, houve a escolha de trazer mais um conto urbano focado no provérbio que ele mesmo inventou: Quem tem duas mulheres, perde a alma. Quem tem duas casas, perde a cabeça.”.
Rohmer retorna a explorar a vida íntima de um casal, mas sob o ponto de vista da mulher, ao contrário de Amor à Tarde. Apesar disso, o conto não repete filosofias ou situações. Na verdade, ele pouco se parece com uma obra de Rohmer em termos de narrativa.
Viagens Noturnas
Na narrativa, acompanhamos a vida de Louise (Pascale Orgier), noiva do tenista bonitão Remi (Tchéky Karyo). Trabalhando em Paris, todo dia Louise precisa fazer uma desagradável viagem até sua casa em Marne, favorecendo o local onde o marido trabalha. Sentindo-se presa, Louise decide tirar uma noite inteira para se divertir com o amigo Octave (Frabrice Luchini), mesmo sabendo que o mesmo é perdidamente apaixonado por ela.
Nessa noitada, Remi vai ao encontro da noiva e não gosta nada de vê-la se divertindo sozinha, ligando a felicidade da mulher exclusivamente a ele. Possesso, Remi volta para casa e Louise chega um pouco antes do amanhecer decidida a não ter que viver mais naquela loucura ciumenta egoísta, ela propõe que fique em seu apartamento em Paris durante alguns dias da semana. Remi, após dizer que isso estragará o relacionamento, fica de acordo.
Apesar de haver sim certo mistério típico dos personagens de Rohmer, é complicado simpatizar com Louise pelo seu desenvolvimento muito rudimentar ao longo do texto. Aliás, isso é uma constante no filme todo pelo tom estereotipado e fácil tão incomum aos roteiros do diretor. Louise, apesar de ser a mais complexa, é bastante previsível e age imoralmente diversas vezes. Rohmer traz sim um bom retrato clássico de hipocrisia, contrariando as palavras prometidas da personagem com atitudes nada surpreendentes. O fato é que tudo é muito descarado e os diálogos trocados não trazem mais detalhes sobre a moça, mas repetem temas.
O mais exaustivo deles tem a ver com o amigo na friend zone, Octave. Mesmo pegando esses papéis sociais que homens e mulheres se sujeito, Rohmer não traz algo de novo e peculiar para a fita, já que todos os diálogos com Octave se repetem com as investidas do homem a Louise. Também ele traz a imoralidade do personagem, afinal ele é casado e já tem uma filha – elementos sem peso para suas escolhas, o tornando um miserável superficial.
Não há muito trabalho em cima de Remi, apenas algumas características básicas que revelam sua insegurança refletida nos ciúmes absurdos de Louise. Já ela, também é vista como hipócrita a todo momento, já que sempre clama que precisa ficar sozinha, mas não suporta a solidão em nenhuma noite. Como disse, Rohmer é ótimo em oferecer retratos reais, pois sabemos bem que existem diversas Louises, Remis ou Octaves na vida real, mas a falta de refinamento nos diálogos que insistem em auto explicar a narrativa e os personagens tira bastante do brilho de Noites de Lua Cheia.
A moral do fim também não surpreende em nada, já que grande parte da fita é previsível. Mesmo na direção do longa, não há lá muitas surpresas por parte de Rohmer. O visual segue os ditames sempre rígidos da assinatura cinematográfica dele: planos afastados, inserindo o espectador como a própria câmera, leve encenação (apesar de não haver qualquer erotismo aqui). Entretanto, há elogios para a orientação com a boa performance de Pascale Ogier como a protagonista, além das boas sacadas arquitetônicas das duas casas.
Enquanto a de Remi é repleta de influencias cubistas, a de Louise, depois de reformada é totalmente clássica, reforçando eficientemente o contraste entre os dois.
Noites em Claro
É compreensível que Rohmer, com uma filmografia gigante, tenha se atropelado em algum momento, não apresentando cartas novas na mesa. Apesar do grande potencial, Noites de Lua Cheia não passa nem perto de ser uma obra memorável, apenas seguindo um padrão estereotipado tão estranho ao diretor que sempre procura o denso para tornar seus personagens reais com um quê de excentricidade. Infelizmente, dessa vez, Rohmer me levou para ver pessoas superficiais em demasia, assim como na nossa realidade.
Noites de Lua Cheia (Les Nuits de la Pleine Lune, França – 1984)
Direção: Éric Rohmer
Roteiro: Éric Rohmer
Elenco: Pascale Ogier, Tchéky Karyo, Fabrice Luchini, Virginie Thévenet, Christian Vadim
Gênero: Drama, Romance
Duração: 101 minutos.