“Ao que nos compete discernir, o único propósito da existência humana é jogar um pouco de luz nas trevas do mero ser.” – Carl Jung
A cada pensamento, reflexão e teoria encontrada, O Homem Duplicado faz mais sentido em minha cabeça. É um filme estranho e que não se preocupa em entregar de cara as respostas que o espectador busca, transformando o novo filme de Denis Villeneuve em um instigante e atmosférico estudo psicológico. Ainda que imperfeito como experiência, traz a deliciosa tarefa de manter o espectador atento a cada detalhe.
Baseado no romance homônimo de José Saramago, o roteiro de Javier Gullón conta a história do recluso professor de História Adam (Jake Gyllenhaal). Preso em uma rotina caucada na repetição de aulas na faculdade e transas impessoais com sua namorada (Mélanie Laurent, radiante), Adam acaba por descobrir um sujeito, Anthony, que é sua cópia idêntica em um filme, e resolve procurá-lo para entender a situação.
Tal realização não virá de imediato, mas O Homem Duplicado não é tão simples ou trivial como a premissa possa sugerir. Já fica o aviso de que o “tipo” de filme não é do convencional, recorrendo diversas vezes à imagens simbólicas (fotografadas em um belíssimo tom alaranjado por Nicolas Bolduc) e um ritmo onírico que certamente vai afastar boa parcela do público – admito que o ritmo seja o grande problema do filme.
Mas talvez seja um sacrifício diante das profundas análises que Villeneuve trará durante os 90 minutos de projeção. Falar sobre o filme, é falar sobre a dualidade do Homem. Certamente existem múltiplas interpretações da obra (e eu li de tudo, incluindo invasões de monstros), mas o que seria mais conciso aqui é a batalha interna entre os alter egos do protagonista. Faz mais sentido que não exista mesmo um “clone” do protagonista andando por aí, mas sim que a premissa seja uma metáfora para seu próprio inconsciente, e as batalhas que trava em relação a sua vida amorosa. Faz sentido que Villeneuve retrate a personagem de Mélanie Laurent de forma idealizada, e que o apartamento de Adam surja completamente sem personalidade, e mergulhado nas trevas quando Laurent contracena com o protagonista.
Aliás, Jake Gyllenhaal merece uma dupla indicação ao Oscar, já que cria duas performances tão distintas que muitas vezes me peguei esquecendo de que era o mesmo ator ali, contracenando consigo mesmo. Já tendo trabalhado com Villeneuve no ótimo Os Suspeitos, o ator consegue saltar com facilidade entre a persona tímida e introvertida de Adam, ao mesmo tempo em que faz de Anthony um sujeito descolado e confiante; mas sem cair no lugar-comum de fazer o total oposto um do outro.
É bem difícil assistir a O Homem Duplicado uma única vez e entender todo o seu significado. É um nó na cabeça que aposta fortemente em simbolismos (aranhas, preste atenção nas aranhas) e oferece uma experiência cativante, ainda que fácil de se perder. Mas de qualquer forma, um jogo inteligente e que faça discutir é sempre muito bem vindo.
EXTRA –
Se você deseja entender os significados do filme melhor, recomendo fortemente a análise em video de Chris Stuckmann, que quebrou o código de O Homem Duplicado em seus mínimos detalhes. Obviamente, spoilers à frente: