Hollywood não é apenas lembrada pelas grandes obras primas cinematográficas produzidas, mas também pelas incríveis, e algumas vezes bizarras, histórias sobre os bastidores que foram noticiadas ao longo dos anos. O interesse da mídia pela vida privada das estrelas de Hollywood aconteceu devido a 2 fatos. O primeiro foi o surgimento do cinema falado no fim dos anos 20, que traria uma revolução dentro da sétima arte, e que fez com que o cinema atraísse muito mais o interesse do público. O segundo foi o Star System, que era um sistema de contrato no qual um ator assinava exclusivamente com um estúdio,e este iria começar a ter controle total sobre o profissional, cuidando da sua imagem e decidindo quais filmes faria ou não. Uma das histórias de bastidores mais famosas do cinema envolve duas das maiores estrelas da Era de Ouro de Hollywood, as atrizes Joan Crawford e Bette Davis. Tornou-se notório ódio que as duas sentiam uma pela outra, e a rivalidade entre as duas chegou a níveis tão altos que ficou conhecida como a maior da história do cinema americano.
No começo a disputa entre as duas era algo mais leve, e era mais focado em disputa de atenção pela mídia, visto que devido ao Star System as duas tinham contrato de exclusividade com seus estúdios e não lutavam pelos mesmos papéis (Bette era funcionária da Warner Brothers e Crawford da MGM), porém em 1935 as coisas começariam a esquentar e o conflito se tornaria público. Enquanto estava filmando Perigosa, do diretor Alfred Green, Davis se apaixonou pelo seu parceiro de cena, Franchot Tone. Davis na época era casada com Harmon Oscar Nelson, um namorado de infância e que tinha fracassado na tentativa de ser tornar um músico de sucesso. Infeliz no matrimônio, Davis viu em Tone a chance de finalmente ter um relacionamento que fosse feliz. Mas os planos de Bette foram por água abaixo, devido a uma pedra no meio caminho. Essa pedra era Crawford.
Na mesma época em que Davis se interessou por Tone, Crawford havia se separado do ator Douglas Fairbanks Jr, e saiu em busca de um novo amor, e viu em Franchot a chance de um novo relacionamento. Uma das grandes lendas de Hollywood afirma que Crawford convidou o ator para a sua casa, e que o recebeu completamente nua. Pouco tempo depois, eles se casaram, o que foi uma tragédia para Bette. Mas se no amor ela fracassou, na vida profissional ela venceu, pois Poderosa se tornou um sucesso de crítica e a sua atuação foi extremamente elogiada, sendo inclusive vencedora de um Oscar. Na cêrimonia, Tone foi um dos primeiros a parabenizar a atriz e lhe deu um abraço caloroso. Crawford, com ciúmes, se levantou para analisar Bette e viu que a atriz estava vestindo um simples vestido azul, porque não acreditava que poderia sair de lá com a estatueta, visto que era ainda uma ” novata”. Então Joan exclamou: ” Querida Bette, que bela camisola”. A partir desse momento o conflito explodiu.
A situação se tornou ainda pior entre as duas quando em 1940, Crawford decidiu rescindir com a MGM, por estar infeliz com os rumos que sua carreira estava tomando, e decidiu assinar com a Warner Brothers, o estúdio da sua rival. Seu primeiro pedido ao chegar na nova empresa foi um camarim ao lado de Davis. E logo após começou a enviar vários presentes para a atriz, não se sabe ao certo se estava tentando uma reconciliação, ou apenas fazia isso para irrita-la. Seja qual for o motivo, Davis sempre devolvia os presentes e chegou afirmar que tudo aquilo eram na verdade ” cantadas” ( uma das grandes lendas envolvendo Crawford era que ela era bissexual, inclusive tendo dito relacionamentos com Katharine Hepburn e Marilyn Monroe). Ja dava para ter uma idéia de como a situação estava, e continuou ao longo dos anos, com as duas atrizes mandando farpas uma para outra via imprensa sempre que podiam.
O auge dessa briga iria acontecer no inicio dos anos 60, ano em que as duas iriam ,pela primeira e única vez, protagonizar juntas um filme. A obra seria a adaptação do livro do escritor Henry Farrell, O Que Terá Acontecido Com Baby Jane?. O filme teve a direção do diretor Robert Aldrich, responsável por Kiss Me Deadly, um dos maiores clássicos do cinema noir, e Vera Cruz, um dos filmes de faroeste mais influentes de todos os tempos. A idéia da adaptação surgiu da própria Joan Crawford, que nos anos 60, igualmente Bette, não tinha mais o mesmo prestigio de antes, muito devido a idade avançada (tinha 57 anos na época, enquanto Davis tinha 54). Sabendo como a industria funcionava, Joan sabia que a presença dela e da ” rival” em um mesmo filme seria uma estratégia que poderia se mostrar muito vencedora, então ela própria procurou Davis para perguntar se ela teria interesse. Vendo o potencial do projeto, esta aceitou. A aposta das duas foi certeira, porque o filme se tornou um clássico do cinema, sendo lembrado como um dos melhores trabalhos das duas atrizes, mas também se tornaria conhecido devido aos diversos conflitos nos bastidores que aconteceram entre as protagonistas, algo que com certeza já era esperado por toda a equipe.
A trama tem inicio em 1917. Baby Jane é uma atriz mirim de sucesso e muito querida pelo público, devido a sua delicadeza. Porém, fora dos palcos, ela se mostra uma jovem metida e mal humorada, e que sempre que pode humilha a irmã mais velha, Blanche. Em 1935, as coisas mudam, e Blanche se torna uma atriz de sucesso, enquanto Jane enfrenta críticas por não saber atuar e acaba entrando no ostracismo. Numa noite, após uma festa, acontece um acidente na portão da casa das irmãs, que faz com que Blanche perca o movimento das pernas, o que encerra prematuramente a sua carreira. Em 1962, as duas irmãs vivem juntas na mansão comprada pelos lucros dos filmes de Blanche (Joan Crawford). Esta vive numa cadeira de rodas, agora não mais tão famosa e vivendo apenas do passado. Jane (Bette Davis) acabou descendo para o alcoolismo e trata a irmã com crueldade, a culpando pelo fim da sua fama. Querendo reviver o passado glorioso, Jane decide retornar a carreira de cantora, e decide passar por cima de tudo para conseguir.
O roteiro foi assinado pelo ainda inexperiente na época Lucas Keller, e que no futuro iria colaborar com Aldrich em outros filmes. A trama lembra e muito ao grande clássico Crepusculo dos Deuses,do mestre Billy Wilder, que também tem como temática uma atriz dos anos 30 e 40 que deseja retornar ao estrelato. Dificilmente não se consegue fazer um paralelo entre a obra escrita e a vida pessoal das atrizes na época. Igualmente Blanche e Baby Jane, Davis e Crawford, como eu já havia falado brevemente antes, não eram mais estrelas no início dos anos 60.
Mas diferente do que aconteceu no filme, a perda da fama das dupla aconteceu devido as mesmas estarem em uma idade avançada, pelo menos na visão de Hollywood, que nunca teve bons olhos para atrizes que tivessem mais de 50 anos, preferindo dar atenção as atrizes novatas. Existe até uma situação dentro do roteiro que aconteceu na vida real. No filme, Jane coloca um anuncio no jornal em busca de um músico para reiniciar sua carreira. Bette Davis realmente enviou um anuncio aos jornais pedindo um papel em um filme, de forma irônica pela situação em que se encontrava. A de se notar também o ano em que Blanche sofreu o acidente em que acabou com sua carreira, e que consequentemente fez com Jane começasse o seu declínio, 1935. Como falado anteriormente, esse foi o ano em que as disputas entre as duas atrizes se tornaram públicas. Sacadas bem inteligentes de Keller.
Mas o roteiro é bem feito não apenas por essas ligações com a realidade, mas também por ser muito bem escrito, sabendo desenvolver as personagens da trama e dando a elas ótimas motivações. A figura de Jane é um bom exemplo de como Hollywood pode ser um lugar mágico, mas também uma cidade que destrói sonhos. A personagem de Davis quando era jovem tinha o mundo a seus pés, mas ao chegar na fase adulta, viu tudo aquilo que conquistou se esvaindo aos poucos, ficando na sombra da própria irmã. Fica evidente o motivo de tanto rancor,ódio e o fato dela ter sucumbido ao alcoolismo. Ao mesmo tempo que não concordamos com suas atitudes, sentimos pena por tudo que lhe aconteceu. Já Blanche é a figura vitimizada, que teve a carreira destruída por uma tragédia. Ela é fragilizada, presa aos cuidados de uma pessoa que lhe odeia, porém que igualmente a irmã vive do passado glorioso, passando os dias revendo os filmes que lhe deram fama. Ao mesmo tempo que Blanche sente raiva da irmã pelos maus tratos, ela também sente um pouco de pena, talvez sentido-se culpada pelo fracasso que a irmã teve na vida artística, ou talvez por algum motivo desconhecido, o que deixa a trama com um ar de mistério.
O diretor Aldrich consegue fazer aqui um dos seus melhores trabalhos. Usando a eficiente fotografia preta e branca de Ernest Haller ( grande amigo das duas protagonistas, e escolhido pessoalmente por elas para ser o diretor de fotografia da trama) Robert consegue criar um clima de abandono e distanciamento dentro da mansão das irmãs, simbolizando o afastamento das duas do estrelato e da vida pública. Aldrich, já acostumado a trabalhar com suspense, consegue fazer com que a obra tenha uma ótima evolução de ritmo. No inicio a tensão é mais leve, onde existe um simples desgosto entre as duas irmãs. Com o prosseguimento da narrativa, e com a queda da sanidade de Jane ficando cada vez mais evidente, a violência e a tortura começam a aumentar a um nível assustador. Isso faz com que tenhamos várias cenas fortes como por exemplo Jane servindo um rato morto de jantar apra Blanche, e depois gargalhando de maneira sinistra.
Aldrich é extremamente competente em fazer com que telespectador mergulhe de cabeça dentro da obra, e que tenha seu psicológico extremamente balançado. A construção da trama e dos personagens é tão bem feita, que nada fica inverossímil, e todas as crueldades cometidas por Jane são aceitas e assustam a todos nós. Chega a um dado momento em que ficamos apreensivos para saber qual o próximo passo dela, visto que ela está disposta a tudo para fazer com que a vida da irmã seja um inferno, e para que ninguém atrapalhe seus planos. Ao mesmo tempo sofremos das angústias de Blanche, ainda mais quando vemos que ela tem chances mínimas de escapar e que ela esta numa prisão, o que faz com que seu desespero nos toque profundamente
Todo o trabalho feito por Aldrich e por Keller teria sido em vão se eles não estivessem trabalhando com duas das maiores das atrizes da história, que conseguem ajudar na construção das suas personagens. Bette Davis aqui faz uma das melhores interpretações da sua carreira, sabendo mostrar muito bem todas as facetas de Jane e mostrando o quão complexa ela é. Ao primeiro momento vemos uma sádica sem coração, depois percebemos que na verdade ela nunca deixou de ser aquela criança prodígio. Isso fica claro pelas roupas que ela usa, um vestido que remete a época do seu sucesso. Ela é uma jovem em um corpo de 50 anos, tudo que ela faz é por impulso, para logo depois se arrepender. A atuação de Davis é tao primorosa, que acabou por fazerem muitos esquecerem que Joan Crawford estava no filme (meio irônico, não?), mas a atriz também é muito eficiente em deixar transparecer todas as dores de sua personagens, tanto físicas quanto mentais.
O filme foi o início do sub gênero Psico-Biddy, que tem como características apresentar personagens idosas, que possuem um passado de glamour e fama, mas que devido a um acontecimento, acabaram por perder tudo que tinham, e vivem no ostracismo com uma relativa riqueza. Frequentemente existe uma segunda personagem principal no filme, que também é uma mulher de idade, e as duas protagonistas tem uma profunda rivalidade, construída ao longo dos anos, por variados motivos. Grandes exemplos desse sub gênero são os filmes Com A Maldade Na Alma, também de Aldrich, A Mansão dos Desaparecidos de Lee Gatzin, e Obsessão Sinistra de Curtis Harrington
O Que aconteceu com Baby Jane é definitivamente um clássico do suspense. Muito bem dirigido, muito bem roteirizado, com excelente aspectos técnicos e com atuações brilhantes. O filme é considerado o Magnum Opus de Aldrich e mostrou que Bette Davis e Joan Crawford, apesar da idade, ainda tinham muito a oferecer. É um filme bastante forte, e que consegue capturar a nossa atenção e mexer com nosso psicológico do início ao fim.
BASTIDORES
Lembra quando eu falei que esse filme é lembrado não apenas por sua qualidade, mas também pelo seus bastidores. Pois bem, eu achei que seria interessante abrir um tópico só para falar o que aconteceu durante as filmagens desse filme, situações que fizeram com que a mídia tivesse um interesse muito maior por ele. As intrigas começaram a partir do momento que Crawford procurou Bette para o papel. Ela aceitou, como todos sabem, mas não apenas porque seria uma chance de voltar para os holofotes, e sim também porque o diretor Aldrich garantiu que ela ficaria com o papel de Jane, e que o diretor não havid tido relações sexuais com Crawford
O segundo round envolveu duas rivais do mundos negócios, Coca Cola e Pepsi. Joan se envolveu com a segunda em 1955, ao ter se casado com um dos acionistas da empresa, Alfreed Steele. O casamento durou pouco, devido a morte de Steele em 1959 devido a um ataque cardíaco, mas Crawford menteve suas relações com a Pepsi, e se tornou embaixadora da marca. Devido a isso, mandou instalar um maquina da empresa para os funcionários do filme. Davis respondeu de uma maneira bem elegante, mandando instalar uma maquina da Coca Cola ao lado da maquina da Pepsi
Os problemas agora foram para as filmagens. Preocupada com a chance de poder se machucar em cena, Crawford pediu para que um dublê fosse usado nas cenas de violência física. Mas para o azar dela, ela teria apenas uma cena desse nível para participar, e o não iriam contratar um dublê apenas para uma cena. Durante as gravações, Davis acabou acertando um chute com vontade na cabeça de Crawford, golpe que ela jura não foi intencional. Joan acabou por levar alguns pontos naquele dia.
A vingança viria em seguida. Todos sabiam que Bette Davis tinha alguns problemas crônicos na coluna, e que lhe acompanhavam por muito tempo, e Crawford também sabia. Em uma cena onde Jane carrega Blanche, Joan decidiu sabotar a companheira de cena e colocou pesos dentro da roupa, para poder dificultar o trabalho. E para piorar tudo, ela começava a rir nas cenas, afirmando que sentia cócegas. Ou seja, tudo tinha que ser feito do início. Resultado? Bette Davis teve que se ausentar três dias das gravações
Como já afirmado, o filme foi um sucesso, e trouxe os holofotes de volta para as atrizes. Em todas as entrevistas que Davis dava, ela nunca elogiava a atuação de Crawford, alias, nem a citava, como se ela não estivesse no filme, o que irritou a atriz. E a irritou ainda mais o fato de que a Academia simplesmente a esnobou, indicando apenas Davis pelo seu papel. Ela resolveu agir. Primeiro, foi atrás de todas as atrizes indicadas ao oscar no ano ( Geraldine Page, Katharine Hepburn, Lee Remick, Anne Bancroft), e pediu para que caso elas fossem as vencedoras, que ela pudesse receber o prêmio no lugar delas. As concorrentes, por algum motivo inexplicável, aceitaram. Para garantir que Davis não fosse a vencedora, usou de toda a sua influência para convencer os membros da academia a não votarem nela. Todas as ações de Crawford deram resultado, e no dia da premiação Bancroft foi nomeada a vencedora. A surpresa de Davis ao ser derrotada se transformou em fúria ao ver a rival passar por ela e ir receber o prêmio com um grande sorriso nos lábios. Bette diria no futuro que foi uma das atitudes mais baixas já feitas.
Não parou por ae. Aldrich quis repetir a mesma fórmula de sucesso de O Que Aconteceu Com Baby Jane, e chamou as duas atrizes para protagonizar o filme Com A Maldade Na Alma, e elas aceitaram, provavelmente vendo mais um sucesso de bilheteria. Porém, dessa vez o drama foi forte demais, e Joan acabou sendo hospitalizada logo no inicio das filmagens, alegando pneumonia. Com medo dela não poder voltar as filmagens, Bette e o diretor Aldrich decidiram substituí-la pela atriz Olivia de Havilland. Crawford ficou devastada com a notícia, pois afirma que ficou sabendo da troca por uma rádio, quando estava no hospital. O ódio que ela sentia por Davis ficou ainda maior, e agora Robert Aldrich também havia se tornado uma persona non grata para ela. Davis e Crawford nunca mais trabalharam juntas, e provavelmente nunca mais chegaram perto uma da outra.
O ódio não era apenas marketinga, era real, e uma das muitas histórias circundou os bastidores de Hollywood, e se tornou notório como uma das rivalidades mais intensas do cinema. Uma opinião pessoal minha agora. Eu acredito que, apesar da rivalidade, dificilmente elas não nutriam um certo respeito, mesmo que mínimo, entre si. A própria Davis em sua biografia se mostrou grata a Crawford pela chance de ser Baby Jane, e reconheceu o seu valor como atriz, e provável que a própria Joan reconhecesse o talento da rival. O fato é, foram duas grandes profissionais, duas abelhas rainhas da Era de Ouro, e que por mais que não quisessem admitir, tinham muito mais coisas em comum do que diferenças.
O Que Aconteceu com Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?) — EUA, 1962
Direção: Robert Aldrich
Roteiro: Lukas Heller (baseado na obra de Henry Farrell)
Elenco: Bette Davis, Joan Crawford, Victor Buono, Wesley Addy, Julie Allred, Anne Barton, Marjorie Bennett, Anna Lee, Maidie Norman, Dave Willock, William Aldrich, Russ Conway, Maxine Cooper, Robert Cornthwaite
Duração: 134 min.