Quem conhece apenas as fases intermediárias e final da carreira de Daniel Day-Lewis e a precisão com que ele escolhe os seus papéis não acha que algum filme inicial do ator possa ter sido esquecível. A sua carreira é tão peculiar e a quantidade de longas que fez é tão inversamente proporcional ao seu talento que é comum pensar que o começo foi brilhante como quase tudo que veio posteriormente. Nessa fase, inclusive, se encontram algumas das suas melhores performances, como as que são vistas em A Insustentável Leveza do Ser, Meu Pé Esquerdo e O Último dos Moicanos.
No entanto, para a surpresa de muitos, ele fez, em 1989, O Sorriso de uma Vida, obra cujo total desconhecimento por parte do público não tem nada de aleatório. Contando a história do Dr. Fergus O’Connel (Lewis), dentista que, durante uma viagem pela Patagônia, reafirma a sua posição de nômade e se apaixona pela jovem Estela (Mirjana Jokovic), o primeiro longa do diretor argentino Carlos Sorin é uma mistura estranha de comédia e drama na qual todas as tentativas de fazer rir ou comover se revelam insuficientes.
No primeiro ato, a impressão é de que, à procura de algo que confirme a sua identidade (ele diz constantemente: “Sou um dentista”), o protagonista embarcará numa viagem de auto-descoberta que pode incluir o papel que exerce profissionalmente, acontecimentos do seu passado e o sentimento afetuoso que Estela lhe desperta. Os planos gerais explorando a beleza física das paisagens (o que reflete o interior da personagem), a estrutura narrativa de um road movie e o tempo dedicado aos personagens e à interação que nasce entre eles corroboram para que essa sensação se estabeleça.
Depois, tudo isso é abandonado e o filme se transforma numa obra engajada em que proliferam comentários sobre odontologia e instituições médicas. Desse momento em diante, as personagens deixam de ser desenvolvidas e o espectador não tem mais a oportunidade de saber algo sobre elas. Eventualmente, acaba se tornando um longa bizarro onde os arcos dramáticos são abruptamente interrompidos e os conflitos se alteram completamente (há até uma intenção pífia de recriar símbolos religiosos). A dublagem mal feita e a trilha sonora peculiar, composta a partir de sons de flauta (a ideia de um dentista ser flautista é uma das poucas que se mostram bem pensadas), também nada fazem para melhorar o resultado.
Nem mesmo a mise-en-scène criativa de Sorin e as atuações carismáticas e tecnicamente competentes de Lewis e Mirjana são capazes de salvar o filme da completa mediocridade. Por fim, um dado curioso: o diretor argentino só voltaria a filmar em 2002. É difícil dizer se esse longo hiato se deu em razão do seu primeiro filme ou por outros motivos. Entretanto, seja qual for a resposta, embora haja méritos na direção e na performance de Lewis, se elas fossem analisadas individualmente, quase ninguém diria que esse cineasta faria filmes interessantes nas décadas seguintes e que esse ator se tornaria um dos melhores da história.
O Sorriso de uma Vida (Eversmile, New Jersey, 1989 – Argentina e Inglaterra)
Direção: Carlos Sorin
Roteiro: Carlos Sorin, Roberto Scheuer e Jorge Goldenberg
Elenco: Daniel Day-Lewis, Mirjana Jokovic, Gabriela Acher, Julio De Grazia, Ignacio Quirós
Gênero: Comédia/ Drama
Duração: 88 min.