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Crítica | Ozark – 1ª Temporada

Que grata surpresa é essa nova série original da Netflix. Estava faltando no catálogo da gigante do streaming algo desse gênero que “deixa o espectador sem ar”, próximo do estilo Breaking Bad, Família Soprano e Bloodline. Os tons melancólicos e angustiantes da narrativa entregam uma história intensa, que passa da apatia para a violência com extrema sensibilidade. Os dez episódios desta primeira temporada de Ozark conseguiram me deixar preso frente aos acontecimentos e envolvido na trama de uma maneira que poucas séries conseguem atualmente.

Até conseguimos comparar detalhes nessa produção que são pertinentes a outras, mas a verdade é que Ozark apresenta uma maneira própria de levar a história. Ao mesmo tempo em que o roteiro caminha com paciência, sabe os momentos certos para introduzir os temas, personagens e situações aos quais recorre. Quando a narração do episódio piloto começa, você consegue ter uma noção do tom introduzido rapidamente ali, com cenas confusas de flashforward ambientadas em cenários escuros. Essa construção terrivelmente tensa guia o desenrolar do show, vindo ao encontro dos próprios problemas em que se envolve o protagonista.

Além de protagonista, Jason Bateman também dirige 4 episódios nesta temporada

 A FORÇA DE UM BOM ROTEIRO

Parte do argumento da série depende de forjar uma família de anti-heróis, assim como Walter White está para Breaking Bad. Então, somos apresentados a Marty Byrde (Jason Bateman), um consultor financeiro desmotivado e melancólico que usa a empresa como fachada para lavar o dinheiro do segundo maior cartel de drogas mexicano. Paralelamente, ele está lidando com a relação extraconjugal da esposa Wendy (Laura Linney, em uma atuação inspiradora). Depois que o sócio de Marty rouba o cartel e, tendo um barril de ácido como único destino, ele convence o vilão Del (Esai Morales) que pode lavar muito mais dinheiro longe dos olhos curiosos de Chicago, na região do Lago Ozarks no Missouri.

Assim, com a mudança do casal e seus dois filhos, Charlotte (Sofia Hublitz) e Jonah (Skylar Gaertner), para o balneário com mais costa do que a Califórnia inteira, a história desenvolve-se norteada pela violência e miséria do local fora de temporada. Essa situação incômoda em que a família encontra-se é responsável para que o público torça por personagens de moral duvidosa sem perder a empatia por eles. Marty não tem uma índole ruim e o senso indestrutível de responsabilidade estabelecido para o personagem é excelente, um definidor para todo o andamento da história. A verdade é que a posição de anti-herói da família funciona – e funciona muito bem.

Grande parte da qualidade de Ozark se deve ao roteiro muito bem construído por Bill Dubuque (O Juiz). Em alguns momentos, a série até consegue fazer você ficar de boca aberta e coração acelerado, mas não é somente pela surpresa que esse roteiro brilha. Conforme a história vai sendo revelada e os personagens vão sendo construídos, Bill nos leva a um novo acontecimento impactante. E sem subestimar o espectador de forma alguma, pois as informações não são entregues de maneira mastigada. Isso faz com que o público reflita sobre as situações, especialmente sobre as fortes críticas sociais das quais falamos abaixo. Em certos momentos, a série me lembrou bastante os tons e diálogos construídos em House Of Cards, também um original da Netflix.

Laura Linney interpreta Wendy, a esposa infiel e cúmplice nos negócios ilícitos do marido

PERSONAGENS TRIDIMENSIONAIS

Além do enredo forte, o desenvolvimento dos personagens é outra característica marcante nestes 10 episódios. É fácil perceber as nuances que vão moldando-se em Marty, Wendy e nos coadjuvantes dessa região gélida. Dessa maneira, não fica cansativo acompanhar a evolução deles e as características levam o público a estabelecer uma conexão forte e rápida com a história. Aliás, praticamente todo o elenco consegue deixar sua marca através das atuações.

O que podemos presenciar é uma execução muito emocionante e madura do ator Jason Bateman (Quero Matar Meu Chefe), afinal, é incrível observar como Marty pode ser realmente frio em momentos chocantes e ao perceber que tudo está desmoronando. Entretanto, ao mesmo tempo em que ele está inerte, também volta à ativa rapidamente para medidas drásticas. Esse tipo de tridimensionalidade é comum nos personagens de Ozark, tanto em protagonistas quanto nos coadjuvantes. Você se depara com pessoas de moral flexível e que, através dessa representação, levam o contexto a um nível superior.

Bateman, que também dirige quatro dos episódios desta primeira temporada, é seguido imediatamente por Laura Linney (Sully: O Herói do Rio Hudson), que brilha como a esposa infiel e cúmplice dos crimes do marido. Caricatura por caricatura, destaco apenas a interpretação de Esai Morales (Caprica) para o poderoso chefe do cartel de drogas. Entretanto, na pele do vilão Del não dá para fugir muito disso e acaba sendo compreensível a falta de carisma, sem afetar diretamente a qualidade das cenas com ele. Para terminar, uma coadjuvante que merece atenção nesse elenco maravilhoso é Julia Garner (As Vantagens de Ser Invisível). A garota entrega contornos bem profundos para representar carência, força e desprezo em uma única cena da sua personagem, Ruth.

Julia Garner entrega uma atuação profunda como Ruth

ESPELHO DA SOCIEDADE

São todas essas características que você viu até agora que permitem levar Ozark ao ponto em que ela realmente se engrandece: a forte crítica social. A direção da série traz inúmeras simbologias que podem ser compreendidas através de uma leitura mais atenta da série. A ótima escolha do jogo de câmeras, filtros mais dark, cenas sem-pudor e uma montagem correta levam o espectador a entender que ele precisa compreender mais do que aquilo que está na tela. Ao assistir, até voltei a episódios anteriores para admirar novamente algumas cenas.

Fugindo das caricaturas, a série explora a ignorância e miséria de uma população, mas não faz isso unilateralmente. O enredo mostra como diferentes experiências de vida podem criar realidades ao mesmo tempo tão distintas e tão próximas, já que a mensagem é: todo mundo tem uma história e nossas ações norteiam os resultados. A dona do bar falido, o velho que espera a morte, o ‘caipira’ de má-reputação que busca uma vida melhor ou o investigador do FBI com desvios psicológicos são exemplos claros desta prerrogativa. Além disso, o texto transforma diálogos que poderiam ser rasos em verdadeiras lições de sociologia.

Por fim, eu estaria sendo injusto se não citasse a fotografia imponente e a trilha sonora precisa dos episódios. Ozark é muito bem escrita e conta com a experiência da Netflix em escolher elencos certeiros. Com episódios que te prendem do começo ao final, sem nunca perder a essência, a série deixa algumas pontas soltas no final – e que provavelmente serão esclarecidas em uma nova temporada. Eu diria que a série é candidata forte à virar uma queridinha do streaming, se não fracassar nos números de audiência guardados à sete chaves pela empresa.

Espero que venha uma 2ª temporada para manter em foco essa discussão sobre poder, dinheiro e moralidade. A verdade é que sempre é hora de qualquer pessoa aprender um pouquinho mais com tramas como Ozark.

 

Ozark – 1ª Temporada (Idem, 2017 – EUA)

Criado por: Bill Dubuque, Mark Williams
Direção: Jason Bateman, Andrew Bernstein, Ellen Kuras, Daniel Sackheim
Roteiro: Bill Dubuque, Paul Kolsby, Mark Wiliams, Martin Zimmermann, Whit Anderson, Ryan Farley, Alyson Feltes e Chris Mundy
Elenco: Jason Bateman, Laura Linney, Sofia Hublitz, Skylar Gaertner, Julia Garner, Esai Morales, Jordana Spiro, Jason Butler Harner, Peter Mullan, Lisa Emery.
Emissora: Netflix
Gênero: Drama, Crime
Duração: 60 minutos (aprox.)

Texto escrito por Evandro Claudio

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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