No embalo fantástico dos anos 1950 do ritmo insano das produções Universal, Douglas Sirk se destacava ao conseguir entregar pelo menos três longas metragens rentáveis focados na audiência feminina com seus melodramas que, hoje, trazem um panorama histórico muito valioso através do comentário crítico presente em longas como Tudo o Que o Céu Permite ou Imitação da Vida.
Dentre essas produções destacadas, uma terceira, Palavras ao Vento, também foi alçada como uma peça importante na carreira de Sirk, apesar de ser um filme consideravelmente mais comportado ao “studio system” do que os outros dois que acabaram conhecidos como verdadeiras obras-primas desse ótimo dramaturgo.
Tragédia Sob Medida
O roteiro de George Zuckerman é inspirado pelo romance de Robert Wilder, concentrado no fenômeno da explosão de riqueza nos Estados Unidos por conta da prospecção de petróleo. Em vez de focar na primeira geração de novos ricos, Zuckerman traz a história da segunda geração da família Hadley, mas sob uma ótica curiosa.
O ricaço Kyle Hadley (Robert Stack) se apaixona perdidamente por uma conhecida de seu melhor amigo de infância, Mitch Wayne (Rock Hudson). Lucy Moore (Lauren Bacall) trabalha nas indústrias do império Hadley e logo fica surpresa com as investidas incessantes de Kyle que faz de tudo para impressioná-la, disputando a atenção da mulher com Mitch. Vencendo esse triangulo amoroso em potencial, Kyle e Lucy acabam se casando, mas isso não anula o fato de Mitch ainda estar apaixonado pela antiga colega.
Porém, para complicar sua situação, a ardilosa irmã do amigo ricaço, Marylee (Dorothy Malone), perdidamente apaixonada por ele, percebe que a atenção do amado está em outra mulher e assim começa a elaborar um ardiloso plano.
É notável o quão ligeiro seja o ritmo de acontecimentos que Zuckerman e Sirk empenham em Palavras ao Vento. De primeiro momento, em uma das sequências iniciais menos convencionais do cinema daquela década, temos um acontecimento bruto e chocante que consegue sustentar um enorme mistério. A narrativa então é transferida para o passado em um elegante flashback focando em datas de um calendário revelando então esse formato não-linear pouco convencional para Hollywood, mesmo depois da abordagem incrível da narrativa de Crepúsculo dos Deuses e também de Cidadão Kane, lançados muitos anos antes.
Para um longa simples como esse, arriscar uma narrativa não-linear certamente é um passo corajoso. E o mesmo ocorre com a tradicional pressa dos melodramas de Sirk em estabelecer os romances para logo introduzir a tragédia que concentra a maior parte do desenvolvimento dos personagens. Apesar da transformação amorosa entre Kyle, Lucy e Mitch ser tão apressada beirando até mesmo a uma pequena confusão sobre quem são aqueles personagens, Sirk consegue injetar um senso de aventura e deslumbramento realmente únicos, além de exibir o desconforto de Lucy ao notar que o ricaço tenta impressioná-la com compras e presentes caros, basicamente comprando seu amor.
O olhar de Sirk sempre foi bastante antipático com a elite que ele retratava em seus melodramas, mas em Palavras ao Vento temos a abordagem mais visceral de decadência moral em contraste com o bastião de moralidade representado por Mitch, um homem acostumado com a riqueza do amigo, mas ainda assim bastante simples. Como esse arquétipo é bastante clichê, apenas há o interesse nos desdobramentos que os filhos Hadley acarretam para a própria família.
O patriarca Jasper, já idoso, se preocupa com o legado de seu trabalho que está totalmente incerto com o filho e também com a filha. Após um longo período reabilitado, Kyle volta a ser um tremendo alcóolatra enquanto Marylee se afoga em promiscuidade para chamar a atenção de Mitch. Pela posição de antagonista, a personagem rende bastante interesse por ser uma alma malvada, mas totalmente escravizada por uma paixão impossível, recorrendo aos piores métodos para tornar Mitch seu marido. A relação entre os dois, apesar de repetitiva, rende os melhores momentos do longa enquanto Kyle se perde no álcool – a motivação para isso é curiosa também.
Peças Previsíveis
Com o longa encaminhado para o terceiro ato, muitos dos conflitos recebem reviravoltas previsíveis abordando coisas recorrentes em melodramas como a morte e amores impossíveis. É por conta dessa construção artificial em excesso, concentrada muito em situações exageradas, enfim, melodramáticas, do que nos próprios personagens que apenas se tornam rascunhos simples do que realmente poderiam ser.
Por conta disso e de um dilatamento pré-clímax, o filme nunca atinge seu verdadeiro potencial, mas ao menos há um bom desempenho de Sirk na direção concentrando imagens sempre bastante românticas e outras totalmente desoladoras. Em um dos momentos mais poderosos, Sirk elabora um jogo contrastado na montagem, trazendo a visão de Marylee totalmente embriagada por infernizar a vida de seu pai com a tristeza que isso causa no amargurado senhor que subitamente sofre um mau estar.
Aliás, é curioso notar como este é um dos longas que Sirk mais trabalha com a montagem, oferecendo um dinamismo notável, além da abordagem curiosa para o início do longa. O mistério é muito bem estabelecido com imagens repletas de estilo focando justamente no vento presente em toda a sequência, anunciando um mau agouro com bastante delicadeza. É apenas uma pena que Sirk tenha sido engessado pelo estúdio para forçar finais felizes sem sentido em peças que foram claramente escritas para terminar tragicamente, como é o caso de Palavras ao Vento.
Dentro de uma década repleta de filmes fantásticos, Sirk contribuiu com uma boa parcela para o cinema americano, mas dentre outro de seus trabalhos, é inegável que esse pequeno melodrama de relações humanas curiosas tenha sofrido bastante com a pressa para entregar apenas um bom filme comercial na época. A falta de ambição foi sua maior tragédia.
Palavras ao Vento (Written on the Wind, EUA – 1956)
Direção: Douglas Sirk
Roteiro: George Zuckerman, Robert Wilder
Elenco: Rock Hudson, Lauren Bacall, Robert Stack, Dorothy Malone, Robert Keith
Gênero: Drama
Duração: 99 minutos