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Crítica | Para O Homem Que Tem Tudo – Alan Moore nos revela a alma do Homem de Aço

No começo dos anos 80, as histórias em quadrinhos começaram a ganhar popularidade dentro do Reino Unido, e não apenas com crianças, mas também chamando a atenção de diversos jovens, tanto do ensino médio quanto universitários. Quem se beneficiou desse aumento do público das historias de banda desenhada era um jovem escritor que iniciava sua carreira no meio, seu nome era Alan Moore. O escritor já começava a mostrar naquela época o porquê de ter se tornado um dos maiores nomes no que tange quadrinhos. Era extremamente requisitado por diversas editoras, como por exemplo a IPC Magazines ( responsável pela famosa revista 2000 AD) e a Marvel UK( divisão britânica da Marvel Comics). Nessa época já começava a trabalhar com aquele que se tornaria seu grande parceiro e amigo, o desenhista Dave Gibbons.

O sucesso de Moore e de Gibbons logo começaria a chamar a atenção do mainstream americano. Len Wein, editor da DC comics na época, convidou o desenhista para desenhar a revista do Lanterna Verde em 1982. No ano seguinte seria a vez de Alan receber um convite, para que assumisse a revista do Monstro do Pântano, que na época estava com baixas críticas, e consequentemente baixas vendas. O escritor praticamente reinventou o personagem, ao abordar em suas tramas questões sociais e ambientais. Sob a tutela de Moore,a revista recebeu vários elogios, e as vendas aumentaram. O sucesso fez com que a DC decidisse exportar diversos outros escritores do Reino Unido, entre eles Grant Morrison, Jamie Delano e Neil Gaiman, para escrever séries com a mesma popularidade do Monstro do Pântano. Esse fato marcaria o inicio do selo Vertigo, que seria marcado por histórias mais adultas.

Algum tempo depois, Julius Schwartz, também editor, perguntou a Gibbons se ele tinha interesse em desenhar uma história para o Superman. O desenhista aceitou, mas questionou para Schwartz quem era o roteirista da história. O editor não tinha escolhido um nome, e garantiu a Gibbons o direito de escolher quem iria ser o responsável pela trama, que rapidamente apontou Alan Moore como sua escolha. O escritor já tinha mostrado vontade de escrever sobre personagens do time principal da DC Comics, como por exemplo o Caçador de Marte, e também os Desafiadores do Desconhecido. Havia levado diversas propostas a diretoria da editora, mas todos os personagens que escolhia já estavam sendo escritos por outros profissionais. Junto com Gibbons, Alan Moore iria escrever não apenas uma das melhores histórias do Homem de Aço, mas como também uma obra que se tornaria uma das principais da Era de Bronze dos quadrinhos, devido a sua abordagem inédita.

Na trama, estamos na data do ” aniversário do Superman” (data em que ele chegou a terra), e seus melhores amigos, Batman ( acompanhado por Jason Todd) e Mulher Maravilha lhe fazem uma visita a Fortaleza da Solidão para lhe entregar seus presentes. Ao chegarem la, acham o Superman em estado de transe, enrolado por uma planta misteriosa. Logo descobrem que o responsável pelo ato é o alien Mongul, um recente vilão do Azulão, e que havia sofrido recentemente uma humilhante derrota para esse. O vilão revela que a planta é chamada Clemência Negra, que suga a bioaura de sua vítima, enquanto realiza o seu maior desejo. Na outra parte da história, vemos que Kal-El habitando seu planeta natal, que nunca foi destruído, e sendo casado e com dois conflitos. Krypton enfrenta uma grave crise social, com alguns defendendo que o planeta volte a ser o que era, contra outros que apoiam as práticas progressistas que estão sendo aplicadas. O líder dos conservadores é Jor-El, que caiu em desgraça após suas previsões sobre o fim do mundo falharem. Enquanto isso, Kal-El começa a perceber que talvez nada do que vive é real.

Alan Moore fez definitivamente algo que nenhum outro escritor já havia feito com o Superman, ele fez uma dissecação da alma do Homem de Aço. O Superman era visto como um exemplo por todas as pessoas da Terra, sendo amado e respeitado em cada continente pelos seus feitos heroicos. Não apenas na terra, o Azulão era respeitado em diversas outras regiões do universo, ao mesmo tempo que era temido em mesmo proporção pelos seus inimigos. Mas, Moore então decide fazer um questionamento, será que dentro dele ele se sentia completo? A resposta nos dada é negativa. Em seu interior, Kal El nunca deixaria de ser um órfão, aquele ser que perdeu todo o seu planeta e que nunca pode viver junto do seu povo. E ele sabe que, não importa o quão poderoso ele fosse, ele jamais poderia mudar isso, o que lhe causava um grande sofrimento.

Não apenas fazer uma nova abordagem do personagem, Alan Moore nos mostra o quanto ele é importante. Se Krypton não tivesse explodido, a vida do Homem de Aço teria sido completamente diferente do que é agora, com ele provavelmente seguindo a mesma carreira do pai, ou talvez diferente, e tendo uma família e com nenhum pensamento de ser um herói. Não existiria um Superman, seus atos heroicos nunca aconteceriam. Ai que entra o grande conflito interno da trama. O Superman ter que escolher viver o seu sonho, junto do seu povo, ou voltar para a realidade, continuar sendo o símbolo de esperança que nós conhecemos, e se convencer de que Krypton nunca irá retornar. Já é possível imaginar qual foi o caminho que ele escolheu, e é bastante tocante e forte quando ele se desconecta do mundo criado pela Clemência negra.

Moore fez aquilo que Dennis O´Neil fez com o Lanterna Verde  nos anos 70, mostrou que era possível fazer histórias mais sérias dos personagens principais da DC, sem fazer com que eles perdessem sua essência. Batman aqui na história é mostrado ao mesmo tempo como o grande pensador analítico, e ao mesmo tempo atuando como uma figura paterna para o jovem Jason Todd ( que acabava de assumir o manto de Robin, abandonado por Dicky Grayson, que virou líder dos Titãs). O escritor por um breve momento nos mostra aquele lado do Batman que já conhecemos, a saudade eterna dos seus pais, assassinados na sua frente. A Clemência negra ataca o morcego e vemos Batman numa ilusão onde Thomas consegue desarmar Joe Chill, momento rápido mas forte também. Mulher Maravilha é mostrada também pelos seus dois lados, a pessoa doce e gentil, mas que quando é necessário se torna uma poderosa guerreira.


A arte de Gibbons é definitivamente um show a parte. O nível de detalhismo que ele coloca em seus desenhos é algo extremamente fora de série. É incrível a capacidade que ele tem de demonstrar todas as emoções dos personagens. Vale citar também, um dos grandes feitos dessa história é mostrar uma faceta do Superman que antes não havia sido conhecida, a raiva. Quando o herói sai da sua prisão mental, ele entra em um completo estado de fúria, algo que nunca tinha sido feito. O quadro onde vemos o Homem de Aço queimando Mongul é poderosa. Os traços do vilão também são extremamente bem feitos, dando-lhe imponência e mostrando o quanto ele é perigoso.

Para o Homem Que Tem Tudo é uma quadrinho extremamente bem desenhado e muito bem escrito. Consegue trazer uma ótima mistura de ação e drama. É uma história extremamente profunda, que mostrou para o público que o Superman talvez fosse um personagem mais complexo do que eles imaginavam, e mostra o porque dele ser tão importante no mundo em que vive.

Para O Homem Que Tem Tudo (For The Man Who Has Everything) — EUA, Agosto de 1985
Contendo: 
Superman Vol 1 Annual #11

Roteiro: Alan Moore
Arte: Dave Gibbons
Arte-final: Dave Gibbons
Cores: Tom Ziuko
Letras: Dave Gibbons
Editor: Julius Schwartz

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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