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Crítica | O Rastro

O Rastro é aquela produção que você vai assistir com a expectativa nas alturas devido ao compartilhamento massivamente do trailer ser divulgado nas redes sociais e muitos já diziam muito antes da estreia que seria o melhor filme nacional de terror já feito. Infelizmente isso está longe de ser verdade.

Projeto que levou oito anos para chegar as salas do cinema tentou trabalhar vários elementos que deram certo em filmes de terror de outros países. A ideia da casa amaldiçoada que foi muito bem adaptada em Invocação do Mal aqui se tornou um hospital demonizado por uma garotinha. Sua aparição, por sinal lembra os espíritos que são de assustar qualquer um em produções coreanas e japonesas. Há também o fator loucura psicológica do personagem vivido pelo ator Rafael Cardoso ao estilo O Iluminado.

E são essas referências que mais atrapalharam o andamento do filme. O cinema nacional de antigamente tinha uma pegada mais macabra e bizarra com Zé do Caixão, tinha uma identidade nacional. Já O Rastro quis pegar tantas e tantas referências que acabou ficando sem foco e não conseguiu criar um estilo próprio. Para começar, o diretor na entrevista coletiva de promoção disse que usou como base alguns longas como Babadook, O Orfanato, Labirinto do Fauno entre outros.

É possível fazer um cinema que tenha elementos do terror brasileiro ou terror tropical como muitos chamam sem precisar tentar copiar ou usar produções estrangeiras que deram certo em seus respectivos países como inspiração. O Rastro tem uma boa ideia, mas o uso excessivo de referências faz o filme se perder. Quem o assistir vai perceber que em um momento ele é uma coisa em outros momentos ele muda o caminho da narrativa, até que ao final eles tentam dar uma virada que se tivesse sido colocada muito antes seria excelente, mas acabaram perdendo a chance. Tentaram chocar e surpreender ao mesmo tempo.

A história segue a vida de João (Rafael Cardoso) um ex-médico que trabalha em uma central de transferência de pacientes de um hospital para outro. Ele notifica um antigo amigo que ele não pode mais colocar ninguém em nenhum leito, pois seu hospital estava proibido de atender novos pacientes devido a precaridade do lugar. Não há higiene, aparelhos quebrados e mais uma soma de fatores fizeram com que João chegasse a decisão de fechá-lo. Antes ele conhece uma garota menor de idade e internada sozinha por lá, sem acompanhamento de uma pessoa maior de idade. Ela não tem família, não tem pais nem mãe. Ela vive em um internato e por estar doente foi parar lá.

Feito o fechamento e a retirada de todos pacientes (com foco na revolta da população e que o lugar atendia aos pobres por isso estava sendo fechado) João repara que essa menina estava desaparecida, o nome dela não constava na troca de leitos e por isso ela devia estar lá perdida ou algo havia acontecido com ela de mais sério. Eis que aí começa tudo, ele passa a correr loucamente do hospital para sua residência procurando por ela. Em seus sonhos tinha vislumbre dela como se fosse um fantasma. Sua esposa Leila (Leandra Leal) até então não tinha destaque nenhum e só aparecia para conversar com o marido. A protagonista feminina até então era a personagem de Cláudia Abreu, a médica Olivia do agora hospital abandonado e que ajuda João (um pouco) a procurar a garota. Mais para frente em sua investigação ele encontra o nome da médica envolvido em vários casos de operação de pacientes que sumiram do nada.

Ele continua investigando e o espírito da garota passa a aparecer mais vezes para ele e então começa a ter surtos psicóticos. É aí que o diretor tenta enganar o telespectador. Estaria João com problemas psicóticos e teria visões da garota? Será que ela morreu de fato e essa imagem que aparece para ele é um fantasma? Não, nada disso. O que pode ser dito sem estragar nada é que o filme fala sobre tráfico de órgãos. É um tema muito interessante se levar em conta que era um hospital quase abandonado e que cuidava da população de baixa renda. Mas precisava enrolar tanto para chegar nisso. A ideia é tão boa que deveria ser o tema central de tudo. Deveriam esquecer os fantasmas e tudo o mais. Seria um suspense excelente.

Com certeza a falha de tudo foi por parte do roteiro. A direção é boa, tem enquadramentos que dão um toque de suspense, o elenco é bem dirigido e sai bem na interpretação e a fotografia dá um ar de filme de terror. O problema como dito foi querer fazer um mistério excessivo e levar para um caminho da garota. Os efeitos especiais dela personificada em fantasma é tão ruim que lembra os do também filme brasileiro O CaseiroFora que os gritos dela em vez de fazer você sentir medo causam um certo constrangimento de tão forçado. Filme de terror é 50% som, ele que te causa na maioria das vezes aquele pânico. Em O Rastro ele é usado em tantas cenas desnecessárias que chega a ficar enjoativo e repetitivo e acaba matando uma cena que poderia dar algo.

O arco dramático de Cláudia Abreu poderia ter sido melhor desenvolvido e deram muito destaque para ela sendo que foi esquecida na última meia hora. A questão é o porque de terem colocado uma crítica social/política em uma produção que o foco é o terror? Nosso sistema de saúde é sim falido e bizarro. Um filme de terror perfeito por si só, mas porque colocar as cenas reais de pessoas em hospitais? Muito apelativo e desnecessário sendo que o foco é outro. Isso poderia ter sido melhor inserido se o roteiro tivesse sido bem escrito. A cena final com Demestrio Montagner nem o diretor conseguiu explicar porque estava lá, essa cena foi colocada sem nenhum contexto com o resto do longa.

O Rastro tentou criar uma identidade moderna para uma história já vista em muitas outras produções e empregada de melhor forma. Cinema nacional vai continuar sofrendo rejeição enquanto produções assim continuarem sendo tão ruins. Mas há uma esperança, pelo menos o elenco mandou bem e isso já é uma melhora em relação a produções anteriores. 

Escrito por Gabriel Danius.

O Rastro (2017)
Direção: J.C. Feyer
Roteiro: André Pereira
Elenco: Leandra Leal, Rafael Cardoso, Cláudia Abreu, Alice Wegmann, Jonas Bloch, Felipe Camargo
Gênero: Terror
Duração: 90 min

 

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Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

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