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Crítica | Sing: Quem Canta Seus Males Espanta

Já não é de hoje que repito por aqui ou em conversas entre amigos que Chris Meledandri é um daqueles eventos-catarse que a indústria recebe com alguma rara frequência. O cara entende de mercado como ninguém. Um dos mercados mais complicados: o infantil. O produtor já estava envolvido em animações desde o início de sua carreira, mas sua chance de ouro explodiu com a criação de Meu Malvado Favorito, rendendo para si uma sequência e um spin-off.

Vendo que sua franquia de maldade e ajudantes amarelos logo dará sinais de esgotamento, rapidamente voltou suas apostas em algo irresistível para todas as crianças e (muitos) adultos: animais, principalmente mamíferos fofinhos. Há poucos meses, a primeira aposta de fábula moderna se provou acertada: Pets foi um grande sucesso de bilheteria. Com Sing, a aposta deve se mostrar acertada mais uma vez.

Narrativa histórica

Assim como todos os filmes de Meledandri, o roteiro não é lá grandes coisas, mas este aqui é um dos melhores já feitos para suas produções. Acompanhamos o drama de Buster Moon, um coala simpático que tenta salvar seu teatro – adquirido através de muito esforço do trabalho do pai, da completa falência. A inaptidão completa de visão de mercado levou o pequeno Buster a apostar em peças que só lhe renderão prejuízo e empréstimos bancários.

Com a hipoteca do teatro explodindo e o banco ameaçando tomar a propriedade de volta, Moon pretende organizar uma disputa de canto onde o vencedor ganharia o prêmio de 1.000 dólares. Porém, com os erros de sua assistente-iguana meio cega e idosa, o valor anunciado nos panfletos é de 100.00 dólares. Graças ao valor altíssimo, diversos concorrentes se inscrevem para as audiências.

Observando os novos talentos, Moon aposta no sucesso de público de seu concurso, porém ainda é assombrado pelo valor da recompensa prometida que ele não possui a menor condição de pagar.

Provavelmente o motivo do roteiro de Sing ser bastante superior a dos outros filmes da Illumination é por conta do trabalho de Garth Jennings. Isso se dá pelo investimento em conflitos muito humanos, de fácil empatia, para os diversos personagens. Cada um deles carregam dramas distintos que conversam com o espectador.

Vejamos, Moon é o protagonista, logo possui o conflito mais abrangente do filme: dificuldades orçamentárias, ameaças do banco e sonhos frustrados. E então temos os selecionados para a competição. O roteirista faz que cada um seja motivado por elementos externos além do incentivo da recompensa.

Rosita é uma porquinha, mãe de vinte filhos, dona de casa que já viu o trabalho exaustivo de seu marido esfriar o calor do casamento. Seus sonhos ficam em 2º plano para cuidar da vida doméstica. Ash, uma porco-espinho, limitava seu talento como cantora para atender as conveniências do seu namorado pretensioso metido à artista pós-moderno, além de sofrer com as frustrações do relacionamento. Meena é uma elefanta tímida que mora em uma residência pequena junto de sua família de peso e enxerga a oportunidade da competição para se tornar extrovertida e menos insegura.

Os únicos que se afastam da normalidade dramática são Johnny e Mike com a função de injetarem mais aventura na história. Johnny, um gorila adolescente, ajuda a gangue de seu pai em diversos crimes, mas se vê dividido para seguir seu sonho de cantor. Já Mike, arrogante e fracassado, gasta todo o dinheiro do prêmio antes mesmo de ganhar o concurso. Trapaceando em um jogo de pôquer, uma máfia de ursos passa a caçá-lo até o restante do filme.

Se há algo que parabenizo Jennings, é seu poder de síntese em estabelecer bem o conflito desses diversos personagens que nos cativam bastante. Dentro disso, obviamente alguns personagens são representações metalinguísticas óbvias. Mike é claramente inspirado em Frank Sinatra – inclusive em suas escapadas e flerte com o crime e mulheres. Já Nana Noodleman, uma artista de teatro prestigiosa carrega a aura do clichê que Gloria Swanson lançou em Crepúsculo dos Deuses.

A estrutura narrativa, assim como em outros filmes da produtora, é bastante simples, permitindo o pleno entendimento das crianças. O interessante, mesmo sendo um filme musical – contando com mais de 65 canções, é a forma inteligente que o diretor/roteirista dispôs isso na história, afinal, já imaginaram que chatice seria escutar uma playlist completa com 65 músicas?

Pois então, muitas delas são cantadas parcialmente, às vezes, nem atingindo dez segundos – como na montagem em sequência da seleção dos candidatos. Outras, ela está disposta como música diegética. Na verdade, somente no clímax que temos uma cantoria completa, mas ainda no modelo de exposição do show de talentos como um The Voice ou X Factor. Toda a natureza musical, de mudança de atmosfera com iluminação dramática, é muito restrita aqui, mas casa com a proposta realista do diretor.

Também é curioso como Jennings toma decisões corajosas em Sing, principalmente no momento obrigatória de toda narrativa de grupo que demarca a tristeza, perda ou declínio completo para encaminhar o clímax. Fora isso, a narrativa é padrão, apostando em diversas conveniências narrativas, principalmente no fato de Buster ser melhor amigo de Eddie, um filho-de-papai riquíssimo.

As outras reviravoltas que atingem o grupo, com exceção à de Johnny, são todas previsíveis, aumentando o longa além da conta. Outros desenvolvimentos acabam apressados, muitos tomando rumos clichês, além da conclusão do arco de Mike ser bastante insatisfatório. Entretanto, a temática de libertação orbita toda a conclusão do filme. Não apenas de libertação feminina, mas sim de todos os personagens. É um experimento de redenção coletiva genuíno e belo. Algo que nunca tinha visto em um filme Meledandri anteriormente.

Sociedade animal

Sing é um dos muitos longas sobre sociedades constituídas totalmente por animais antropomorfizados. Zootopia foi o ápice em termos de design inteligente, história e direção. Em Sing, infelizmente, não temos aqueles insights valiosos que pintaram no filme da Disney. Os cenários não têm aquele charme animalesco, nem mesmo como a sociedade e tecnologia se comportam perante seus habitantes animais.

Apenas é uma transposição do mundo humano com algumas adaptações não muito criativas. Ao menos, há piadas inteligentes explorando a anatomia dos bichos.

Jennings mantém o bom trabalho no roteiro com sua direção. Até pode assustar um pouco no início quando apresenta todos os personagens-chave a partir de planos-sequência excessivamente afetados e cartunescos. Fãs de Chuck Jones devem identificar o modo bem característico que o diretor dispõe os animais na abertura. De resto, seguimos na linguagem clássica, bem invisível.

É um diretor que evita chamar a atenção para seu trabalho bastante correto e competente. Ainda que trabalhe bastante com a simplicidade, não se trata de algo pouco inspirado. Inclusive, em algumas cenas, há algumas metáforas visuais inteligentes. Os momentos mais enérgicos e inspirados se concentram no ótimo clímax.

Só lamento que se trate de um trabalho, majoritariamente, automático, centrado em trabalhar na linguagem apenas como meio e pouco como mensagem, pois há potencial de sobra.

As músicas, um show à parte, misturando hits de diversas décadas inclusive apontando o abismo sem fim que a indústria musical caminha a largos passos. Mas quase nenhuma vez há uso inteligente delas para favorecer o drama. As raras ocasiões que acontecem, são fracas, mas ajudam a delinear a atmosfera.

Algo que gosto muito da técnica dessa produtora em particular é a modelagem de personagens sempre interessantes visualmente, além de objetos de cenário de padrões artísticos muito peculiares, arredondados e curiosos para os espectadores. A animação certamente é soberba, mesmo que o cuidado com a textura com os pelos não atinjam a qualidade de Zootopia ou Kung Fu Panda 3.

A iluminação foi certamente melhorada ante trabalhos anteriores do estúdio. Já era possível notar a diferença em Pets, porém aqui isso é confirmado com clareza. Inclusive, existem cenas que brincam bastante com diversos efeitos de luz, na busca de conferir a atmosfera de shows musicais. A cor, sempre saturada, está presente para encher seus olhos.

Contando canções

Não devo encerrar o texto sem ao menos elogiar o grandioso trabalho de dublagem. Contando com Mathew McConaughey como Buster Moon, já é uma bela justificativa para checar a versão legendada. Mas o elenco inteiro, de grandes nomes, se destaque não somente dublando, mas cantando bastante. Destaque para Taron Egerton e Reese Witherspoon.

Sing consegue elevar a barra de histórias medíocres que a Illumination e Meledandri vinham trazendo ao público por bastante anos. Hoje já não posso reclamar que todos os filmes dele contenham historias fofinhas potencializadas pelo visual exuberante. Sing é uma excelente pedida para se divertir com toda a família nas férias do final do ano.

Finalmente foi dada a largada para Meledandri acreditar mais no seu público e nas histórias que tem para contar e, por que não, cantar.

Sing: Quem Canta Seus Males Espanta (Sing, 2016 – EUA)
Direção: Christophe Lourdelet, Garth Jennings

Roteiro: Garth Jennings
Elenco: Matthew McConaughey, Reese Witherspoon, Seth MacFarlane,  Scarlett Johansson, John C. Reilly,  Taron Egerton, Tori Kelly, Jennifer Saunders
Gênero: Infantil, Comédia, Musical
Duração: 108 min.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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