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Crítica | Spider-Man 2: The Game

Todo lançamento de um filme do Homem-Aranha sempre foi acompanhado de um game licenciado. Provavelmente por esse caráter puramente mercadológico, a maioria dos produtos entregues pela Activision não foram da maior qualidade, visto que sua intenção estava mais voltada para acompanhar a estreia de seu respectivo filme, e não mergulhar em um experimento artístico e criativo como outras franquias de game mais inovadoras. Porém, se Homem-Aranha 2 acabou tornando-se o melhor filme do personagem em 2004, os deuses atenderam os pedidos dos fãs, e Spider-Man 2: The Game, seguiu à risca o sucesso do longa e acabou entregando o melhor game do Cabeça-de-Teia já feito, além de um dos melhores exemplares na categoria de super-heróis.

O jogo de 2004 segue os mesmos eventos e linha narrativa do filme de Sam Raimi, com Peter Parker (dublado por Tobey Maguire, veja só), lidando com as dificuldades da vida como Homem-Aranha e buscando uma forma de balancear sua vida dupla, ao mesmo tempo em que novos vilões, especialmente o Doutor Octopus (Alfred Molina, reprisando seu papel) aparecem para infernizar sua rotina e colocar suas responsabilidades em xeque. Claro, toda a trama do filme ganha mais recheio e subtramas para tornar o game mais longo, trazendo personagens como a Gata Negra, Rino, Mysterio e o Shocker à mistura de antagonistas.

Que maravilha é este jogo. Mesmo que já tivessemos tido algumas adaptações competentes e divertidas com o personagem, mais notavelmente nos dois exemplares para Playstation 1 e Nintendo 64 no início dos anos 2000, foi só com Spider-Man 2 que tivemos a real noção do que é ser o Homem-Aranha. Muito disso está ligado ao fato de termos, pela primeira vez, um mundo aberto sandbox para controlar o herói, oferecendo ao jogador um mapa extenso e bem interativo de uma Nova York reduzida, mas cheia de surpresas – com a possibilidade de cruzar até a Ilha da Liberdade e escalar a estátua da Lady Liberty um dos pontos altos. Os imponentes arranha céus de Manhattan também garantem uma experiência memorável, com um real senso de vertigem ao escalar a estrutura gigantesca do Empire State Building e dar verdadeiros “mergulhos” pela cidade.

Aliás, em termos de mecânica, tivemos a mudança mais relevante de toda a história dos games do Aranha: o sistema de swinging. Sempre tivemos aquela jogabilidade estranha onde o herói soltava suas teias para cima, literalmente no céu, para poder se balançar, gerando um movimento contínuo e praticamente artificial. Aqui, os desenvolvedores apostam em algo mais realista e dependente da física do ambiente, com o Aranha disparando suas teias em prédios e objetos para poder se movimentar, e os analógicos e gatilhos do controle são decisivos para direcionar e ajustar a intensidade do swinging do herói; garantindo assim uma experiência muito mais imersiva e que realmente passa a impressão de estar se balançando pelos prédios de Nova York. É simplesmente incrível, e o efeito continua orgânico até hoje, mesmo 13 anos depois de seu lançamento – e é bom ver como a mecânica foi evoluída em games como The Amazing Spider-Man 2, que ousou ao colocar cada lado do controle como um braço do personagem.

Em termos gráficos, é evidente que o jogo tenha envelhecido bem mal. Todos os personagens são quadrados e sem expressões faciais alternantes, o que é uma pena considerando que Maguire, Molina e Kirsten Dunst reprisam seus papéis dos filmes aqui, e também é curioso que o gráfico tenha sofrido uma considerável piorada após o resultado do game do primeiro filme. Só melhora em algumas cutscenes selecionadas, que recriam cenas como o experimento de Octopus, a introdução de Mysterio ou o grande clímax da narrativa. A textura e chapa da cidade também ganha um pouco mais de vida, sendo realmente bonito observar o skyline de Nova York durante a noite, e as cores acompanham as mudanças de forma eficiente.
Mas confesso que esse gráfico fraco não interfere na jogatina. A mecânica excepcional contribui para que todas as missões oferecidas pelo jogo tornem-se divertidas e absolutamente viciantes. O sistema de combate traz o agora famoso estilo de “refletir e revidar”, sendo possível também usar o sentido aranha do protagonista para deixar o tempo mais devagar e calcular melhor os golpes, algo que viria a ser exacerbado à perfeição pela franquia Batman Arkham. 

Quando temos duelos com vilões como Rino e Dock Ock, essa tática é elaborada com o jogador tendo que usar a força dos inimigos como vantagem, seja prendendo os tentáculos de Octopus com a teia ou desviando das chifradas poderosas do Rinoceronte para estonteá-lo. Shocker também ganha esse tipo de abordagem, mas com algumas interações mais criativas do ambiente para tornar as lutas mais dinâmicas e desafiadoras, especialmente por suas habilidades de choque. Porém, é mesmo com o ilusionista Mysterio que os realizadores abusam mais da criatividade, oferecendo níveis que parecem ter inspirado Christopher Nolan a desenvolver seu A Origem, onde temos o herói protagonizando lutas em cenários giratórios com inimigos que variam entre palhaços armados, drones alienígenas e até doppelgangers deformados de si mesmo; em uma verdadeira viagem psicodélica pelos truques do vilão. Temos uma casa de circo, um teatro em chamas e até um memorável desafio pela Estátua da Liberdade, e todas essas missões só aumentam a vontade de ver o personagem ganhando as telas do cinema.

As missões paralelas também são primorosas. Quase como na franquia Grand Thef Auto, o jogador tem a possibilidade de completar diversas quests, desafios e outras ativididades em paralelo à narrativa principal, sendo necessário atingir uma certa quantidade de pontos para continuar progredindo a narrativa. Diversos crimes vão aparecendo no mapa, sempre com pedestres aleatórios ajudando o Aranha a encontrar problemas como assaltos, roubos de carros armados, incêndios e até mesmo barcos afundando no rio – sem falar no balão de uma criança que sempre acaba se perdendo entre os prédios. Mas nada supera a side mission mais impagável do game: atuar como entregador de pizza! Seguindo a ideia do segundo filme, temos desafios onde corremos contra o tempo para entregar pizzas em diferentes pontos da cidade, requerindo também cuidado para não estragar a comida durante as cambalhotas e balançadas pela cidade. Ah, velhos tempos…

No quesito história, o jogo segue bem todos os pontos do roteiro de Alvin Sargent, ainda que apresse e resuma diversos eventos a fim de garantir um ritmo mais intenso – a transformação de Dock Ock carece de todo o desenvolvimento e humanismo de sua versão cinematográfica, mas é compreensível por estarmos o game todo do ponto de vista do Aranha. Porém, graças à inclusão da Gata Negra, o jogo nos leva a alguns insights muito interessantes da mitologia do Aranha, trazendo a adorável dinâmica entre os dois vigilantes de forma enigmática e instigante, e o fato de termos diversas narrações em off de Parker onde ele simplesmente fala sozinho e reflete sobre os acontecimentos ajudam a colocar o jogador ao seu lado – sendo um plus o fato de termos Maguire como a voz original. Em determinada fase do game, estamos apenas nos balançando pelos prédios e seguindo a Gata Negra, sendo acompanhados pelos pensamentos de Peter acerca de Mary Jane, Harry Osborn e sua própria dúvida quanto a ser ou não o Homem-Aranha. Nada como uma exposição bem escrita e bem colocada para matar horas de silêncio durante o gameplay.

Não há dúvidas: este é o melhor jogo do Homem-Aranha já feito até hoje. Revolucionário em sua mecânica imersiva, o game da Activision deu uma liberdade imensa e uma experiência completamente imersiva aos jogadores, que puderam ter um gostinho de como é ser o Homem-Aranha e se balançar pelos prédios de Nova York. Ainda que imperfeito e um tanto datado, é uma conquista valiosa.

Spider-Man 2: The Game (EUA – 2004)
Desenvolvedora: 
Activision, TreyarchThe Fizz FactorVicarious Visions, Aspyr Media, Backbone EntertainmentDriver-Inter, Ltd.

Gênero: Aventura
Plataformas: Playstation 2, Nintendo Gamecube, GameBoy Advance, PC

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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