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Crítica | Star Trek: Sem Fronteiras – Um verdadeiro episódio de Jornada nas Estrelas

Foi um caminho difícil até chegarmos a Star Trek: Sem Fronteiras, filme que é lançado no ano em que a famosa criação de Gene Roddenberry completa 50 anos de existência. Pra começar que o filme mal foi aprovado pela Paramount após a recepção morna de Além da Escuridão: Star Trek, que também contou com a saída de J.J. Abrams para dirigir o novo Star Wars e provocou um pequeno caos na produção. A direção foi passada ao roteirista Roberto Orci, que então saiu do projeto após desavenças com o estúdio, que por sua vez apostaram em um novo roteiro assinado por Simon Pegg e Doug Jung e na presença de Justin Lin na cadeira de diretor. Receita para o desastre?

Muito pelo contrário.

Estamos diante do melhor blockbuster de 2016.

A trama começa com a promessa do final do anterior em levar a tripulação da Enterprise em uma viagem de 5 anos para explorar novos mundos e mapear o desconhecido. Nesse cenário, encontramos o capitão James T. Kirk (Chris Pine) questionando o propósito de seu trabalho e refletindo sobre como o Universo é infinito e qual seria sua função em uma missão tão… sem fim. A pacífica missão transforma-se em um pesadelo quando a Enterprise é atacada pelo misterioso Krall (Idris Elba), que destrói a nave e os faz cair em um planeta desolado onde deverão lutar pra sobreviver e descobrir as intenções cruéis de seu agressor.

É uma premissa que foge radicalmente da proposta dos anteriores para se manter algo mais isolado e simples, o que justifica o fato de tantas pessoas clamarem que esse é o filme cujo formato mais se assemelha à clássica série de televisão. A situação crítica permite que passemos muito tempo com os personagens, e o roteiro de Pegg e Jung é inteligente por formar diferentes “duplas” e separá-las em diferentes pontos do planeta para que possamos testemunhar uma interação não muito explorada nos anteriores. Kirk acaba com Chekov (Anton Yelchin), Spock (Zachary Quinto) e Magro (Karl Urban) têm uma divertidíssima jornada, Uhura (Zoe Saldana) e Sulu (John Cho) acabam presos com o restante da tripulação e Scotty (Pegg) acaba encontrando a misteriosa guerreira Jaylah (Sofia Boutella), que transforma-se na nova aliada do grupo.

Essa separação funciona muitíssimo bem, com todo o elenco afiado e entrosado de maneira ainda mais perceptível do que nos longas anteriores, e também permite um equilíbrio muito maior de seus personagens; ninguém fica ofuscado aqui, e ainda há espaço de sobra para que Sofia Boutella faça de sua Jaylah uma das mais interessantes e divertidas figuras desse novo reboot. Porém ainda temos o foco um pouco maior em Kirk e Spock, ambos com subtramas pessoais que questionam se devem ou não permanecer em seus respectivos cargos e a responsabilidade que o futuro traz à tona. Spock principalmente, ainda mais levando em conta a reviravolta dramática que. Já devem imaginar o que é, considerando o falecimento de Leonard Nimoy, que, aliás, ganha uma belíssima e sutil homenagem aqui – assim como todo o elenco da série original.

O roteiro de Pegg e Jung, talvez por apostar nessa trama simples, mostra-se incrivelmente redondo e inteligente. Não temos furos e as aparentes coincidências (como o fato de o planeta desolado trazer uma antiga nave da Federação) vão revelando-se parte de um plano maior à medida em que a trama avança, e tudo faz sentido aqui. Cada reviravolta funciona maravilhosamente bem, e o espectador não se sente trapaceado pois o roteiro da dupla trabalha de forma eficiente com foreshadowings e a construção lógica dos acontecimentos; Spock e Uhura comentarem sobre um colar específico é um diálogo sem muito valor até o momento em que a jóia adquire uma função valiosa dentro da narrativa. Até mesmo a infame motocicleta que assombrou os fãs nos trailers tem uma participação crível aqui.

Mas a grande surpresa fica a cargo de Justin Lin. Confesso que fiquei desconfiado com a contratação do responsável pela maioria dos filmes da série Velozes & Furiosos, e minha descrença só aumentou com pavoroso primeiro trailer do longa – tanto que optei por afastar-me de todo o restante do marketing até assistir ao filme. Pois bem, Lin inesperadamente revela-se um diretor ainda mais talentoso e à vontade com o material do que o próprio J.J. Abrams. As cenas de ação ganham mais intensidade e funcionam por sua inventividade com uma enxurrada de excelentes efeitos visuais que ajudam a construir uma escala maciça que eu não via há um bom tempo, vide a espetacular sequência na qual a Enterprise é brutalmente despedaçada pela armada de Krall ou o embate contra as “Abelhas” do antagonista ao som contagiante de “Sabotage”, do Beastie Boys. Impossível não sentir os pelinhos do braço se arrepiando…

A câmera de Lin passeia majestosamente e criativamente explora cada canto da Enterprise digital e a espacialidade das batalhas através de travellings, panorâmicas e ângulos inusitados, conseguindo até mesmo inovar em territórios que eu podia jurar que Abrams já havia explorado por  completo. Por exemplo, quando a Enterprise dispara em velocidade de dobra, era de costume que acompanhássemos o trajeto da nave no interior da dobra, mas Lin posiciona sua câmera na lateral do percurso, criando um belíssimo efeito onde a nave parece percorrer um verdadeiro oceano de estrelas. O diretor só peca quando temos combates corpo a corpo, onde sua câmera torna-se maluca demais e os cortes do quarteto de montadores apostam na incompreensão. Felizmente, são poucos.

Nos quesitos de produção, é uma obra impecável. Os já mencionados efeitos visuais são de primeira linha e funcionam muitíssimo bem dentro das elaboradas cenas de ação, que explora com criatividade as possibilidades de teleporte e hologramas, diga-se de passagem. As maquiagens e o design das criaturas também são de se espantar, desde uma tripulante da Enterprise que traz uma verdadeira réplica do facehugger do Alien como cabelo (não vejo a hora de ver um Hot Toys disso) até o visual ameaçador de Krall e seus companheiros, que são capazes de preservar a performance de seus atores – especialmente Idris Elba, que ainda é beneficiado pelo fato de seu personagem sofrer mutações na aparência.

Aliás, Krall é um assunto curioso. Não vou entrar em spoilers, mas temos aqui um vilão que começa de forma esquecível e representa os pontos fracos do longa sempre que a montagem nos leva até ele, sendo memorável apenas de aparência. Porém, seu arco e história tornam-se consideravelmente mais interessantes quando aprendemos sua real identidade e intenções, dando força não só a seu arco, mas também ao de Kirk quando tem-se o debate acerca de identidade. Porém é algo que acaba subdesenvolvido e que soa como uma reciclagem de temas do anterior, que contava com um antagonista muito mais marcante na forma do Khan de Benedict Cumberbatch.

Star Trek: Sem Fronteiras é o melhor filme da franquia reboot que J.J. Abrams iniciou em 2009, surpreendendo pela eficiência de sua narrativa simples e o cuidado imenso com seus personagens cada vez mais fascinantes. É uma aventura genuína com bom humor, tensão, drama e tudo o que um bom filme do gênero pede. Um dos melhores do ano, sem dúvida.

Obs: O 3D é bem usado e não compromete, mas a tela IMAX definitivamente deve ser a escolhida do espectador para a melhor experiência.

Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond, EUA – 2016)

Direção: Justin Lin
Roteiro: Doug Jung e Simon Pegg, baseado na criação de Gene Roddenbbery
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Zoe Saldana, Simon Pegg, Karl Urban, Anton Yelchin, John Cho, Idris Elba, Sofia Boutella
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 122 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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