Star Wars havia mudado o cinema.
Mesmo durante o período do filme em cartaz, nunca antes Hollywood havia visto um fenômeno da magnitude da space opera de George Lucas, que logo acelerou a venda de ingressos, merchandising, bonequinhos, CDs e 6 estatuetas do Oscar. Mesmo na época, já era bem claro que as aventuras de Luke Skywalker, Han Solo e Leia Organa não iriam parar por aí, e o próprio Lucas já vinha demonstrando seu master plan de uma hexalogia com diferentes histórias e períodos temporais. E após três longos anos, eis que a Fox lança O Império Contra-Ataca (rebatizado agora com a estrutura do Episódio), filme que virou a franquia de ponta cabeça e tornou-se uma referência obrigatória para qualquer continuação que se preze.
A trama começa alguns anos após a vitória da Rebelião em Uma Nova Esperança, já nos revelando que a destruição da Estrela da Morte não enfraqueceu o Império, que continua perseguindo guerreiros do grupo rebelde por toda a galáxia, assim como vasculham cada planeta habitável por sua nova base secreta. Nesse cenário, Luke (Mark Hamill) vai desenvolvendo suas habilidades Jedi, sendo aconselhado pelo fantasma de Obi-Wan Kenobi (Alec Guiness) a procurar o misterioso Mestre Yoda (Franz Oz) para completar seu treinamento, ao mesmo tempo em que está na mira do maligno Darth Vader (David Prowse/James Earl Jones).
Paralelamente, Han (Harrison Ford), Leia (Carrie Fisher), Chewbacca (Peter Mayhew) e C-3PO (Anthony Daniels) são forçados a se separar de Luke quando o Império invade seu esconderijo, levando o grupo na Millennium Falcon a procurar refúgio em algum planeta pacífico.
Desde sempre foi uma fórmula óbvia copiar totalmente a estrutura do original em uma sequência. Até mesmo O Despertar da Força caiu nessa mesma armadilha, 30 anos depois, ao recriar basicamente todos os elementos narrativos de Uma Nova Esperança, com algumas mudanças aqui e ali. Já O Império Contra-Ataca é um belíssimo exemplo de uma história continuada, tanto que o filme inteiro segue uma estrutura radicalmente diferente do anterior, deixando os personagens em fuga e momentos de contemplação durante quase toda a projeção, e isso é muito admirável.
Mais do que isso, é corajoso que este segundo filme seja muito mais sombrio e pessimista do que anterior, já começando com uma derrota feia dos Rebeldes durante a batalha de Hoth, e essa sucessão de derrotas é algo que os persegue de forma tão implacável quanto o próprio Lorde Vader. E muito disso pode ter vindo da saída de George Lucas das funções principais.
Filme de Perseguição
Lucas apenas bolou o argumento do filme, deixando a tarefa de roteiro para Leigh Brackett e Lawrence Kasdan, este último tornando-se um veterano da franquia ao colaborar em O Retorno de Jedi, O Despertar da Força e o vindouro derivado sobre Han Solo. Já tendo os personagens e o grosso do universo estabelecidos no longa anterior, o texto de Brackett e Kasdan consegue driblar diálogos muito expositivos e de fato mergulhar na psique dos jogadores, acabando com os arquétipos duros a qual fomos apresentados.
Luke é uma figura muito mais complexa aqui, confuso e impaciente, e com o fardo de estar sendo atraído pelo Lado Sombrio da Força sendo um dos fatores mais importantes. Han Solo continua sendo nosso mercenário bad boy preferido, mas aqui conhecemos sua capacidade de realizar sacríficios e se importar com alguém além de si próprio, algo bem explorado no romance que inicia com Leia; outra personagem que aqui surge um pouco mais vulnerável e humana. Até mesmo Darth Vader ganha uma camada importante, deixando de ser o mero vilão de capa preta ameaçador.
E nem é a trama mais complexa do mundo. É algo simples e que serve bem à proposta de ser um filme de perseguição, onde os incidentes incitantes e obstáculos da história são encontrados pelos personagens ao longo da jornada, seja por um defeito no sistema da Millennium Falcon, uma gigante criatura espacial ou a entrada de caçadores de recompensa na história – apresentando ao mundo o adorado mandaloriano Boba Fett.
Todas essas situações nos permitem mais tempo a sós com os personagens, ver como reagem a determinadas situações e testar relações diferentes, especialmente o já comentado romance de Han e Leia e a divertida inimizade entre o contrabandista e o rabungento C-3PO. Esse bonding entre os personagens torna os efeitos do terceiro ato, quando os personagens são traídos por um antio amigo de Han, Lando Calrissian (o apropriadamente canastrão Billy Dee Williams) e entregues ao Império para serem torturados, muito mais eficiente e envolvente, resultando no congelamento de Han Solo e a imprevisibilidade de seu destino – esta teria sido a morte definitiva do personagem, um desejo muito forte de Harrison Ford.
Mas a porção mais rica da história está mesmo no arco de Luke, exilado para encontrar o Mestre Jedi Yoda no planeta pantanal de Dagobah. A dupla de roteiristas oferece um arco clássico de treinamento e aperfeiçoamento do herói, com o jovem aprendiz aprendendo os conceitos da Força e a natureza do Lado Sombrio, algo que Brackett e Kasdan conseguem tornar fascinante ao mesmo tempo em que evitam exposições pesadas ou didatismo, já que a fala invertida de Yoda e suas constantes mudanças de humor tornam o veterano Jedi em uma figura mística e imprevisível. E o peso emocional do personagem só fica mais deturpado quando temos a chocante revelação de que Darth Vader é de fato seu pai…
O spoiler mor da História do Cinema, aquela revelação que, pra ser sincero, nem me recordo de nunca saber; o choque de se ter essa notícia é um dos principais motivos pelo qual a ordem correta de se assistir Star Wars é do IV ao III, já que o impacto é perdido se acompanhamos a trajetória de Anakin do princípio. Aqui, é uma reviravolta que muda todo o curso da história. Aliás, aqui finalmente vemos todo o potencial de Darth Vader como vilão ser bem usado. Paralelamente à fuga dos Rebeldes, acompanhamos os momentos de membros da infantaria imperial interagindo dentro de poderosos cruzadores espaciais, e é divertido como praticamente todos os oficiais e soldados tem o mesmo medo de Vader do que os heróis foragidos.
Sempre que os oficiais falham em alcançar um objetivo, o espectador chega a temer por eles, já que sabemos que Vader os matará sem dó ou piedade, e o filme é muito eficiente em construir essa aura de ameaça em torno do Lorde Sith. E em outro momento, usando um efeito reverso, vemos Darth Vader discursando para o grupo de caçadores de recompensa contratados para acelerar a captura da Millennium Falcon, e o tratamento quase respeitoso que fornece a Boba Fett já é o bastante para formarmos a impressão correta deste personagem em específico; imediatamente já gostamos dele.
Meu Mestre
A direção também melhora consideravelmente com a saída de Lucas, que recorreu a um antigo professor de sua faculdade de cinema: Irvin Kershner. Praticamente tudo é elevado, desde a cinematografia, a mise em scène e o jogo de câmeras até a escala dos combates e o apuro estético: O Império é um filme consideravelmente mais belo visualmente do que Uma Nova Esperança.
O branco forte nas cenas do planeta de gelo de Hoth, a paleta cinzenta no pântano de Dagobah e o maravilhoso equilíbrio entre azul e laranja na câmara de congelamento são alguns dos pontos altos alcançados por Kershner e o diretor de fotografia Peter Suschitzky, que também valorizam bem mais o impacto da iluminação dos sabres de luz no elegante duelo entre Luke e Vader. Isso sem falar que Kershner felizmente é um diretor de atores muito, muito superior do que Lucas, aqui sendo capaz de extrair performances melhores e com mais sutilezas de praticamente todo o elenco; o famoso momento do “Eu te amo, eu sei” veio de um improviso que acredito que Lucas seria incapaz de provocar.
As cenas de batalha são algumas das melhores da saga, sendo um feito importante no avanço dos efeitos especiais de miniaturas, stop motions e matte paitings; todos estes verossímeis e impressionantes até hoje. A batalha de Hoth, por exemplo, é um marco no uso de stop motion para a criação do movimento dos AT-ATs do Império – máquinas andadoras que assemelham-se a quadrúpedes – e na criação dos snowspeeders da Rebelião, elaborando uma sequência de ação empolgante e vibrante.
Aliás, a montagem paralela de Paul Hirsch é fundamental para equilibrar as diversas ações ali, desde a batalha propriamente dita entre as naves, as tropas no solo, as interações entre Luke e o restante dos pilotos e a tentativa de Han, Leia e os demais rebeldes em escapar da base antes da chegada de Vader ali. De forma similar, a perseguição da Falcon pelos asteróides é impressionante pela fluidez dos movimentos das naves, a física dos asteróides e a realização simplesmente incrível, sendo a equipe de Kershner muito eficiente em criar a claustrofobia do anel de asteróides ao termos planos centrais da janela da Falcon que mostram a entrada nesse território, assim como o pavor dos personagens durante o momento – menos de Han Solo, o badass absoluto.
Mas o grand finale do filme fica por conta do antológico duelo de sabres de luz entre Luke e Darth Vader. É uma cena que melhora exponancialmente o curto confronto que havíamos visto no anterior, entre Vader e Ben Kenobi, tendo uma duração maior, uma coreografia muito mais elaborada e também um contexto mais interessante. Como já discutido anteriormente, a fotografia de Suschitzky acerta no equilíbrio de cores quentes e frias durante o duelo, provocado pelo choque do sabre azul e o vermelho, criando um efeito muito estimulante e simbólico quanto à eterna luta entre o bem e o mau.
Até a música incrível de John Williams é cortada para os momentos de contemplação e suspense, fazendo o espectador temer por Luke (que sabemos não estar preparado) e para preparar o terreno antes da chocante revelação da paternidade de Luke. Aliás, essa revelação ganha um foreshadowing muito poético durante a cena em que Luke luta com Vader durante uma alucinação na caverna de Dagobah, onde o confronto termina com a visão do próprio Luke debaixo da máscara do vilão – já nos indicando a conexão entre os dois.
O Império Contra-Ataca é o ápice da experiência de Star Wars, sendo inquestionavelmente o melhor filme da saga e uma das melhores continuações de todos os tempos. É um exemplo de filmmaking que aprimora todos os elementos do anterior e corajosamente coloca a história em um ritmo e rumo diferente.
Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca (Star Wars: Episode V – The Empire Strikes Back, EUA – 1980)
Direção: Irvin Kershner
Roteiro: Lawrence Kasdan e Leigh Brackett, argumento de George Lucas
Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher, Anthony Daniels, Kenny Baker, Peter Mayhew, Billy Dee Williams, Frank Oz, David Prowse, James Earl Jones, Alec Guiness
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 124 min