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Crítica | Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso – George Clooney atira para todos os lados

Já está longe de ser novidade em Hollywood a sátira ao american way of life, com realizadores dos mais variados tendo abordado o estilhaçamento do sonho americano. Independente se a temática é repetida ou não, contudo, é difícil ignorar, ou simplesmente deixar passar uma obra assinada pelos irmãos Coen, que, como ninguém, constroem ácidos retratos distorcidos de nossa realidade, construindo um humor único, repleto de identidade, que sabe explorar extensamente seus personagens.

Em Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso conseguimos identificar plenamente a marca desses autores, por mais que a obra tenha seu roteiro assinado, também, por Grant Heslov e George Clooney, que também a dirige. Essa colaboração entre as duas duplas – Heslov trabalhara ao lado de Clooney diversas vezes – que talvez não tenha sido a receita correta para estabelecer uma narrativa satirizada, que implora por foco,mas que falha miseravelmente ao tentar abordar diversos pontos, que não dialogam tão bem entre si. Esse sexto filme do diretor, no fim, acaba não sendo mais que uma colcha de retalhos, com evidentes problemas que mais que justificam sua performance na bilheteria americana.

A trama nos leva de volta para 1959, nos apresentando uma vizinhança fechada em si própria, composta por pessoas brancas de todos os lugares dos Estados Unidos, Suburbicon. Lá encontramos Gardner Lodge (Matt Damon), um pai de família com a vida perfeita, até que a utópica paz desse lugar é abalada pela invasão de sua casa por dois homens, que acabam provocando a morte de sua esposa. Preocupado com a segurança de seu filho, Nicky (Noah Jupe), Gardner convida Margaret (Julianne Moore) a irmã de sua falecida mulher para viver com eles. Não demora muito para que o garoto, junto de algumas pessoas da vizinhança, passem a descobrir detalhes sórdidos sobre toda essa trágica história.

Logo nos minutos iniciais Suburbicon nos mostra uma família de pessoas negras se mudando para a vizinhança na qual o filme se passa – homem, mulher e filho são recebidos pelos moradores locais já com claras demonstrações de racismo, todos indignados com a chegada desses novos vizinhos, que, na mentalidade deles, representa a destruição desse paraíso no qual todos viviam. Claramente o texto dos Coen, Clooney e Heslov busca evidenciar a falsa utopia desse lugar, tecendo suas críticas à sociedade americana desde cedo, enquanto aprofunda tal questão através da história dos Lodge.

O grande problema dessa abordagem é a maneira como lida com essas duas tramas paralelas, passando a impressão de que, na realidade, são dois filmes contidos em um só, sendo um deles algo extremamente superficial e até desrespeitoso em relação a tal temática. Todo o olhar sobre o racismo americano não poderia ser mais à parte de todos os acontecimentos mostrados na obra, como se os roteiristas tivessem inserido tal ponto apenas para soarem mais socialmente engajados. A crítica, portanto, se perde, visto que o foco hesitante jamais permite que a narrativa atinja o cerne da questão, gerando um texto burocrático, nada orgânico.

Evidente que essa fragmentada narrativa imediatamente afeta a tentativa de criar uma boa sátira, afinal, podemos identificar, na obra, dois tons distintos: o humor negro e o suspense. Tanto o roteiro, quanto a direção de Clooney não sabem ao certo qual desses explorar a fundo. Dessa forma, jamais conseguem criar a tensão ou a atmosfera ácida tão necessárias para o funcionamento de qualquer uma dessas propostas. Nem mesmo a fotografia do excelente Robert Elswit consegue nos absorver, já que a trama é incapaz de criar o necessário antagonismo entre tais retratos paradisíacos e a realidade mostrada na trama. Estranheza, portanto, é o sentimento que permanece conosco enquanto assistimos esse longa-metragem, tão incerto de qual caminho deve seguir.

Não ajuda, claro, o fato de já termos plena consciência do que irá acontecer logo nos minutos iniciais. O suposto mistério que deveria nos guiar pela projeção é logo desvendado por qualquer um que preste a mínima atenção ao filme. Restaria somente nossa proximidade com os personagens para nos manter, de fato, interessados no longa, mas os realizadores não conseguem acertar nem nesse aspecto, criando indivíduos rasos, nada interessantes, desperdiçando totalmente os nomes de peso que formam o elenco. Bom exemplo disso é Rose, a esposa que morre logo nos minutos iniciais, também interpretada por Julianne Moore – sua morte sequer é sentida, pois não sabemos absolutamente nada sobre a mulher, apenas que é mãe de um filho e que é casada com Gardner. Ao menos Oscar Isaac salva o marasmo da obra com sua breve aparição como Bud Cooper, por mais que sua trajetória na obra seja sofrivelmente previsível.

Toda essa mistura nada homogênea de tons, tramas paralelas e personagens mal construídos é ainda mais evidenciada pela trilha sonora de Alexandre Desplat, que, por si só, traz algumas dramáticas melodias, que, de forma alguma, funcionam dentro do filme. Claro que isso é causado pelo fato de Clooney não saber bem o que quer fazer, gerando no espectador a dúvida sobre o que exatamente ele deve sentir em cada sequência, se deve rir, ficar nervoso ou se emocionar. Escutar uma trilha que nada se encaixa com a imagem, portanto, é mero sintoma das péssimas escolhas tomadas pelo roteiro e direção.

Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso, no fim, não sabe desenvolver qualquer um dos lados da história que se propõe a contar, desperdiçando quase que completamente todo o seu potencial. Ausente de qualquer foco narrativo, esse longa-metragem de George Clooney deixa bem claro como não se fazer uma crítica social, visto que, ao tentar realizar uma obra engajada nas questões de hoje em dia, o realizador meramente cria uma colcha de retalhos que carece de sentimento, sendo incapaz de entreter ou incomodar. Permanecemos distantes de tudo o que a obra nos mostra, incertos, ainda, sobre a intenção dos Coen, Clooney e Heslov em criar esse hesitante e burocrático filme.

Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso (Suburbicon – EUA/ Reino Unido, 2017)

Direção: George Clooney
Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen, George Clooney, Grant Heslov
Elenco: Matt Damon, Julianne Moore, Oscar Isaac, Noah Jupe, Tony Espinosa, Alex Hassell, Glenn Fleshler, Don Baldaramos, Gary Basaraba
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 105 min

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Publicado por Guilherme Coral

Refugiado de uma galáxia muito muito distante, caí neste planeta do setor 2814 por engano. Fui levado, graças à paixão por filmes ao ramo do Cinema e Audiovisual, onde atualmente me aventuro. Mas minha louca obsessão pelo entretenimento desta Terra não se limita à tela grande - literatura, séries, games são todos partes imprescindíveis do itinerário dessa longa viagem.

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