Não sei desde quando se data a tão famosa caracterização que se dá aos terceiros filmes de trilogias ou franquias, sobre serem “sempre os piores”. Tal mito que, particularmente, discordo ser sempre uma verdade aplicável. Apesar de existir inúmeros exemplos na história do cinema que o comprovem como uma teoria existente e comprovada. E Superman III é um desses infelizes exemplos!
Depois de um primeiro filme tão soberbo e icônico para sua época, até hoje; e de uma continuação, embora cheia de vários tropeços, ainda solidamente boa, eis que o homem de aço recebeu o seu terceiro filme no cinema, e que marcaria o início de seu futuro longo hiatus fora das telonas para o grande público. Em um filme que se pode classificar de forma bem breve, como sendo apenas: bobo.
Continuando sua vida como o super-herói global, Clark/Superman (Christopher Reeve) retorna para sua antiga cidade de Smallville para uma convenção de ex alunos da sua escola, onde reencontra Lana Lang (Annette O’Toole) sua antiga paixão de escola, que lhe reacende um sentimento dentro de si. Ao mesmo tempo em que nos é apresentado Gus Gorman (Richard Pryor), um pobre coitado que se descobre como sendo um prodígio hacker de computadores, e começa a usar isso em seu favor. Até que ele é contratado pelo ganancioso Ross Webster (Robert Vaughn) para ajuda-lo a manipular as finanças e redes mundiais em seu favor. Até que cruzam caminho com o herói de capa vermelha, mas que prometem ser uma grande ameaça!
Descrever uma sinopse para esse filme vai chegar como tão confusa e atrapalhada, exatamente como essa que acabaram de ler. Superman III não parece ter um fio de meada certo dentro de sua narrativa, e sim mostra ter uma estrutura, tediosa, de eventos cômicos atrás de eventos cômicos até chegar à um ponto de mera coerência em sua trama. Ah, e você leu certíssimo, não há quase nada a mais nesse filme do que sequências de comédia atrás da outra. Mas isso não era um filme do Super-Homem?! Apenas supostamente pelo visto.
Uma Comédia de Erros
Pois é, graças ao outro grande sucesso que fora Superman II, isso com certeza garantiu para Richard Lester uma carta branca da Warner para vir fazer o que bem entendesse com segundo filme do homem de aço sob sua direção. E o que você pode esperar de um bom diretor de comédias, que não entende nada sobre o Super-Homem ou filmes de alto orçamento de ação ou ficção científica (antes de existir o “gênero” de super-heróis), e ainda com total liberdade criativa?! Você já pode imaginar o resultado inevitável.
Então pode ir esquecendo de esperar ver aquelas aberturas tão nostálgicas dos dois primeiros filmes, com o letreiro no espaço e a icônica música tema de John Williams tocando ao fundo. Lester abre seu filme aqui com uma bizarra sequência que parece ter sido tirada de um filme de Gene Kelly, com a câmera seguindo os pacatos cidadãos de Metropolis se envolvendo em altas atrapalhadas do dia a dia, com direito a tortadas na cara; cabines telefônicas caindo como dados; um pobre cego causando trânsito. Isso é um filme do Superman certo?! Bem, se não fosse pela presença de Christopher Reeve, que sempre vai estar ótimo encantador no papel, com certeza o filme teria nos enganado em pensar que não é.
Mas por momentos, Clark nem mesmo parece ser o protagonista do filme, e sim o Gus Gorman de Richard Pryor. Não só, literalmente, a primeiríssima cena do filme é com ele numa espécie de CERASA no momento mais baixo da sua vida, como o filme parece não conseguir ficar mais de 5 minutos sem seguir ele em cena fazendo alguma de suas humildes gracinhas.
Não me entendam mal, Pryor é um dos maiores comediantes Norte Americanos de todos os tempos, e inúmeras vezes já se mostrou ter um ótimo talento como ator, altamente carismático e leal aos roteiros que lhe davam. Mas vocês já repararam no título do filme? O foco não era pra ser naquilo?!
Esse é um dos males que Lester infelizmente não conseguiu evitar em sua investida no Superman. Ele tem claramente um estilo próprio de contar histórias e encarar personagens, uma que infelizmente não parece nunca se sintonizar bem com o personagem em questão e seu universo. Se o primeiro filme era uma aventura dramática sobre a jornada de origem do herói, esse é sobre… vilões hackers gananciosos e Clark se apaixonando de novo e depois se vê enfrentando a si mesmo (mas já chego lá).
E até se nota uma enorme disparidade na direção do filme anterior pra esse no qual Lester também comandou. Enquanto Superman II tinha material de dois diretores juntos em cena, que resultou em um ritmo desconjuntado aqui e ali. Lester livre dessas amarras, consegue fazer o filme que bem quer aqui e opta por um ritmo mais old school tradicional. Sente-se a falta do dinamismo que Richard Donner conseguia dar a história, coisa que nem seria exatamente um grande problema se o roteiro tivesse uma boa e interessante sustância, coisa que aqui não se encontra (na maior parte).
Um Herói sem rumo
Em contexto, a trama realmente toma a forma mesmo de uma espécie de comédia romântica escrachada, que por acaso tem o Superman como personagem. Mas eis o brilho dessa franquia que é Reeves. Não importa o quão fraco seja o texto, ele é tão absolutamente encantador e soberbo no papel que consegue manter o interesse emocional do público quando se encontra em cena. Sua trama de reencontrar um amor do passado com a personagem de Lana é em si bem boba, mas ele mostra ter tanta química com Anette O’Toole quanto ele tinha com a Lois de Margot Kidder. Essa que aparece no início do filme e desaparece até a cena final com a desculpa de ter ido em férias (dizem as más línguas que ela não se dava muito bem com Richard Lester).
Basicamente a participação de Anette se resume como substituta do interesse amoroso. Aliás, isso não soa meio familiar? Pegar uma personagem que foi o primeiro interesse amoroso do personagem e só trazer-lo para os filmes de forma inesperada e sem sentido para o terceiro filme?! Já sabemos daonde Sam Raimi sofreu de inspiração de seus executivos para trazer Gwen Stacy para Homem Aranha 3 sem razão alguma. Se o primeiro filme de tornou uma base de inspirações e influência para histórias de origem e filmes solos de super-heróis ao longo de anos, assim como sua continuação também inspirou várias outras tramas de continuações até hoje; Superman III é a base de inspiração de más idéias. Uma delas transformar o terceiro filme depois de dois antecessores dramáticos e cheios de ação, em uma comédia. Alguém aí ouviu um eco de Batman Eternamente?!
Embora, por milagre, o roteiro mostre a participação de Lana de forma um pouco interessante no contexto da trama. Diferentemente de Lois que é apaixonada pelo Super-Homem e sua figura de divindade, Lana se mostra atraída e apaixonada pela pessoa boa e humilde de Clark. Algo que cria uma certa disparidade no coração do personagem e um arco romântico bem mais interessante, embora não mais profundo. E são as raras boas cenas de humor do filme, com direito a Clark fazendo a dancinha mais nerd que você verá na vida. Um raro pequeno resquício de boa escrita graças a presença de David e Leslie Newman que vinham roteirizando os filmes desde o primeiro.
Mas são raros bons momentos em um filme que se preocupa mais em cenas esticadas de humor. Até nas cenas de ação Lester parece querer tirar sarro de tudo e faz o Super salvar pessoas dentro de uma usina hidroelétrica em chamas usando uma das chaminés como tobogã gigante, e depois congela um lago e joga por cima do incêndio.
E aí está outra marca de Lester que é sim interessante. Seu humor escrachado, satírico e auto consciente que poderia facilmente funcionar em qualquer outro filme. Mas ver tortadas na cara e, literalmente, os sinais de trânsito lutando entre si em uma cena de insanidade cômica, não é exatamente o filme certo para essas sacadas que acabam apenas soando como idiotas e caricatas.
E nunca pensei dizer isso, mas deu até saudade do Gene Hackman e seus comparsas caricatos aqui. Eles pelo menos mostravam carisma e bom humor mesmo fora de tom, enquanto os vilões daqui são dos mais sem graça possível. Praticamente se resume o personagem de Webster como um milionário ganancioso se usando da tecnologia moderna, com a ajuda do Gus de Pryor para roubar do proletariado sem sofrer consequências. Praticamente um vilão cleptomaníaco do James Bond no filme errado, e que ainda tem duas comparsas irritantemente caricatas; a Vera de Annie Ross, a mulher masculina, e Lorelei de Pamela Stephenson, a loira burra de voz fina que também se mostra inteligente e muda de tom de voz toda hora. Haja paciência para aguentar as longas cenas onde eles aparecem.
Nesse sentido é até triste ver como Pryor também é um tanto desperdiçado no filme. Ele que já se mostrou inúmeras vezes um bom e versátil ator, e sozinho teria sido um vilão mais carismático e interessante para o filme do que esses outros três. Mas não, ele serve basicamente a trama, tanto para ser o alívio cômico do cara legal procurando valor na vida, quanto para ser esse inesperado gênio de computação que cria um computador poderoso que se auto alimenta e descobre as fraquezas de seus alvos para ser o grande rival final do filme; a versão cospobre dos anos 80 do vilão Brainiac do Super-Homem. E ele tem momentos verdadeiramente engraçados aqui e ali no meio de tantos outros tediosos e sem graça, mas quem dera seu personagem tivesse sido mais interessante.
O Inimigo Interior
Podiam ter investido menos tempo em querer estabelecer esses vilões sem graça e ter focado atenção em outro fator que o roteiro sucinta que é o famoso “Super-Homem” do mal. Mesmo tendo noção que esse elemento da trama aparece meio que jogada no meio da história depois que o Gus entrega resina de uma estranha de Kryptonita para Superman/Clark, e ele começa a agir como rebelde, prepotente e arrogante, seu total inverso como herói (outra coisa que Homem-Aranha 3 pegou emprestado).
Elemento esse, que também em contexto é interessantíssimo. Não haveria outro maior inimigo para o Super do que ele mesmo nesse mundo. Seus medos, suas dúvidas, seu lado “humano”, falho e prepotente tomando conta do seu corpo, lutando contra seu lado heróico e bondoso. E facilmente cede aos prazeres carnais, o que garante a icônica cena com ele de barba sem fazer bebendo dentro de um bar, visualmente bizarro mas tematicamente bem complexo.
Que garante a icônica cena onde vemos esse combate metafórico tomando forma. O Super do mal com as vestimentas de herói contra Clark em suas roupas de civil. Uma porradaria, embora fracamente coreografada, é fria e seca em sua construção, com a ausência de trilha para elevar a tensão. E que termina em uma nota épica e inspiradora, tudo que Super-Homem precisa ser! Richard Donner passou no set nesse dia para gravar essa cena?
E Reeves simplesmente destrói nessas cenas. Depois de dois filmes interpretando o personagem é facilmente notável como ele está à vontade no papel. Vendendo o lado nerd desajeitado tímido de Clark e o heroísmo do Super-Homem. E abraça soberbamente essa nova faceta sombria e quebrada do personagem com maior facilidade, e talvez sua melhor performance como o personagem. Apenas pena que o filme não faça jus ao seu ENORME talento que ele deposita no personagem.
Mas pelo menos podemos concordar que esse está longe de ser o pior filme ou nível de fraqueza cinematográfica que o homem de aço teve no cinema, o próximo filme depois desse, Superman IV, se encarregou disso. E, mesmo que na maioria do tempo bobo em sua abordagem, Richard Lester se mostrou bem intencionado em seu estilo empregado aqui, ainda garantindo bons momentos dignos do personagem em meio a outros bem sem noção. Diverte na medida do possível enquanto é tedioso em outros momentos. Talvez uma boa sessão da tarde estrelando o Super-Homem!
Superman III (Idem – EUA – 1983)
Direção: Richard Lester
Roteiro: David Newman, Leslie Newman
Elenco: Christopher Reeve, Richard Pryor, Anette O’Toole, Robert Vaugh, Pamela Stephenson, Annie Ross, Margot Kidder, Mark McClure, Jackie Cooper, Gavan O’Herlihy
Gênero: Ação, Comédia, Ficção Científica
Duração: 125 min