Dentre os vários clássicos do gênero buddy-cop que despertam tantos níveis diferentes de nostalgia e as duplas icônicas de atores com rostos e personalidades marcadas para sempre na memória dos fãs de machos experts em tiro, porrada e testosterona sem fim; me surpreende que um filme como Tango e Cash: Os Vingadores, não seja um dos mais celebrados, ou até lembrados.
O que é um tanto injusto, pois o filme cumpre todos os pré-requisitos de um perfeito filme do gênero: uma dupla com personalidades distintas e de extrema boa índole no cumprimento de seu trabalho pela justiça; uma investigação policial envolvendo cruéis poderes corruptos e frias injustiças contra seus heróis; ação com altas doses de adrenalina para satisfazer todos os gostos; e simplesmente temos Sylvester Stallone e Kurt Russel como a dupla protagonista, também conhecidos como Rambo e Snake Plissken, que carregam o filme nas costas em tamanha e garantida diversão testosterônica!
A trama segue duas personalidades completamente opostas, Ray Tango (Sylvester Stallone), um agente suave e sofisticado, e Gabe Cash (Kurt Russel), seu parceiro de cabeludo como um surfista e desbocado como um Martin Riggs tirando as tentativas de suicídio. Que trabalham incansavelmente para derrubar o tráfico na cidade de Los Angeles, gerido pelo implacável Yves Perret (Jack Palance).
No entanto, quando Perret consegue bolar um plano de incriminar a equipe com provas falsificadas, Tango e Cash logo vão acabar em uma prisão de segurança máxima, onde um repertório quase interminável de detentos anteriormente encarcerados por eles, está esperando por seus captores com impaciência. Agora, mais do que nunca, Tango e Cash precisam deixar suas diferenças de lado e se unir, não apenas para escapar dos muros da prisão, mas também para acertar o placar com o chefão maligno que os colocou atrás das grades de uma vez por todas.
UMA VÍTIMA SOBREVIVENTE DE ESTÚDIOS
Mas também, não é difícil de imaginar o porquê do filme não ser pouco citado hoje se conhecer um pouco dos inúmeros problemas de bastidores que o filme teve durante sua produção. E não, calma, não envolveu nada relacionado à Stallone e Kurt Russel se esbofetearem de verdade durante as gravações e decidiram filmar e colocar no filme como parte do roteiro. E sim fora o caso do filme ser outra pobre vítima de briga de produtores e diretor etc; (essa porradaria sim daria um ótimo filme!).
Pois se por um lado o diretor Andrey Konchalovskiy (Expresso para o Inferno; Gente Diferente) queria realizar um filme policial de tom dramático e se levando mesmo a sério em seus temas de justiça e corrupção, o produtor Jon Peters queria basicamente o filme que temos aqui, que não se leva nada à sério e prioriza seu nível de diversão oitentista acima de qualquer lógica que se pode levar à sério. Ver o Cash de Kurt Russel se vestindo de stripper para fugir da polícia é uma bizarra e hilária realidade nesse filme.
Sem claro citar os usuais problemas envolvendo Stallone sempre estando fortemente envolvido no processo de seus filmes, roteiro produção etc, um deles envolvendo ele demitir o diretor de fotografia inicial Barry Sonnenfeld, e sempre tendo parte do controle criativo. Mas nem ele parece saber o que o filme deveria ser.
Essa diferença de tons é bem visível ao longo do filme, espelhado numa fotografia bem Noir e soturna de Donald E. Thorin, para um filme de personalidade tão espalhafatoso e brega. E que vai por percursos horas bem sombrios e violentos quando vemos Tango e Cash basicamente sendo torturados em uma cena e em outras vemos eles fazendo piada com os parceiros de cela com conotações gays e tirando sarro um do outro no chuveiro.
Não quer dizer claro que filmes do gênero não podem balancear o drama e a comédia ao mesmo tempo, apenas vide todos os filmes Máquina Mortífera como prova disso. O caso é que aqui dá pra se notar as mudanças quase drásticas de direção. Tanto que o pobre Andrei Konchalovsky fora demitido e substituído por Albert Magnoli (Justiceiro da Noite) que filmou todas as cenas de tiroteio e explosões no clímax.
A ação em si é explosiva e decente dentro do esperado, e é inegavelmente divertido ver a dupla dirigindo um blindado que parece ter sido tirado de um filme de ficção científica futurista, metralhando para todos os lados. Mesmo que seja em um clímax meio jogado de última hora só pra ter mais ação, mas tem todos os tiros e explosões para satisfazer os gostos escapistas, embora não sejam o grande highlight do filme.
Duas sequências em particular são ótimas e bem construídas na estrutura do filme (que por ironia não tem nenhuma troca de tiros). A hilária emboscada de “boas vindas” na lavanderia da prisão, com nossos dois protagonistas suadões entrando em verdadeira desespero e trocando socos com tudo que veem pela frente, com Konchalovskiy filmando tudo como se fosse um verdadeiro tiroteio de faroeste de socos e músculos.
E a outra é a própria fuga da prisão que quase lembra um Sonho de Liberdade para machos, com seu setting chuvoso intenso e uma boa construção de suspense quando o plano de um deles dá completamente errado e eles tem que rapidamente improvisar. O que basicamente termina com eles fazendo um verdadeiro zapline em um cabo elétrico durante uma chuva. Pois é, impossível não abrir um enorme sorriso!
UMA DUPLA INFALÍVEL
Se bem que, ouso em dizer, que toda a parte de ação do filme não seja onde o filme tenha suas melhores qualidades, e ao mesmo tempo alguns de seus problemas. Parece até meio desnecessário falar de estrutura de roteiro em um filme de ação, mas têm prós e contras interessantes para o filme nesse quesito. Pois se por um lado arranjam um uso de suspense muito fácil e repentino envolvendo a mocinha Katherine (Teri Hatcher) que aparece DO NADA no clímax do filme, temos ao mesmo algumas ótimas sacadas de trama.
A ideia envolvendo a incriminação de dois policiais tão distintos mas inspiradores é uma sacada inteligente, que tanto eleva a crueldade do vilão Yves o tornando em uma criatura completamente odiável, como também poderia levar à um arco bem dramático para a dupla, embora o filme opte mais pela comédia, o que não deixa de funcionar graças à até bem escritos diálogos (assinatura de Stallone) e inspiradas sacadas entre a dupla principal. Exatamente o ponto principal desse filme nos fazer esquecer todos seus possíveis problemas técnicos que faz parecer pura implicância em apontar, enquanto temos uma excelente dupla aqui.
Stallone e Russel parecem uma dupla programada nos céus. Não só ambos estavam no ápice de suas carreiras como trazem todo o seu carisma à disposição com uma química instantânea. Os personagens passam grande parte do filme discutindo seus planos de ação, mas que uma hora um acaba aceitando a ideia do outro em sinal de respeito e admiração, coisa que ambos atores com certeza mostram ter entre si só através de suas performances. O que garante com que cada pequeno momento do filme com ambos contracenando seja um puro deleite à parte de toda a ação em volta.
Uma dupla impagável e que merecíamos ter visto muitas vezes mais juntas. Pena até que ambos nunca tenham voltado a contracenar juntos em outros filmes até hoje. Ou que o filme pusera ter emplacado um relativo sucesso para garantir alguma continuação. Embora hoje o filme tenha sim seus fãs que o colocam como um “clássico cult” dos filmes buddy-cop e marmanjos de ação, merecidamente.
Pois se mesmo carregue seu pequeno histórico de problemas de produção, Tango & Cash é um filme que sobreviveu à isso tanto graças a diversas boas idéias presentes aqui e ali, assim como também sua infalível dupla de atores ícones que nos faz amar completamente o filme e esquecer quaisquer tipo de probleminhas que possa ter.
Tango e Cash: Os Vingadores (Tango & Cash – EUA, 1989)
Diretor: Andrei Konchalovsky
Roteiro: Randy Feldman
Elenco: Sylvester Stallone, Kurt Russell, Teri Hatcher, Jack Palance, Brion James, James Hong, Marc Alaimo
Duração: 97 min