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Crítica | Thor: Ragnarok é uma longa e preguiçosa piada sem graça

Dentre todos os personagens que compõem o super-grupo dos Vingadores na Marvel Studios, o Thor de Chris Hemsworth sempre foi o mais irregular para se trabalhado em filmes solo. Enquanto o Homem de Ferro foi consagrando-se como uma trilogia bilionária e o Capitão América foi ganhando uma reinvenção admirável ao longo de seus três filmes, o Deus do Trovão havia tido duas incursões no cinema, e nenhuma delas havia realmente causado uma impressão. O filme de origem de Kenneth Branagh era mais uma introdução dos conceitos e mitologia do personagem (além de sofrer do mal comum na época que era o preparo para a chegada do primeiro filme dos Vingadores), enquanto Thor: O Mundo Sombrio apostava em uma abordagem mais épica e próxima de O Senhor dos Anéis, mas falhando pelo aspecto genérico.

Porém, o sucesso da comédia e da galhofa em Guardiões da Galáxia começa a abrir os olhos do poderoso chefão Kevin Feige. Antes anunciado como um filme sério e apocalíptico, Thor: Ragnarok acabou sendo repaginado como um filme de aventura e comédia dos anos 80, colocando o neozelandês Taika Waititi para comandar um filme que assumidamente abraçaria o ridículo da mesma forma que os dois filmes de James Gunn fizeram tão bem. Infelizmente, ainda que este novo filme tenha um senso de humor leve, acaba errando em todas as outras áreas que tenta abordar, especialmente o drama e a ação.

A trama começa de forma instigante, nos levando à busca de Thor pelas Joias do Infinito, missão que o Deus do Trovão assumiu no final de Vingadores: Era de Ultron, e que o deixou ausente do MCU por dois anos. Recuperando um artefato importante do demônio Surtur (voz de Clancy Brown), ele retorna para Asgard apenas para descobrir que seu pai, Odin (Anthony Hopkins) foi banido por seu irmão adotivo Loki (Tom Hiddleston). Na busca para recuperá-los, os dois acabam precisando lidar com a insurgência de Hela, a Deusa da Morte (Cate Blanchett) que surge para destruir Asgard e conquistar os Nove Reinos.

O Deus da Piada

Essa intenção de tornar Thor uma figura mais cômica já explode na tela nos segundos iniciais, graças ao roteiro de Eric Pearson (baseado em seu argumento com Christopher Yost e Craig Kyle), que surpreende por diálogos que indiretamente quebram a quarta parede e falam com o espectador, que provavelmente está se perguntando o que havia mantido o personagem tão ocupado durante todos esses anos. É uma série de comentários e interjeições que funcionam relativamente bem ao longo da projeção, ainda mais pela condução mais cômica de Waititi (responsável pelo hilário mockumentary O Que Fazemos nas Sombras), que também mantém essa veia humorística ao dar vida a Korg, um personagem de motion capture que diverte pela voz suave e fina que contrasta com sua ameaçadora fisionomia rochosa. O diretor mantém seu estilo habitual de manter nítidos improvisos (geralmente alguns gestos corporais que ganham um tempo a mais de tela) ou longas pausas entre diálogos, o que – na maioria dos casos – garante risadas, mas ocasionalmente peca pela insistência em alguma gag; como ao interromper duas vezes a conversa entre Thor e Surtur pelo protagonista estar girando em uma corrente.

Chris Hemsworth também merece aplausos. Desde o primeiro Thor já víamos que o ator australiano tinha um ótimo timing para comédias, e produções como Caça-Fantasmas e Férias Frustradas souberam aproveitar bem essa característica, que atinge seu potencial máximo aqui: Thor é praticamente um bobão, mas o bem-intencionado (ver todos os personagens que Channing Tatum já fez no gênero), e é engraçado vê-lo tentando agir “de forma descolada”, mas percebendo o quão ridículo algo realmente soa ou aparenta, e ele mesmo rindo ou se envergonhando disso. Às vezes a piada pode ser estúpida e completamente infantil (como o personagem achando que um mero capuz esconderia seu rosto), mas a entrega de Hemsworth é capaz de compensar a fragilidade do humor, e até arrancar um riso no melhor caso. É a perfeita desconstrução da imagem nórdica e heroica de Thor, o que deve irritar os fãs mais devotos do personagem, mas que rende um personagem multifacetado e mais interessante – ainda mais pelo retorno de Tom Hiddleston, que continua divertindo-se como seu malicioso Loki e, aqui e ali, consegue aprofundar um pouco mais a complexa relação dos dois irmãos.

Temos ainda mais figuras e situações cômicas quando a narrativa faz Hela facilmente subjugar Thor (destruindo seu martelo) e Loki, expulsando-os pela Ponte Bifrost, o que os leva até o planeta de Sakaar; uma sociedade movida por batalhas gladiatoriais e um gigantesco lixão intergaláctico. Lá, reencontramos o querido Hulk de Mark Ruffalo, que atua como o gladiador preferido do Grão Mestre (Jeff Goldblum), principal figura de poder entre aqueles seres. Pra começar que, ter o Hulk mais falante e racional mostra-se uma decisão acertada, já que garante ótimas alfinetadas entre o verdão e Thor, que disputam para saber quem é o Vingador mais forte; e a dicção de Ruffalo para a forma verde de Banner é muito bem construída, por ilustrar um ser que lentamente vai aprendendo a formular frases e palavras. Já o líder de Goldblum é uma figura divertida e afetada, que garante boa presença graças ao temperamento sempre suave e relaxado do ator, que abraça o ridículo.

E ainda que não seja uma figura cômica, é preciso apontar aquela que talvez seja a novidade mais empolgante da produção: Tessa Thompson, que dá vida a uma Valquíria, última remanescente de uma guarda prestigiosa de Asgard. Isolada em Sakaar e bebendo até não poder mais, a atriz surge carismática e com um viés cômico muito sutil, que sempre antagoniza com a linha “durona” que Thor tenta impor sem muito sucesso. Que Thompson seja mais aproveitada em futuros filmes do MCU.

Espetáculo Falho

Mas se Ragnarok acerta no humor de seus personagens, acaba entregando um resultado torto em praticamente todo o resto. A começar pela condução de Waititi de um blockbuster repleto de efeitos visuais e grandes locações, e fica bem evidente que o diretor – acostumado com produções menores e comédias indie – não sabe como apresentar esse universo de forma convincente, já que grande parte dos efeitos visuais são muito medíocres e abaixo do nível que o espectador passa a esperar de uma produção desse tipo, parecendo um trabalho realizado às pressas e sem muito cuidado em torná-lo orgânico. As feições de Surtur, Korg e do lobo gigante Fenrir são assustadoramente artificiais, como se os animadores nem estivessem preocupados em esconder seu aspecto digital, fazendo toda a experiência soar como uma cutscene de um jogo de Playstation 3 com gráfico ruim. Felizmente, o trabalho com o Hulk sobressai-se um pouco, graças a toda a expressividade e presença que o Gigante Esmeralda necessita na trama.

Como condutor de ação, Waititi não demonstra imaginação alguma. Diretamente ligado ao problema anterior, todas as sequências do tipo trazem uma forte presença de CGI, com personagens sendo descaradamente substituídos por bonecos digitais feios e borrachudos, o que torna toda a pancadaria genérica e esquecível; prefiro nem comentar o efeito horroroso no elmo chifrudo de Hela, que se destaca assustadoramente do rosto de Blanchett. A tão aguardada luta entre Thor e Hulk na arena do Grão Mestre sofre desse mesmo problema, mas também adicionado ao fato de termos um grave problema de cinematografia digital, já que a luz artificial daquele cenário digital torna quase impossível de acompanhar a ação – e olha que eu assisti ao filme em 2D, imagino que seja uma verdadeira cacofonia visual em 3D. 

Um elemento que ajuda a tornar as cenas mais agitadas um pouco divertidas é a trilha sonora de Mark Mothersbaugh, que aposta em um sintetizador similar àquele utilizado na música do Daft Punk para Tron: O Legado, e fornece o espírito oitentista que o longa tanto almeja em sua proposta. O problema é que esse lado mais retrô é muito tímido, e destaca-se pouco em uma mixagem mais concentrada em acordes genéricos e mais melódicos. E, claro, não tem como se reagir com indiferença quando alguém resolve colocar “Immigrant Song” do Led Zeppelin em meio a ação, mas Waititi peca por usá-la DUAS vezes em pontos distintos, eliminando qualquer senso de surpresa ou empolgação quando aparece pela segunda vez.

Curiosamente, Waititi se mostra mais criativo na condução das cenas de outro herói: o Doutor Estranho de Benedict Cumberbatch, que aparece durante o primeiro ato para ajudar Thor e Loki na busca por Odin. Através de cortes secos, o diretor brinca com a espacialidade ao fazer Strange e Thor subitamente indo trocando de locações, algo que garante um efeito cômico graças à montagem certeira e também a mise en scène do diretor, que explora bem, além do espaço, as trocas de posição e movimentos dos dois personagens. Porém, é uma pena que a participação do Mestre das Artes Místicas seja uma terrível muleta narrativa, não servindo propósito algum à trama além de oferecer uma informação que poderia facilmente ter sido entregue com mais facilidade. É uma cena divertidíssima, mas precisamos admitir que não serve a propósito algum, e o fato de não vermos mais de Cumberbatch no restante do longa soa quase como um erro de continuidade.

O Fim de Tudo

Quanto à história, é preciso reconhecer a inteligência do marketing da Disney.

Diversas surpresas aparecem ao longo do filme, e o roteiro de Pearson é inteligente ao oferecer uma inversão inesperada na clássica fórmula de “salvar o mundo”, fazendo jus ao Ragnarok do título; termo que significa o apocalipse da mitologia nórdica. Porém, em termos de peso e estrutura, Pearson tem mais dificuldades em acertar um equilíbrio, já que – mesmo sendo declaradamente uma comédia – diversas vezes temos uma tentativa da história em ser mais dramático, algo que não combina nem um pouco com a pegada de Waititi e também soa tão artificial quanto os efeitos visuais.

Há uma grande preocupação dos personagens em salvar o povo de Asgard, e isso é um problema. Mesmo depois de dois filmes ambientados no “planeta” de Thor, nunca tivemos um grande enfoque na população que habita esse universo (pessoalmente, eu até me surpreendi por haver pessoas comuns ali), e o roteiro pede uma suspensão de descrença maior do que o fato de as calças do Hulk adaptarem-se ao tamanho, ao nos fazer importar com essas pessoas. Não temos nem mesmo a velha estratégia de ter um “personagem comum” para seguir em meio à história, algo que funcionaria melhor quando o filme força um falso suspense quando o executor Skurge (um genérico Karl Urban) ameaça degolar uma cidadã em troca de informação. É superficial demais, ainda mais no tamanho do risco emocional que o roteiro tenta empurrar em seu clímax – claro, sempre prejudicado pelo clássico problema Marvel: piada na hora errada.

Sobre essa dependência em informações que deveriam ter sido introduzidas em outros filmes, a vilã de Hela surge com diversas revelações e eventos que não necessariamente fazem sentido em relação aos longas anteriores; mas mantenho a discrição para evitar spoilers, que serão discutidos em nossa crítica posterior. Quanto a personagem em si, é tão maniqueísta e malévola como poderíamos esperar de uma personagem com visual assim, e Cate Blanchett traz sua melhor impressão da Hera Venenosa de Uma Thurman, em Batman & Robin. Não é ruim como fiz parecer, já que a atriz realmente tem uma presença monstruosa, mas só consigo imaginar como a atriz está se divertindo à beça com aqueles figurinos e maquiagem – que, aliás, passam por uma estranha transformação em diferentes cenas, variando entre algo mais gótico para mais enfeitado.

No fim, Thor: Ragnarok consegue colocar um senso de humor mais galhofado para o Deus do Trovão e outros personagens da Marvel, mas falha quando tenta ser qualquer coisa além disso. O drama é superficial, a ação é mais um exemplar genérico entre tantos e a execução de Taika Waititi revela que talvez o brilhante comediante não tenha o dedo certo para grandes produções.

Não é o melhor filme do Thor, e olha que isso não era tão difícil.

Thor: Ragnarok (EUA/Austrália, 2017)

Direção: Taika Waititi
Roteiro: Eric Pearson, argumento de Christopher Yost, Craig Kyle e Eric Pearson
Elenco: Chris Hemsworth, Mark Ruffalo, Tom Hiddleston, Tessa Thompson, Cate Blanchett, Karl Urban, Jeff Goldblum, Idris Elba, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch, Taika Waititi, Clancy Brown
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 130 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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