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Crítica | Todo o Dinheiro do Mundo – Os Problemas do Primeiro Mundo

Veio como um furacão despercebido. Quase nenhum burburinho estava sendo feito por Todo o Dinheiro do Mundo, filme de Ridley Scott que a maioria nem tinha ciência de que seria lançado, afinal, o lendário diretor concentrava mais a divulgação de seu outro projeto do ano passado, Alien: Covenant. Assim, quando o primeiro trailer saiu, a reação mais calorosa, no máximo, foi a de “uau, onde Ridley arranjou tempo de fazer outro filme?”. Porém, alguns meses depois, os escândalos de abuso sexual começam a pipocar em Hollywood, e o ator Kevin Spacey, uma das “armas secretas” do filme de Scott, acabou afastado e teve sua carreira praticamente destruída.

Era o fim de Todo o Dinheiro do Mundo, que trazia um Spacey envelhecido com quilos de maquiagem para viver o magnata do petróleo J. Paul Getty, e a Sony até pretendia fazer uma pesada campanha para garantir uma indicação ao Oscar para o ator. Parecia o fim, mas não para Ridley Scott, que decidiu fazer o impossível: regravar todas as cenas de Spacey com outro ator – no caso, Christopher Plummer – e ainda manter a mesma data de estreia, com um cronograma louco de apenas alguns meses para finalizar tudo. Nunca antes na história do cinema houve algo do gênero,  com uma substituição de ator tão em cima da hora. Obviamente, isso reverteu o mínimo interesse inicial pelo projeto em algo que todos simplesmente precisavam ver. No fim, Todo o Dinheiro do Mundo é um filme eficiente, mas nem de longe tão empolgante quanto a corrida contra o tempo de seus bastidores.

A trama é baseada na história real do sequestro de John Paul Getty III (Charlie Plummer), jovem de 16 anos que é tomado pelo grupo criminoso Ndràngheta em Roma na década de 70. Entrando em contato com a família Getty, os sequestradores exigem uma quantia milionária em troca de sua soltura, forçando sua mãe Gail Harris (Michelle Williams) a pedir ajuda a seu ex-sogro, o magnata J. Paul Getty (Plummer). Recusando-se a pagar o resgate, Getty contrata o ex-agente da CIA Fletcher Chase (Mark Wahlberg) para ajudar Gail e recuperar seu neto.

É curioso como, às vezes, toda a Hollywood parece interessada no mesmo assunto. Além do filme de Ridley Scott, a história do sequestro de Paul Getty também vai gerar uma série de antologia na FX: Trust, que será dirigida por Danny Boyle e trará Donald Sutherland como o magnata, além de Hilary Swank e Brendan Fraser nos papéis de Williams e Wahlberg. Até a produção televisiva chegar, temos uma boa representação dessa história pelas mãos do roteirista David Scarpa, que faz um bom trabalho ao criar o contexto dos Getty e nos apresentar a esse mundo privilegiado e quase surreal através dos olhos de Paul; a estrutura não linear no primeiro ato é um tanto problemática, já que ficamos um tanto perdidos no vai e vem temporal após o sequestro do jovem, que abre o filme. Claro, nem precisei ir muito longe no Google para perceber que Scarpa lotou sua narrativa de romantizações e elementos que não ocorreram na vida real – e isso nunca me incomodou em dramatizações cinematográficas, afinal isso não é um documentário -, buscando assim alguns arcos de personagem que funcionam bem em tela.

A Gail de Michelle Williams, principalmente, ganha um retrato que foge do clichê típico do gênero: nunca a vemos tão histérica ou desesperada, e até os jornalistas questionam sobre o fato de ela não estar chorando, e Williams consegue sutilmente transmitir a ideia de uma mãe “irritada” por ser filho ter sido raptado. Quando Gail e Fletcher descobrem a cela do rapaz, depois de este já ter sido transferido para outro cativeiro, a reação e o modo com que Gail pega o paletó do filho – de cara já esperamos um abraço melancólico na peça de roupa – é a de alguém que espera encontrar respostas ali, e a raiva sempre parece vir em primeiro lugar. Sua insistência em não aceitar dinheiro de ninguém também rende algumas cenas inspiradas – e claramente inventadas -, como quando envia mil cópias de um jornal relatando o acontecimento de seu filho para a mansão de Getty. Uma ótima performance de Williams, que garante também bons momentos com Wahlberg, em uma atuação correta e convincente na maior parte do tempo, ainda que longe de ser algo realmente expressivo.

Mas é claro, o que todos queriam saber é como a substituição de Spacey por Plummer acabaria ficando, e o resultado é perfeito. Em momento algum vemos algum indício de falha de continuidade ou bigodes digitais, sendo um trabalho impecável de montagem e concisão, e Scott merece créditos pelo feito notável. E Christopher Plummer está excelente, algo que é ainda mais bizarro de se absorver quando pensamos que o ator rodou essa performance há alguns meses atrás, e agora está merecidamente indicado ao Oscar. Seu Getty é mesquinho e calculista – só concordando em pagar o resgate ao descobrir um atalho na dedução de impostos da Receita Federal – mas Plummer e o texto de Scarpa oferecem uma bela camada ao personagem (não à figura real, creio eu), que é a de um homem que deposita sua fé e confiança nas coisas, por nunca ter certeza das reais intenções daqueles à sua volta, afinal, sua fortuna é cobiçada por todos. Plummer encarna todas essas facetas muitíssimo bem, e mesmo que não possamos avaliar a performance de Spacey, faz muito mais sentido contratar um ator idoso para viver um idoso, ao invés de cobri-lo de quilos de uma maquiagem que parecia tola artificial. 

Com essa reviravolta nos bastidores já comprovando sua habilidade como produtor, Ridley Scott tem bons momentos na cadeira de diretor aqui. Ao lado do fotógrafo Dariusz Wolski, Scott pinta uma visão apropriadamente sombria e contrastada dos anos 70, em uma estética que parece uma combinação de seu trabalho em Covenant e O Conselheiro do Crime, e os dois fazem um bom proveito das belas paisagens e edifícios italianos; com o calor destes contrastando com a paleta fria e mais opressiva da mansão Getty. Com uma história tão tensa, Scott tem a oportunidade de revisitar seu lado mais macabro, e o momento em que os sequestradores resolvem enviar uma orelha de Paul para comprovar suas intenções, vemos aí que o diretor de Alien, O Oitavo Passageiro ainda é muito capaz de nos fazer ter calafrios. De forma similar, algumas decisões de Scott são muito estranhas, como a pseudo-cômica cena em que um dos sequestradores é baleado em slow motion enquanto defeca no mato. Err, Ok.

No fim, é difícil negar que a polêmica envolvendo os bastidores de Todo o Dinheiro do Mundo não tenha sido mais envolvente do que o resultado final. Ridley Scott surge em boa forma após o desastroso retorno à franquia Alien, e tem a disposição um elenco sob medida e os recursos necessários para uma boa história. Não fosse tão longo, teria sido um grande acerto.

Todo o Dinheiro do Mundo (All the Money in the World, EUA – 2017)

Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Scarpa, baseado no livro de John Pearson
Elenco: Michelle Williams, Christopher Plummer, Mark Wahlberg, Romain Duris, Timothy Hutton, Charlie Plummer, Andrea Piedimonte Bodini
Gênero: Drama
Duração: 132 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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