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Crítica | Twin Peaks – 1ª Temporada

Twin Peaks não fez parte de nenhuma das eras de ouro da televisão norte americana (considerando que existiram somente duas, a que vai de 1950 a 1971 e a que começou em 2000 e continua até os dias de hoje), mas poucas séries foram tão influentes quanto ela. Talvez, se o seriado nunca tivesse existido, produções como Arquivo X, Millennium, Carnivàle, LostThe Leftovers e tantas outras nunca teriam vindo à luz. Não é nenhum exagero dizer que o patamar artístico atingido atualmente pelos programas de televisão se deve em grande parte à pequena revolução iniciada pela criação de David Lynch e Mark Frost.

Porém, se analisarmos a série em sua essência, veremos que a fórmula de Twin Peaks não tem nada de muito original. É claro que o mistério envolvendo a morte de Laura Palmer (Sheryl Lee), o charme de Dale Cooper (Kyle Maclachlan) e dos de mais personagens e a bizarrices de coisas como os White e Black Lodges são elementos únicos do programa, que não foram vistos antes e nem depois, mas, se pensarmos em todo o resto, fica evidente que o formato de soap opera e a maneira como a série se desenrola – numa sucessão de cenas breves e informativas – é muito similar ao que existia na época do seu lançamento.

No entanto, curiosamente, é interessante perceber como é justamente essa dualidade entre o normativo e o diferente que faz o seriado funcionar tão bem na sua primeira temporada. Pois, ao mesmo tempo que parecer ser televisão, também há um elemento estranho que dá a impressão de ser outra coisa completamente distinta. E o mérito dessa percepção dividida e fascinante é inteiro de Mark Frost e David Lynch. Ao passo que o primeiro já tinha experiência trabalhando em séries de televisão, o segundo vinha do Cinema e de experimentações com outras formas de linguagem artística.

Trocando em miúdos, Lynch era a explosão de criatividade, e Frost, o sujeito que sabia quais eram os limites que não podiam ser ultrapassados (não é à toa que todas as outras tentativas de Lynch de fazer uma série de televisão fracassaram, e a própria temporada seguinte de Twin Peaks, no momento em que ficou somente nas mãos de Frost, se mostrou desastrosa). Se tivéssemos de ser definitivos, poderíamos dizer que foi por causa do trabalho em conjunto desses dois artistas tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão complementares, que a série não só gozou de um sucesso estrondoso, como apresentou elementos que seriam imitados posteriormente e dariam, em parte, o pontapé inicial para a revolução televisiva iniciada nos anos 2000.

No entanto, por outro lado e não paradoxalmente, não há como deixar de afirmar também que, na balança de importância, o nome de David Lynch pesa mais que o de Mark Frost. Para quem conhece a obra do diretor de filmes como EraserheadVeludo Azul, é fácil perceber como são as principais temáticas e características do cineasta norte americano as grandes responsáveis por transformar o seriado em um evento único. Se Frost não estivesse a bordo, Twin Peaks, provavelmente, não teria tido uma sobrevida na televisão. Mas, se Lynch não tivesse participado da empreitada, a série, talvez, fosse muito genérica.

Das duas opções, a segunda é definitivamente a pior. Afinal de contas, é melhor assistir a alguns minutos de algo original e repleto de personalidade do que horas e horas de banalidade. E, de fato, se há um adjetivo que não se aplica ao trabalho de Lynch, este adjetivo é “banalidade”. Ele não foi somente o sujeito que criou a magnífica cena de pesadelo de Cooper no “Episódio 02”, trouxe o talentoso Kyle Maclachlan para interpretar o papel do protagonista (os dois já tinham trabalhado juntos em Duna e Veludo Azul) e recheou a história de elementos deliciosamente bizarros, mas também foi o responsável por transformar Twin Peaks numa espécie de mergulho profundo na cultura norte americana.

Tudo está lá: os bosques, as cidadezinhas interioranas, as estradas, o jazz e o rock and roll dos anos 1950 (Angelo Badalamenti, o responsável pela trilha sonora, compôs três obras-primas para o programa: os temas de abertura, da Laura Palmer e Audrey Horne, que era interpretada pela atriz Sherilyn Fenn), o café de beira de estrada, a jukebox, o colegial, os garotos e as garotas populares, os romances adolescentes, os motoqueiros, os programas de televisão (a novela Invitation To Love é assistida pela maioria dos personagens e tem a sua estética recriada em alguns episódios, com todo o seu excesso de melosidade e cafonice, além de parecer acompanhar os dramas que acontecem no seriado) e muitas outras coisas. Em Twin Peaks, os Estados Unidos estão perfeitamente representados.

Aos que já tiveram o prazer de assistir aos filmes de David Lynch, é sabido que o diretor gosta de fazer um tributo a alguns dos símbolos culturais estadunidenses e, simultaneamente, desconstruí-los. Em Cidade dos Sonhos e Império dos Sonhos, é o sonho hollywoodiano de ser tornar uma estrela; em Veludo Azul, são os ícones culturais da década de 1950 e o ambiente idealizado das pequenas vizinhanças; e, por fim, em Twin Peaks, é a aparente paz das cidades do interior. Para Lynch, os Estados Unidos parecem ser um invólucro perfeito por trás do qual os mecanismos do mal começam a funcionar.

No final, esses méritos mencionados são somente alguns dos responsáveis por transformar este seriado dos anos 1990 em um dos maiores marcos da televisão. Além do que já foi dito, há uma excepcional gama de personagens ricos, uma trama policial envolvente, dramas intensos e um humor negro muito peculiar. Todos os elementos que compõem uma grande história estão presentes aqui. De certa maneira, a série é muitas em uma só. Não é um acaso que, depois de Twin Peaks, as coisas nunca mais foram as mesmas. Sabe-se que a segunda temporada é deveras irregular e faria com que a série tivesse uma vida curta (embora ela esteja retornando), porém, o resultado obtido ainda na primeira temporada seria suficiente para colocá-la numa das posições de maior destaque da televisão norte-americana. Não é todo dia que vemos algo minimamente parecido com a cria de David Lynch e Mark Frost.

 

Twin Peaks – 1ª Temporada (EUA, 1990)

Criado por: David Lynch e Mark Frost
Direção: David Lynch, Mark Frost, Duwayne Dunham, Tina Rathborne, Tim Hunter, Lesli Linka Glatter
Roteiro: David Lynch, Mark Frost, Harley Peyton, Robert Engels,
Elenco: Kyle Maclachlan, Michael Ontkean, Sheryl Lee, Sherilyn Fenn, Ray Wise, Everett McGill, Russ Tamblyn, Richard Beymer, Lara Flynn Boyle, Dana Ashbrook, James Marshall, Warren Frost, Mädchen Amick, Peggy Lipton, Jack Nance
Emissora: ABC
Gênero: Suspense
Duração: 410 minutos

Redação Bastidores

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