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Crítica | Twin Peaks – 3ª Temporada: Partes 17 e 18 (Series Finale)

O décimo sétimo episódio da nova temporada de Twin Peaks parte do ponto exato em que o capítulo anterior parou. Logo depois de presenciarem a tulpa de Diane (Laura Dern) retornar ao Black Lodge, Albert (Miguel Ferrer) e Gordon Cole (David Lynch) se recompõem e este finalmente revela um dos principais segredos da série: a identidade de Judy. De acordo com o experiente agente do FBI, ela é uma entidade sobrenatural maligna que assombra o mundo há muito tempo. Aqueles que acompanharam o retorno desde o início sabem que essa entidade é a mesma que apareceu dentro da caixa de vidro no primeiro episódio e a que gerou Bob (Frank Silva) no oitavo capítulo.

O maior interessado em descobrir o seu paradeiro é o Sr. C (Kyle Maclachlan), que chega finalmente em Twin Peaks. Nesta, ao seguir as suas tão amadas coordenadas, ele é enviado à casa do Bombeiro (Carel Struycken). Chegando lá, a sua face é presa em uma caixa e direcionada até a delegacia da cidade, local em que todos os soldados revindicados pelo gigante estão reunidos para matá-lo. E é justamente isso o que acontece, em uma cena que tinha tudo para ser cômica, mas que Lynch, através de um complexo jogo de luzes, cortes frenéticos e ângulos nauseantes, transforma em um momento tenso e visualmente impactante.

Com a aniquilação tanto do Sr. C quanto de Bob, posteriormente, Naido (Nae) revela ser a verdadeira Diane, esta dá um beijo em Dale (Kyle Maclachlan) e a impressão é de que todos os arcos dramáticos se encerrarão e que o Bem vencerá o Mal. Porém, nessa cena da delegacia, enquanto tudo parece ocorrer tranquilamente, Lynch funde um close-up da expressão aterrorizada de Dale com o restante da ação. Em certo momento, o personagem diz em uma voz assustadora: “Nós vivemos dentro de um sonho”. Algo está errado. Nos instantes seguintes, ele parte solitariamente em uma jornada para salvar Laura Palmer (Sheryl Lee).

Retornando ao passado, no dia exato em que a rainha do baile seria assassinada pelo seu pai (Ray Wise), Dale testemunha o desespero da personagem, mas, instantes antes de ela se juntar com aqueles que selariam o seu destino fatal, ele a retira do caminho de perdição, prometendo levá-la de volta para casa (além de ser impressionante a técnica de colocar o personagem em cenas do filme Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer, o momento também chama a atenção pela emoção arrebatadora que consegue transmitir, mérito da história e do inesquecível tema composto por Angelo Badalamenti).

O preto e branco dá lugar às cores e estamos novamente no fatídico dia em que tudo começou, quando Pete (Jack Nance) acorda e se depara com o corpo morto de Laura, mas este não se encontra mais lá. Enfim, Dale conseguiu voltar no tempo e prevenir a morte da personagem. Todavia, ao descobrir isso, Sarah Palmer (Grace Zabriskie) soca violentamente a foto da filha e esta se desprende dos dedos de Dale, desaparecendo no meio da floresta. Nesse momento, sutilmente, é dada uma resposta: Sarah é a garota “estuprada” pelo inseto no oitavo episódio (percebam como a mensagem emitida por Phillip Jeffries, o personagem de David Bowie, tem o formato da criatura antes de virar um oito) e, provavelmente, é Judy quem está dentro dela. Ao ver que o Bem tinha vencido, ela faz com que Laura desapareça mais uma vez.

Julee Cruise surge cantando uma canção sobre amantes que foram embora e, assim, termina o episódio que todos os fãs queriam. Porém, falta uma hora ainda, e a pergunta que fica é a seguinte: será que outros mistérios serão solucionados, como o que envolve o destino de Audrey (Sherilyn Fenn)? A resposta é não. Mantendo a lógica estabelecida desde o início, na qual a narrativa se expandiu por várias cidades e foi se concentrando em Twin Peaks, Lynch, no último episódio, foca apenas nos dois personagens centrais da série: Dale Cooper e Laura Palmer. Depois de mostrar uma tulpa de Dougie Jones voltando para Janey E (Naomi Watts), o movimento de contração começa a ser finalizado. A essência foi atingida.

Diane até aparece, mas é por pouco tempo e vale lembrar que ela sempre foi uma extensão da consciência de Coop. Enquanto este e Laura vão de um lado ao outro, a realidade na qual eles habitam parece ser real e fictícia ao mesmo tempo. Dale parece ser ele mesmo, mas há uma frieza na atuação de Kyle e, quando o personagem toma uma xícara de café, ele não para nem um segundo para apreciá-la. Laura se chama Carrie Page e acabou de assassinar um sujeito. Diane transa com Cooper tentando esconder a face do amante. Os seus nomes são Richard e Linda.  Lynch altera alguns elementos cenográficos para causar distorção (como os carros). Há muito silêncio. O ritmo é extremamente lento.

No entanto, os personagens chegam na casa de Sarah, mas apenas para descobrir que outra pessoa mora lá. Completamente perdidos, eles não sabem o que fazer, até que Dale pergunta o ano em que se encontram, Laura ouve um grito, redescobre a sua verdadeira identidade, as luzes se apagam e fica tudo preto. Aparece a cena em que ela fala algo no ouvido de Dale, quando os dois ainda estavam no Black Lodge, uma música melancólica toca ao fundo e sobem os créditos finais. Twin Peaks acabou. 

Pode não parecer, mas é simples entender o que aconteceu. Como disse anteriormente, ao perceber que o Bem estava vencendo, o Mal, na figura de Sarah Palmer, criou uma realidade alternativa e fez Laura desaparecer dentro dela. Não há dúvidas a respeito de quem é o dono desse mundo fictício: a canção que toca é “My Prayer”, a mesma que foi ouvida na oitava parte, há barulho de eletricidade, surge o posto com o número 6, há a miniatura de um cavalo, o restaurante chama Judy e a ex-dona da casa é uma senhora chamada Chalfont, uma das entidades do Lodge. 

O maior mistério é o que Lynch e Mark Frost quiseram dizer com esse final. Para mim, é que o Mal é impossível de ser completamente destruído (pelo menos, até o fim dos tempos) e que o mistério da existência permanecerá um segredo até o dia de nossa morte (a cena em que Laura sussurra algo para Dale), como um sonho explicado apenas quando as luzes se apagam. No entanto, é errado pensar que os criadores terminam com um sentimento de resignação frente às forças incontroláveis da vida. Na verdade, implicitamente, já nos foi dada a esperança redentora muito antes.

Dale nunca desistirá de salvar Laura. Isso é um fato. Percebam como ele insiste em fazer perguntas à dona da casa e em tentar entender o que aconteceu. Porém, mais do que isso, a mensagem esperançosa reside nos primeiros minutos da primeira temporada. Como uma serpente indo atrás do próprio rabo, Lynch e Frost nos fazem retornar mentalmente ao instante que o Bombeiro conversa com Dale e diz: “430. Richard e Linda. Dois pássaros com um pedra só. Você está longe”. A isso, o protagonista responde: “Eu entendo”. O grande problema é que Dale parece ter confundido e achado que essas informações tinham a ver com o que já passou. Ele comenta com Gordon sobre matar dois passarinhos com um pedra só, mas falando sobre o Sr. C e Bob, quando, na verdade, o gigante estava fazendo referência ao plano de Sarah Palmer de juntar os dois heróis em uma realidade alternativa e deixá-los lá. Assim, é muito provável que, eventualmente, Dale se lembre disso e saía desse mundo

É inegável que Twin Peaks terminou em uma nota muito melancólica. Talvez desejando refletir a indefinição da condição humana, Lynch e Frost encerraram a sua série em um ponto de não existência, onde o auto-conhecimento do protagonista serviu apenas para levá-lo a um lugar de confusão. Faz sentido que seja assim, afinal de contas, enquanto existir o mundo, o Mal perdurará, e enquanto houver sonhos, os pesadelos permanecerão. No entanto, acima de tudo isso, há a mão do Bem nos guiando, e, da mesma maneira que as forças negativas continuam, as bondosas também. Ser humano é continuar insistindo, até quando tudo dá errado. Ou seja, permaneçamos correndo atrás das cortinas, uma vez que, entre as milhões que se insinuam, uma sempre se abre, revelando um mundo de maravilhas e encantamentos.

Twin Peaks – 3ª Temporada: Partes 17 e 18 (EUA, 2017)

Criado por: David Lynch e Mark Frost
Direção: David Lynch
Roteiro: David Lynch e Mark Frost
Elenco: Kyle MacLachlan, Miguel Ferrer, David Lynch, Laura Dern, Naomi Watts, Jim Belushi, James Marshall, Sheryl Lee, Chrysta Bell, Dana Ashbrook, Michael Horse, Kimmy Robertson, Robert Forster, Harry Goaz, Frank Silva, Don S. Davis, Grace Zabriskie
Emissora: Showtime
Gênero: Suspense, Terror
Duração: 60 minutos cada episódio

Confira AQUI o nosso guia de episódios da temporada

 

 

 

 

 

Redação Bastidores

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