Leigh Whannell fez uma escolha correta ao abandonar o terror, gênero no qual trabalhava desde Jogos Mortais ao lado de seu amigo James Wan. O diretor conseguiu fazer milagre em sua estreia no campo com Sobrenatural: A Origem, mas agora em Upgrade simplesmente há passos bastante firmes que Whannell talvez se torne um diretor tão competente quanto seu colega malaio.
Claramente, o diretor é inspirado por games e o avanço da tecnologia já que Upgrade se trata de uma ficção científica que bebe de diversas fontes para contar uma história que, embora pouco surpreendente, é extremamente divertida.
A Disputa pelo Controle
Estranha o fato de Whannell não ter trilhado um caminho óbvio com uma abordagem mais próxima a de um filme de origem de super-heróis, dada as diversas semelhanças que sua história compartilha com filmes como Homem-Aranha, Doutor Estranho e até mesmo com o vindouro Venom.
Aqui, acompanhamos a vida do mecânico Grey (Logan Marshall-Green), casado com uma engenheira de tecnologia chamada Asha. Quando os dois retornam de uma entrega de um veículo no qual Grey trabalhava, sofrem um acidente e são emboscados por um grupo de humanos aprimorados, ciborgues. Esses bandidos matam Asha e deixam Grey tetraplégico.
Tendo dificuldades em aceitar a tragédia de sua vida, Grey acaba aceitando a oferta de Eron, o seu antigo cliente. O ricaço dono da empresa de computação Vessel, desenvolveu um chip chamado STEM que, ao ser implantado em Grey, permitirá que ele reganhe os movimentos do corpo. Após a cirurgia, descobrindo que o chip possui uma inteligência artificial muito solícita, o homem cede às suas tentações e persegue a vingança contra os assassinos de sua esposa.
Desde o começo, Whannell oferece elementos satisfatórios para prender a atenção do espectador. Não fazemos ideia de que a história se passa em um futuro próximo com a tecnologia smart já integrada na vida de todos de modo essencial, pois Grey tem aversão àquilo tudo ao contrário de sua esposa que possui um carro que dirige sozinho e outras diversas quinquilharias tecnológicas.
Esse primeiro contraste já oferece uma dimensão interessante sobre a desconfiança do personagem com inteligências artificiais. Isso é subvertido com ironia quando sua vida passa a depender da ajuda desses equipamentos a níveis cada vez mais absolutos, seja com os braços mecânicos que preparam suas refeições ou com o STEM.
Mencionei o caso dos filmes de origem de super-heróis por conta da tragédia que atinge a vida do protagonista ser sua motivação para encontrar os responsáveis e trazê-los à sua própria justiça. O tal do upgrade que dá nome ao filme, é o fato de Grey ser aprimorado com o STEM que permite que ele “aprenda” a lutar, não sentir dor, enfim, se comportar como alguém realmente aprimorado.
Mas como Upgrade é um filme de ficção, rapidamente é possível prever que as coisas vão sair do controle de Grey em algum momento. A abordagem de Whannell contrasta o pessimismo cético inicial com a dependência do protagonista ao uso do STEM para realizar diversas atividades e devolver a alegria em viver.
Entretanto, conforme a narrativa de vingança começa e vemos Grey se tornar suspeito da policial que deveria estar procurando os responsáveis pelo assassinato de sua esposa, as coisas começam a desandar. As viradas se tornam óbvias até a reviravolta final surgir e oferecer uma conclusão a la Black Mirror quando na verdade apenas está mimetizando o roteiro de Repo Men, por exemplo.
O filme se torna clichê em todos aspectos, incluindo no questionamento do papel da inteligência artificial que se assemelha assustadoramente com Ex Machina de Alex Garland. Talvez, se Whannell tivesse seguido na linha inspirada em Robocop renegado com a tragédia de super-herói, Upgrade fosse uma experiência mais memorável.
O Fracasso de Reinventar a Roda
Mesmo que Whannell tropece bastante para conferir alguma originalidade para sua história durante os atos finais, é inegável que sua direção mantenha o filme divertido.
Os artifícios usados realmente facilitam, já que Upgrade apela para a violência gráfica, além de contar com ação competentes tanto em lutas quanto em perseguições. Há de se admitir também que Whannell faz milagre com a concepção visual do longa, repleto de efeitos visuais surpreendentes, ótima maquiagem e um belo design para diversos cenários da obra.
Praticamente um milagre para o orçamento limitadíssimo de cinco milhões de dólares que a produção conta. Com o visual bem arranjado e diversos setores técnicos da produção em ordem, agoniza notar que o cineasta insista em utilizar apetrechos visuais na tentativa de inventar linguagem cinematográfica, mas o máximo que consegue é tornar algumas lutas bastante bregas.
Toda vez que STEM assume o controle do corpo de Grey – ótima mudança de interpretação de Green por sinal, o cineasta fixa a câmera em um eixo irredutível e nada fluído sempre girando a câmera para os lados de modo robótico. A metáfora visual funciona e o efeito é interessante nas primeiras vezes, mas Whannell insiste em utilizar o efeito durante todas as sequências de ação.
Nota-se, porém, que o cineasta é bastante esperto em capturar e repetir referências visuais de filmes de ficção científica bastante importantes. Dentre eles, o diretor busca inspiração em Eu, Robô e Looper: Assassinos do Futuro. Além disso, há a predileção por enquadramentos centralizados assim como Kubrick realizava em diversos de seus filmes, em especial 2001: Uma Odisseia no Espaço.
As Variações da Mesma História
Caso seja um espectador assíduo de filmes de ficção científica, irá notar muitos elementos repetitivos em Upgrade. Se trata sim de um filme bem realizado e com uma proposta inicial interessante, mas tanto pelas diversas conveniências narrativas envolvendo Grey e STEM, a decadência em apelar cada vez mais em situações previsíveis e alguns personagens que realizam escolhas bastante dúbias, Upgrade se trata apenas de um bom entretenimento que é feliz em transmitir a melhor das mensagens: é possível fazer algo barato e de qualidade.
Upgrade (Idem, Austrália – 2018)
Direção: Leigh Whannell
Roteiro: Leigh Whannell
Elenco: Logan Marshall-Green, Harrison Gilbertson, Benedict Hardie, Simon Maiden, Melanie Vallejo
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 100 minutos