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Crítica | Valerian e a Cidade dos Mil Planetas

A história de Luc Besson com Valerian é extremamente pessoal. Tanto que não é por menos que Valerian e a Cidade dos Mil Planetas é dito como o projeto da vida de Besson. Fã declarado dos quadrinhos de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, Besson batalhou por duros sete anos para conseguir trazer uma das histórias de seu herói de infância para as telonas.

O projeto é tão pouco modesto quanto o realizador. Besson investiu ao menos 180 milhões de dólares nesse blockbuster europeu, considerado o filme mais caro do continente até agora. Com essa pretensão, Besson eleva sua nova ficção científica a apoteose dos efeitos visuais cravando seu filme como um marco do gênero. Mas, infelizmente, as coisas saem dos trilhos com bastante facilidade.

Bradando quase 140 minutos, Valerian é uma das experiências mais monótonas e divisivas do ano. E não é por menos. Seu pior defeito é a narrativa e, sem ela, não existe filme que sustente uma projeção tão ostensiva.

Todo o conflito gira em torno de Valerian e Laureline descobrindo o que está acontecendo em Alpha, a cidade dos mil planetas. Uma zona radioativa surgiu no miolo da cidade e está expandindo. Cabe os dois agentes descobrirem como parar a ameaça que pode destruir toda a cidade. Mas a descoberta do casal revela segredos obscuros sobre a própria humanidade.

A Alma do Filme

Como fã de carteirinha e também o mais entendido do assunto, coube a Luc Besson a roteirizar a história deste Valerian. Nascido na nem tão falada escola Cinéma du Look, Besson pode ter a desculpa de ter seguido os preceitos dessa filosofia cinematográfica: pouca substância narrativa para potencializar ainda mais o visual majestoso.

Acontece que, estudando toda a sua bendita carreira, nenhum filme de Besson chega no extremo que aplica em Valerian e a Cidade dos Mil Planetas. Na verdade, o texto do longa muito se assemelha ao comportado em Mad Max: Fury Road, BvS, Warcraft e outros blockbusters menos relevantes. É uma trama muito acelerada com pouco espaço para estabelecer os personagens, apostando na concisão e conceitos fortes. Geralmente, essa responsabilidade cai no colo do diretor, para pintar imagens fabulosas e complementar as lacunas deixadas pelo texto.

Já afirmei que é uma técnica muito arriscada que somente bons diretores conseguem fazer com qualidade. Duncan Jones, por exemplo, errou feio em Warcraft. Já Luc Besson, enquanto cria um espetáculo visual de ponta, falha horrivelmente até mesmo em criar uma aventura para inserir Valerian e Laureline.

O melhor que Besson pode oferecer está concentrado na introdução do filme. Mantendo a obra silenciosa por longos minutos, conhecemos a origem de Alpha, a cidade dos mil planetas, além de situar o conflito com os alienigenas Pearls do planeta Mul. Depois de fornecer as peças principais de um enorme mistério que se comporta exatamente como uma narrativa digna dos piores episódios de Scooby-Doo.

A apresentação dos protagonistas também não colabora muito. Praticamente não conhecemos nada além de que Valerian é um agente federal pegador (que nunca pega ninguém) com uma obsessão nata em se casar com Laureline que resiste às investidas do colega sabendo do histórico mulherengo do rapaz. Esse tema do casamento praticamente delineia toda a relação entre os dois, desde o minuto que são apresentados até o fim do filme. Logo, ficar acompanhando essa DR eterna sobre o casa ou não-casa dentro de uma trama espacial de perigos gigantescos é algo que destoa e te tira da atmosfera.

Além do conflito ser repetido à exaustão, nós nunca conhecemos Valerian e Laureline. Dane DeHann e Cara Delevingne também não colaboram em nada resultando em equívoco de casting tremendo. Apesar da dupla se esforçar, a figura simpática e debochada de Valerian não combina com as feições soturnas de DeHann, além da figura esquálida do agente não impor confiança durante as missões – nem preciso dizer sobre a completa falta de química nesse casal mais que apático.

Ambos não contam com qualquer substância, além do humor do protagonista e da força feminina de Laureline. Então, a tensão artificial que Besson cria vai para o espaço a partir do momento que se torna impossível criar uma empatia verdadeira pelos personagens. Afinal, com eles ou sem eles, não faz a menor diferença simplesmente porque não nos importamos com o desfecho da narrativa. Ao menos, ambos não chegam no cúmulo de serem irritantes, mesmo que sejam repetitivos.

Para ter noção, a personagem de Rihanna, Bubble, consegue ser dez vezes mais complexa que Laureline e Valerian! E olha que sua participação é restrita apenas em duas benditas cenas. O desfecho é totalmente gratuito, assim como a exposição de seus desejos, mas existe uma lógica perturbadora na inserção de suas atividades em Alpha.

Porém, ainda sobre Rihanna, é absolutamente assustador como a presença da artista na obra a torna completamente inchada. Essa sequência em especial desvia a dupla da missão de uma forma tão gratuita e abrupta que não faria a menor diferença deletá-la completamente do corte final. É como se o próprio Besson criasse conflitos ruins e inúteis apenas para mostrar mais detalhes daquele universo. Uma obsessão tão ruim a ponto de quebrar o ritmo e a lógica estrutural de seu texto.

Antes dessa sequência, também existe outra cena grande para justificar um pseudo deus ex machina a fim de unir os dois personagens, além de traçar jornadas individuais nas quais cada um visa salvar a pele do outro. Ou seja, são duas narrativas independentes dentro de uma maior, mas que somente uma faz algum sentido dentro da lógica do roteiro.

Mensagens da Maldade

Besson também tampouco se preocupa em estabelecer o vilão da obra. O lado antagonista é uma verdadeira porcaria que não incute o menor senso de ameaça. Até existe um personagem que parece indicar ser o verdadeiro vilão da obra, mas ele apenas jura vingança a Valerian e nunca mais aparece na narrativa. Totalmente bizarro.

Disse acima sobre o formato Scooby-Doo e não é por menos. O mistério guiado por uma investigação insossa desemboca na revelação de quem é o vilão do filme. Como também não há o mínimo investimento emocional, não há interesse no desfecho de tudo aquilo. Besson perde seu público na terceira vez que Valerian e Laureline estão discutindo sobre o casamento…

Existe também uma moral e alguma mensagem. Se você limpar toda a poluição que existe no texto, vai encontrar discursos contra genocídio e reflexões sobre a evolução da humanidade, sobre um estado utópico de perfeição que o homem quase nunca atinge, além de ser obrigado a receber lições “humanas” através de outros alienígenas.

Felizmente, ao menos, a narrativa não gira em torno de um bendito Macguffin, apesar dele existir na trama apenas movimento o divertido primeiro ato. De resto, há muito pouco para se salvar na história de Valerian. Há o alívio cômico de três aliens traficantes de informação que mais funcionam como Moiras dentro do contexto, mas nada que marque realmente.  

É estranho pensar em quão rico é esse universo que Besson apresenta, cheio de mitologias, culturas e costumes, mas que nesse filme se torna flácido, opaco e totalmente entediante.

Estilo, estilo e estilo

Luc Besson viaja em Valerian. Apresenta elementos que realmente nunca tínhamos visto antes em qualquer ficção científica, além de conferir muita elegância visual para cada enquadramento. É uma obra-prima visual que, por incrível que pareça, não cansa por sua beleza estonteante.

Mesmo com orçamento menor, Valerian parece ser o filme mais caro dessa temporada, mais caro até mesmo que Star Wars: O Despertar da Força. É uma administração de recursos avassaladora. Não demora praticamente nada para ficarmos embasbacados com a beleza estética de Valerian. Parece ser coisa de outro mundo.

No planeta paradisíaco, já temos a demonstração de uma computação gráfica muito adianta do que estamos acostumados. Tudo tem sua textura, brilho e polimento, banindo o efeito “borrachudo” tão presente em diversas outras produções. Se a WETA não ganhar o Oscar de VFX nesse ano, não sei quem conseguiria desbancar esse trabalho de tão absurdo que é.

É possível ver diversas raças alienígenas, construções estranhas e mecanismos criativos em ação na profundidade de campo. Tudo segue uma lógica riquíssima comportando extrema credibilidade para o universo. Besson realmente criou um mundo totalmente novo com frescor repleto de potencial.

A cidade dos mil planetas também não decepciona. Alpha possui divisões diversas para abrigar diversas espécies alienígenas em sua extensão. E a riqueza de detalhes é capaz de te deixar sem palavras. Vemos castas sociais ordenadas através do figurino inventivo e belo para uma infinidade de criaturas. Até mesmo as mais difíceis e gelatinosas possuem visual trabalhado com afinco. Desde Avatar que não via tanta qualidade visual em um ambiente criado por computação gráfica.

O espetáculo visual é garantido. E em dois momentos específicos, Besson orquestra planos sequência fenomenais que injetam vida a um filme já meio moribundo pela história tediosa. A direção é bastante correta com domínio pleno na técnica para perseguições e cenas de ação diversas, mas em alguns momentos, em establishing shots aéreos, principalmente o da cena do Grande Mercado, Besson movimenta a câmera virtual tão rapidamente que o efeito judder fica insustentável deformando o CGI.

Besson também peca em recair em clichês de encenação tão manjados que surpreendem por figurar neste filme. O clímax em si é um desastre completo. Beesson divide a narrativa em três pontos de vista, sendo um deles bastante banal. As reviravoltas são telegrafas e bastante previsíveis e o pior clichê reside apostar toda a tensão em uma manjada contagem regressiva de uma bomba que pode explodir todos os heróis em cena. Quando vemos uma contagem regressiva e uma bomba em cena, já sabemos tudo o que acontecerá, inclusive quantos segundos restarão no fim da contagem…

Mas é possível perdoar todos os deslizes do terceiro ato truncado pela fantástica sequência do Grande Mercado. O conceito da cena é estabelecer o espaço de ação em duas dimensões. Uma é a física, centrada no deserto, e a outra é “virtual”, por falta de melhor nome. Besson estabelece regras claras de como o conceito funciona tornando de fácil compreensão para o espectador. O mais impressionante é ver a diferença de pontos de vista e como Besson utiliza recursos visuais para diferenciar um lugar de outro.

O que ocorre na outra dimensão pode afetar a segunda e vice-versa. Ou seja, se o herói morrer, ele morre nas duas dimensões. A perseguição interpolada desses espaços é praticamente o único momento que rende verdadeira tensão para o espectador. A inventividade de linguagem provocada pela montagem e excelente direção é digna de aplausos. Com certeza já entra em uma lista de melhores cenas do ano.

Infelizmente, é uma pena guardar comentários pífios para a trilha musical do grande Alexandre Desplat. Apesar de ser eficiente, os temas passam longe de ser memoráveis. Há até mesmo trechos do tema que se assemelham demais a uns timbres do tema de Homens de Preto.

Cidade do Amor e do Ódio

Acredite, não há prazer em criticar ferrenhamente uma obra. Ainda mais uma que é extremamente perceptível enxergar o esforço do realizador em trazer a melhor versão possível de uma antiga paixão de infância. Sete anos de produção não são brincadeira e destronar uma obra que deveria ser um monumento do gênero é uma tarefa inglória. Crítico nenhum é maior que um filme, por pior que ele seja.

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas não é um desastre completo ou uma obra que ofenda seu intelecto como já tivemos neste ano. Mas também está longe de ser um filme bom que realmente te entretenha. Acho essa relação entre filme e espectador uma variação completa. Vai depender muito da sua bagagem com essas obras, mas pelo que o longa apresenta e nessas falhas graves de desenvolvimento dos protagonistas, é perfeitamente plausível que não exista empatia.

O que temos é um filme magnifico de tão belo, mas completamente insosso na narrativa, com punhados inteiros que não servem para absolutamente nada. Quando a narrativa estaciona em um desses pontos, realmente é difícil tirar algum divertimento do parque de diversões de Luc Besson.

Para ser a história que inspirou George Lucas a criar Star Wars, Luc Besson conseguiu tornar Valerian em uma das experiências belíssimas mais esquecíveis do ano. Uma bela lembrança de que a estética é uma peça importante de uma obra, mas que nunca a torna espetacular.

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (Valerian and the City of a Thousand Planets, França – 2017)

Direção: Luc Besson
Roteiro: Luc Besson, baseado na obra de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières
Elenco: Dane DeHaan, Cara Delevingne, Rihanna, Clive Owen, Ethan Hawke, Herbie Hancock, Kris Wu, Rutger Hauer
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 137 min

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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