Há três anos estreava um evento que marcaria a História do Cinema. O primeiro filme dos Vingadores sintetizava trabalhos que estavam sendo feitos e planejados há anos, mas oficialmente, o universo cinematográfico da Marvel Studios tem início em 2008 com o excelente primeiro filme do Homem de Ferro.
Os Vingadores era uma realização tanto para fãs e espectadores quanto para críticos e historiadores, mas, acima de tudo, era uma realização para a indústria. Ali, a era dos espetáculos ganhava nova vida. O conceito de franquias fora mudado completamente. A Marvel virou um estúdio e ensinou Hollywood um modelo completamente novo de negócios. Um modelo que sustenta boa parte de outras produções.
Mesmo com o estrondoso sucesso, o trabalho não parou. Não se passaram nem dez anos que do início disso tudo e já chegamos ao fim da segunda fase de universo muito cativante. Fase que teve sua construção durante dois anos com os lançamentos de Homem de Ferro 3, Thor: O Mundo Sombrio, Capitão América: Soldado Invernal e o exemplar Guardiões da Galáxia.
A Era de Ultron é o final dessa etapa. Porém, algo se perdeu no meio do caminho, infelizmente.
Entre a caçada sem fim para exterminar as bases restantes da H.I.D.R.A., os Vingadores se deparam com o último comandante ativo da organização, o Barão Von Strucker. Após derrotá-lo, o grupo retoma a posse do cetro utilizado por Loki. Já que o cetro é constituído de uma gema do infinito – a da mente, Thor permite que Tony Stark e Bruce Banner passem alguns dias a estudando.
Ainda assombrado pela destruição em massa causada por Loki e os Chitauri, Tony aspira construir uma tecnologia importante que visa acabar com a vulnerabilidade da Terra. Seu plano é construir uma inteligência artificial perfeita, capaz de assimilar e raciocinar conteúdos que não estão em sua programação básica. Uma inteligência que evolui.
Graças a tecnologia mágica envolvida na gema, Tony e Bruce conseguem dar vida ao projeto Ultron, o guarda definitivo do planeta. Porém, momentos após ser criado, Ultron, em seu raciocínio muito legitimo, encontra apenas um caminho para a paz mundial: a completa extinção da raça humana. Agora cabe apenas aos Vingadores para exterminar essa nova ameaça. Porém, Ultron rapidamente faz uma importante aliança com os gêmeos Pietro e Wanda Maximoff – humanos que ganham superpoderes após se submeterem a experimentos do Barão Von Strucker.
Mais uma vez Joss Whedon assina o roteiro e direção da superprodução megalomaníaca da Marvel. Entretanto, este é um Whedon muito diferente do apresentado em Os Vingadores.
Talvez por pressão dos produtores e fome dos espectadores sempre por um espetáculo maior que o anterior, Whedon dá preferência para as cenas de ação preterindo àquelas que seriam muito necessárias para o desenvolvimento dos personagens ante à ameaça que Ultron representa neste filme. Aliás, este antagonista fascinante, é o mais prejudicado por ser o novato e ter apenas uma única participação dentro desse universo – Loki, antagonista do primeiro Vingadores já teve três filmes para seu desenvolvimento.
O vilão, interpretado e dublado de forma assombrosa por James Spader – o filme se transforma quando ele está em cena, em meio a complexidade de seu discurso, paradoxalmente, é um personagem de uma nota só. Seu objetivo é sua diretriz. Ele não entra em conflito consigo mesmo e os heróis pouco fazem para elaborar algo mais complexo dentro dos diversos diálogos, muito parecidos, que trocam entre si.
Ultron é ardiloso, esperto, cínico e tem um ótimo senso de humor, pasmem. Whedon chega a sugerir diversas questões muito legitimas através dos discursos do androide. Estas, sobre a legitimidade de os Vingadores agirem como polícia do mundo, pelo fato do grupo adorar audiência e popularidade, sobre ainda serem manipulados como marionetes ou por não desejarem, integralmente, a paz, já que então não seriam mais necessários.
Porém, tudo isso é apenas sugerido. Nunca explorado. Não há nada mais broxante do que ver Ultron lançar essas pérolas e o grupo de super-heróis responder com perguntas retóricas ou piadinhas idiotas. Aliás, superando o exagero na dosagem já apresentada em Homem de Ferro 3, Whedon, por algum motivo chamado Disney, sempre quebra a tensão ou o drama com alguma piada. Simplesmente não há razão para inserir o cômico em muitas cenas. Destrói completamente a atmosfera, mesmo que algumas piadinhas sejam engraçadas – isso não acontecia de forma tão grave no primeiro filme.
Notar essa quebra de tom, principalmente por ver um autor como Joss Whedon aderir a esse vício, não tem nada de engraçado.
Entretanto, Ultron não é o único elemento subdesenvolvido. O roteiro, ao tentar incluir muita coisa e dar origem para os eventos da próxima fase, acaba esquecendo que a história e seus personagens mereciam melhor acabamento. Homem de Ferro, Thor, Capitão América, Mercúrio e Feiticeira Escarlate estão apenas ali para preencher quórum e fazer malabarismos.
Tony Stark nunca sente o peso da culpa por ter contrariado seus amigos ao criar Ultron. Os outros personagens apenas o repreendem ou se envolvem em um conflito pequeno para então surgir uma piadinha e quebrar a tensão. Enfim, nada que seja muito relevante.
Os novos personagens, os gêmeos Maximoff, contam apenas com uma cena para construir o passado e a relevância do drama vivido por eles – óbvio que é insuficiente. Ironicamente, os únicos personagens que possuem alguma evolução se comparado com outros filmes são Bruce Banner/Hulk, Viúva Negra e, em especial, Gavião Arqueiro. Porém, o conflito que Hulk vive só ganha mais força por conta de Mark Ruffalo, pois o roteiro contraria o comportamento apresentado pelo personagem em Os Vingadores.
Bizarros são os interesses românticos inconstantes que Viúva Negra demonstra em três filmes. Sempre pulando para os braços de outro homem. Algo que não condiz com a verve original de moça forte e independente da personagem. O trabalho que realmente se sobressai é o novo olhar sobre o Gavião Arqueiro, vital para este filme. Outro elemento que Whedon acerta é a criação do herói Visão – encarnado muito bem por Paul Bettany, misturando elementos inéditos e outros clássicos das HQs.
Em geral, a história, apesar de digna dos seriados animados do grupo, é bem amarrada. Whedon também acerta na manipulação da mente orquestrada por Wanda Maximoff –interpretada vividamente por Elizabeth Olsen que gesticula como uma bruxa ao lançar um feitiço.
Até mesmo alguns atores começam a dar sinais de desgaste, infelizmente. Downey Jr., antes sempre cativante, aparenta um ócio criativo em suas cenas. O mesmo acontece com Chris Evans e Chris Hemsworth. Mas é compreensível já que o roteiro não foge da zona de conforto então não há o que adicionar.
O que Whedon sempre acerta mesmo é na direção. Era de Ultron é tecnicamente muito superior ao filme de 2012.
Tudo é maior, incluindo a expressividade artística de outros departamentos como o de fotografia e design de produção. O diretor de fotografia Ben Davis modela e cria, impecavelmente, diversas atmosferas diferentes para as cenas – concepções únicas. Finalmente um filme dos Vingadores tem uma forte identidade visual. Já o design de produção preenche os planos com cenários repletos de elementos ricos. Os planos vazios de Os Vingadores que contavam apenas com o ator e um fundo banal ficaram para o passado. Tudo muito atrativo visualmente.
Seguindo essa linha criativa sábia, Whedon em conjunto com o departamento de arte, cria uma metáfora visual muito bem-vinda para exibir as diferenças entre as inteligências artificiais de Ultron e J.A.R.V.I.S. Uma é completamente caótica e imprevisível enquanto a outra é racional, cheia de formas retas e pacíficas. Além disso, o design de Ultron é fantástico. Desde seu primeiro protótipo até sua forma final.
Apesar da ótima condução das cenas de ação, acredito que o filme ficou saturado. A história, às vezes, parece que serve somente para unir essas sequências. Isso prejudica o clímax do filme, bastante, pois todas as cenas são dignas de fechar o filme. Fora que a luta entre Hulk e Tony Stark vestindo a Hulkbuster é de longe a melhor cena do filme.
Agora com mais recursos, Whedon consegue elaborar movimentos de câmera fantásticos, enquadramentos mais apelativos e muitos planos-sequência. Se você é fã desta técnica, Era de Ultron é obrigatório. Logo no começo do filme, para expressar a união do grupo vingador, Whedon insere um fantástico.
Uma nova era
Vingadores: Era de Ultron, infelizmente, é inferior ao primeiro filme, mas consegue divertir e agradar os fãs. Ele pretere o desenvolvimento de personagens e narrativa para dar lugar as muitas e ótimas cenas de ação, porém algumas cansam de tão longas ou pelo curto intervalo entre uma e outra. Entretanto, mesmo falhando nesses aspectos tão vitais, o filme cativa com o carisma de seu insano antagonista e graças a inserção de personagens novos muito bem-vindos como Feiticeira Escarlate e Visão – Mercúrio nem tanto graças à atuação insossa de Aaron Taylor-Johnson.
Uma pena que este seja o último filme da Marvel que Joss Whedon dirigirá. O cara é ótimo, dirige blockbusters como ninguém e tem nervos de aço para segurar as pontas de uma produção tão complexa como esta daqui. Ele é um dos poucos que não deixa sua ação virar um emaranhado confuso e excessivo de planos como os irmãos Russo fizeram em Capitão América: Soldado Invernal. Infelizmente, a fase três da Marvel começa com uma terrível perda, mas espero que, com o produtor certo, os irmão Russo consigam concluir de modo digno esse incrível evento que estamos vivendo agora.
Vingadores: Era de Ultron (Avengers: Age of Ultron, EUA – 2015)
Direção: Joss Whedon
Roteiro: Joss Whedon
Elenco: Robert Downey Jr., Chris Evans, Chris Hemsworth, Scarlett Johansson, Jeremy Renner, Mark Ruffalo, Elizabeth Olsen, Aaron Taylor-Johnson, James Spader, Paul Bettany, Cobie Smulders, Don Cheadle
Gênero: Aventura
Duração: 143 min