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Crítica | Westworld – 01×04: Dissonance Theory

Spoilers!

Ao longo dos três textos de Westworld que escrevi, não pude deixar de tecer comparações entre a série da HBO e o fenômeno de Lost e seus mistérios que cresciam como uma boneca de Matrioshka. Para minha surpresa, Dissonance Theory funciona bem como uma eficiente bússola narrativa que deixa algumas coisas mais claras e não tem medo de revelar alguns mistérios, algo que Lost só faria em um espaço de mais temporadas adiante. Mas não pensem que por isso Westworld ficou menos interessante ou cativante. Pelo contrário.

Como tem sido um hábito, o episódio começa com Dolores (Evan Rachel Wood) em mais uma sessão com Bernard (Jeffrey Wright). Mas antes que entremos em mais uma discussão redundante sobre a liberdade da personagem, retornamos para o último ponto onde a havíamos visto: sob os braços de William (Jimmi Simpson) e Logan (Ben Barnes), que preparavam uma caçada a um fugitivo quando Dolores acabou cambaleando para o acampamento da dupla. O núcleo dos dois ficou ainda mais divertido com a inclusão de Dolores, já desenvolvendo ainda mais o personagem de William, que cada vez mais torna-se afeiçoado ao parque e à filha do fazendeiro, ao mesmo tempo em que nos dá mais tempo para ver Ben Barnes agindo de forma deliciosamente canalha.

A jornada dos dois ofereceu ainda mais flashes misteriosos de Dolores, agora traçando uma conexão com o Labirinto que o Homem de Preto (Ed Harris) vem buscando desde o primeiro episódio. O mais curiosos é o fato de Bernard claramente mencioná-lo durante sua sessão com Dolores no início do episódio, como se oferecesse um papel nele a ela. Mas ao mesmo tempo, é agradável ver a relação entre Dolores e William fortalecendo, especialmente no desfecho do núcleo, onde Dolores se desvia mais ainda de sua narrativa ao acompanhar os dois em um rumo perigoso para a caçada – de acordo com Logan, seria um “nível mais divertido do jogo, um easter egg”. Seria o Labirinto do qual estamos tanto estamos ouvindo falar?

Ausente no episódio anterior, a narrativa mais agitada certamente foi a do Homem de Preto. Ainda acompanhado de Lawrence (Cliffton Collins Jr ), sua missão de encontrar o Labirinto ganha uma reviravolta interessante ao descobrirmos o significado real da “cobra sangrenta”, diretamente relacionada à tatuagem de cobra da pistoleira Armistice (Ingrid Bolsø Berdal), uma das comparsas de Hector Escaton (Rodrigo Santoro). O HDP oferece um acordo tentador à Armistice, prometendo resgatar Hector de uma prisão em troca do segredo por trás de sua tatuagem. É uma interação inesperada e que rende mais momentos excelentes da sagacidade de Ed Harris.

Isso também resulta na ótima sequência em que o HDP resgata Hector da prisão, utilizando um mero fósforo como principal instrumento de fuga. Aliás, é curioso como os padrões para certos personagens vão se repetindo mesmo que estes não tenham ciência disso, como a tomada que praticamente recria o primeiro momento em que o HDP salvou Lawrence da forca, com o plano parado no rosto do condenado enquanto os tiros ao fundo revelam a chacina de seus captores. Foi ótimo rever Rodrigo Santoro aqui, e ainda de quebra ganhou mais uma elaborada sequência de “assaltar ao saloon”, dessa vez ao som de uma rendição moderna de “Habanera”, de Georges Bizet.

Também foi possível tirar 3 fatores importantes desse núcleo: a conexão entre Armistice e a chacina da gangue de Wyatt, o fato de que o HDP realmente é um Convidado (e um famoso, dada a cena em que um outro Convidado o reconhece) e também de que o mesmo definitivamente não é o misterioso Arnold.

Por falar nele, precisamos comentar o que anda acontecendo na nova Narrativa de Ford (Anthony Hopkins). Vimos um maquinário absurdo movendo rochas e aparentemente construindo algo inteiramente novo no parque, o que provoca diversas mudanças nas demais Narrativas e a fúria do Conselho e da implacável Theresa Cullen (Sidse Babett Knudsen). A situação resulta em um jantar passivo-agressivo entre os dois, com exemplos formidáveis da direção certeira de Vincenzo Natali e do ótimo roteiro de Jonathan Nolan e Ed Brubaker. Pela primeira vez, vemos o quão ameaçador Ford pode ser, e a performance de Hopkins durante sua ameaça pacífica de “fique fora do meu caminho” é digna de seus tempos como Hannibal Lecter no cinema.

Finalmente, retornamos a um dos núcleos que fica cada vez mais instigante a cada novo episódio. Maeve (Thandie Newton) vai reunindo cada vez mais pistas sobre sua natureza artificial, dessa vez provocada quando a personagem começa a lembrar-se de um ferimento de bala provocado no passado – na certa, por um dos Convidados. A lembrança gera mais flashbacks de seu despertar sinistro nos laboratórios de reparo, dessa vez marcando a imagem de um homem em traje de contenção, o que leva Maeve a desenhar a figura e esconder embaixo do assoalho de seu quarto para futura referência. O momento mais impactante do episódio veio justamente quando Maeve encontra dezenas de desenhos dessa figura humana, nos deixando bem claro que Maeve está presa em mais um loop.

Essa intuição leva a uma das ações mais intensas de Maeve, ao forçar Hector a esfaqueá-la no local de seu ferimento anterior a fim de provar seu ponto. É uma cena poderosa não só pelo gore, mas pela química incendiária entre Santoro e Newton, já deixando implícito um passado curioso entre os dois personagens. Outra revelação incrível é a de que tribos indígenas de Westworlds têm sua própria mitologia e crença religiosa a respeito do desenho apresentado por Maeve, que Hector explica ser a ilustração de “deuses que viajam entre os mundos para ficarem de olho em nós”. É uma frase simples, mas que já demonstra uma riqueza notável em Westworld, onde até os Anfitriões são evoluídos a ponto de criarem mitos sobre seus próprios criadores. Pergunto-me quem seria responsável por tal programação…

Foi mais uma hora memorável e intensa em Westworld. Tudo parece estar convergindo de alguma forma para o misterioso Labirinto, ao passo em que Dolores e Maeve vão cada vez mais descobrindo as camadas de sua realidade e a nova Narrativa de Ford mostra-se algo realmente grandioso. Trazer à tona parcialmente esses mistérios certamente não tirou a graça do jogo.

Só o tornou mais fascinante.

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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