“Pelo menos podemos concordar que o terceiro é sempre o pior”, ironiza a Jean Grey de Sophie Turner ao sair de uma sessão de O Retorno de Jedi durante uma cena de X-Men: Apocalipse. É uma clara – e um tanto deselegante – indireta ao trabalho de Brett Ratner em X-Men: O Confronto Final, filme que encerrou a primeira trilogia dos mutantes da Marvel no cinema e que encontrou uma recepção crítica muito desfavorável – e quando o próprio Bryan Singer insere um comentário em seu próprio filme, é sinal de que nem o estúdio estava particularmente satisfeito; e a ironia do destino acabou fazendo de Apocalipse (o terceiro filme da segunda trilogia) um dos filmes mais criticados da saga.
Mas o drama do terceiro X-Men começa em um longínquo 2005.
O sucesso da franquia X-Men rendera diferentes mudanças para todos envolvidos ao seu redor. O gênero de quadrinhos no cinema passava por uma nova renascença, o mundo acolhia Hugh Jackman como um grande astro, e a carreira de Bryan Singer se abria para um universo de projetos e opções variadas. Com isso, é de se entender quando o cineasta largou a franquia para se juntar ao lado DC e comandar o aguardado reboot do Homem de Aço com Superman: O Retorno, deixando O Confronto Final nas mãos de Matthew Vaughn; que desistiu para dedicar-se a outro projeto da Marvel e acabou passando o bastão para Brett Ratner.
No fim, essa história infelizmente não deu muito certo para ninguém. Superman: O Retorno foi um (injustiçado!) fracasso de bilheteria e dividiu a crítica, enquanto Vaughn saiu para fazer um filme do Thor que só acabou acontecendo de fato em 2011. E Ratner acabou saindo como o grande culpado por “estragar” os X-Men e forçar a Fox a seguir em uma direção diferente e até um retcom com viagem no tempo em 2014. Porém, mesmo que o filme de Ratner careça do talento e dedicação de Singer, ele nem de longe merece metade das críticas que recebe.
A trama do longa segue a promessa do fatídico final do anterior, com o sacrifício de Jean Grey (Famke Janssen) abalando os X-Men, em especial o agora depressivo Scott Summers (James Marsden). Paralelamente, o mundo político e social ganha uma gigantesca novidade quando laboratórios revelam a descoberta de uma vacina capaz de “curar” o gene mutante X, o que rapidamente faz com que humanos e mutantes dividam-se entre aqueles a favor, e contra; deixando um furioso Magneto (Ian McKellen) liderar um grupo para destruir os responsáveis pela cura. Como se isso já não fosse o bastante para Charles Xavier (Patrick Stewart) e seus alunos, Jean ressurge com a sombria entidade da Fênix Negra, mostrando-se um perigo para aqueles ao seu redor.
São basicamente duas grandes linhas narrativas que o roteiro de Simon Kinberg e Zak Penn aborda, baseando-se em duas famosas histórias dos quadrinhos dos X-Men. A maioria dos fãs critica o fato de que ambas as fontes de inspiração acabaram misturadas em uma, e que alguns detalhes importantes teriam sido deixados de lado. Pois bem, se O Confronto Final falha como adaptação (não li os quadrinhos), é irrelevante para a análise do produto final, que é bastante eficiente em equilibrar as duas tramas e trazer o peso necessário para cada uma delas.
O advento da cura mutante garante que Kinberg e Penn tragam ótimas cenas e diálogos que trazem os personagens discutindo e refletindo sobre o assunto, como quando a Tempestade de Halle Berry afirma à Vampira de Anna Paquin que não existe “nada para curar”, ainda que a jovem mutante sofra com sua inabilidade do toque com outras pessoas – sem de fato matá-las ou machucá-las profundamente. Isso até permite que o antagonista Magneto permaneça um personagem racional e com o qual podemos simpatizar, mesmo que suas ações possam ser classificadas como terrorismo – como a fantástica cena da Ponte Golden Gate. E o impacto da cura na sociedade em geral não é nem um pouco longe da realidade, afinal já vimos por aí diversos políticos oferecendo programas de “cura para homossexualidade” ou atrocidades do gênero. Parece-me digno e respeitoso ao legado que Singer iniciou em 2000.
Da mesma forma, o retorno de Jean Grey como a Fênix é onde o filme realmente tem um ponto mais fraco. Ver Famke Janssen atuando como uma verdadeira femme fatale sanguinária e vestida com um vermelho berrante é divertido, além dos criativos efeitos visuais que ilustram seu sinistro poder de desintegração – e elogio a coragem de Ratner e dos roteiristas em matar personagens importantes… Mesmo que, bem… Não tenham ficado realmente mortos em futuros capítulos. Porém, a repentina “mudança de lado” que faz Jean juntar-se à Irmandade de Magneto soa extremamente artificial e digna de uma novela das nove, ainda que o roteiro tente justificar a exploração que Magneto faz de seus poderes; e é atencioso colocá-lo durante a batalha final arrependido de suas ações, tal como sua reação apavorada quando é forçado a ver a morte de seu melhor amigo pelas mãos da Fênix.
O ritmo também é um problema. Ainda que fluido e que jamais deixe a peteca cair, o longa merecia alguns minutinhos a mais de contemplação e desenvolvimento. Tudo se resolve rápido demais, e é de se espantar que apenas 104 minutos tenham sido o bastante para resolver duas tramas tão complexas e importantes, da mesma forma que diversos núcleos menores acabem subvalorizados. Por exemplo, o Anjo de Ben Foster acaba sendo um elemento irrelevante e preguiçoso ao longo da narrativa; servindo para despertar a busca pela cura mutante nos créditos iniciais, mas descartado depois de algumas cenas e resgatado como um Deus Ex Machina durante o clímax. Nessa mesma linha, o triângulo amoroso que envolve Vampira, Bobby Drake (Shawn Ashmore) e a novata Kitty Pride (Ellen Page) sofre dessa rapidez e ausência de desenvolvimento em seus arcos, ainda mais saído de um trabalho tão consistente em X-Men 2.
Em termos de direção, Brett Ratner se sai surpreendentemente eficaz na construção visual do longa. Mesmo que os núcleos coadjuvantes citados acima careçam de desenvolvimento, Ratner é bem capaz de lhes oferecer uma iconografia poderosa e memorável, como a primeira vez em que as majestosas asas do Anjo libertam-se de suas amarras ou a belíssima cena em que Bobby congela a água de uma fonte para que possa patinar no gelo com Kitty. Também fico impressionado com a elegância de seus movimentos de câmera em momentos específicos, como o engenhoso plano que nos apresenta ao ótimo Fera de Kelsey Grammer, e até mesmo a eficiente construção de suspense que antecede o ataque de Magneto à Golden Gate. São características que se mantém em sua abordagem envolvente durante as muitas cenas de ação.
A maioria delas merecem aplausos pela construção e criatividade, especialmente pelo uso dos poderes diferentes (a perseguição de Kitty e o mutante Fanático é uma linda demonstração de brutalidade vs discrição), com um destaque central para a antológica cena na casa de Jean Grey, onde não só a mise em scène de Ratner é clara e valoriza o trabalho de dublês – ver o Wolverine de Hugh Jackman sendo arremessado de canto a canto é algo que jamais soa artificial -, além de contar com uma montagem precisa de Mark Goldblatt, Mark Helfrich e Julia Wong, que mantém nosso interesse na briga ao mesmo tempo em que nos lembram do que está em jogo ali; afinal, a Fênix prepara-se para desintegrar o Professor Xavier em um confronto emocionalmente pesado. Já o tal confronto final titular acaba com uma escala épica menor do que o esperado, principalmente por termos mutantes “avatares” com poderes randômicos que só servem para dar algum trabalho braçal aos protagonistas. Porém, é um conjunto de cenas que funcionam como boa diversão e garantem um envolvimento com os personagens, além de toques funcionais de humor negro e um desfecho trágico que deixaria Shakespeare orgulhoso – podemos agradecer ao Wolverine por ambos.
Mas se existe uma grande tragédia em relação ao filme e o backlash criado pela comunidade nerd, é o total esquecimento da brilhante trilha sonora composta por James Powell. Ainda que seja inexplicável o fato de Powell não trazer o épico tema criado por John Ottman para X-Men 2, o compositor oferece uma evolução (sem trocadilhos) daquela melodia para algo apropriadamente mais operático. A grande saga da Fênix Negra no filme ganha uma trilha simplesmente inacreditável, com Powell abraçando as influências na tragédia grega para um tema forte e de orquestra pesada, que mescla seus pontos de drama, terror e ação de forma espetacular; contando ainda com um acertado coral que exacerba a jornada sombria de Jean Grey.
X-Men: O Confronto Final é um dos filmes de quadrinhos mais subestimados da última década. Claramente não é uma obra-prima nem traz o nível de excelência de seus antecessores, mas o longa de Brett Ratner oferece uma conclusão digna para a primeira fase dos X-Men no cinema, surpreendendo com sua história esperta e o espetáculo visual que oferece nas cenas de ação.
X-Men: O Confronto Final (X-Men: The Last Stand, EUA, Canadá – 2006)
Direção: Brett Ratner
Roteiro: Simon Kinberg, Zak Penn
Elenco: Hugh Jackman, Ian McKellen, Patrick Stewart, Halle Berry, Famke Janssen, James Marsden, Kelsey Grammer, Shawn Ashmore, Anna Paquin, Ellen Page, Ben Foster, Rebecca Romijn, Aaron Stanford, Daniel Cudmore, Vinnie Jones
Gênero: Ação, Aventura
Duração: 104 minutos