Hoje, 02 de outubro, a FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) trouxe a ilustra presença do animador e diretor Aaron Blaise, responsável por dar vida a inúmeras obras do panteão Disney – incluindo O Rei Leão, A Bela e a Fera e Irmão Urso. Durante o evento, que se dividiu em duas partes e durou por volta de quatro horas, o ilustrador contou um pouco de sua vida, sua experiência e sua carreira perscrutada por altos e baixos e que permitiram que se consagrasse como um dos melhores de seu ramo – e depois bateu um papo sobre o futuro da animação com a imprensa.
Nascido no sul da Flórida, Blaise morava em um trailer com seus pais, ao redor de um gigantesco pântano, e desde pequeno teve afeição por desenhar. Quando não estava cortando grama dos vizinhos para ajudar na renda familiar, gostava de correr pela floresta que circundava sua casa e desenhar os mais diversos animais, incluindo pássaros, insetos e outros. Ele conta que “tinha pilhas e pilhas [da revista] National Geographic, que gostava de ficar olhando e desenhando, imaginando quando eu poderia fazer tudo aquilo”.
Após descobrir que a companhia na verdade contratava apenas freelancers – ou seja, ele não poderia ser contratado realmente para ser ilustrador -, à época da faculdade, começou a pesquisar outras brechas no mercado para que pudesse se inserir. Blaise, durante toda sua apresentação, falou sobre a “persistência do olhar”, fazendo um paralelo com a ilusão de movimento que a mente causa quando frente à frente com um compilado de imagens seriadas, dizendo que nos altos e baixos da sua vida, sempre buscava um objetivo para seguir.
Logo após se formar na Ringling College of Art & Design, Blaise foi contratado como estagiário do Walt Disney Studios. “Quando decidi mudar meus planos, fiquei sabendo de duas vagas para estagiário de ilustração – e uma delas foi na Disney. E então eu pensei ‘ah, isso é bem interessante’. Porque naquela época, os estúdios não eram o que são hoje. A Pequena Sereia não havia saído, Oliver e sua Turma não havia saído, eles não haviam explodido e se tornando um império como são hoje”, declarou. “Eles começaram a recrutar nas melhores escolas de design aqueles que tinham uma grande habilidade para o desenho. Aí juntei como portfólio todos os desenhos que tive e levei para eles”.
Assim que contratado, começou a trabalhar com o lendário animador Glen Keane, o qual foi responsável por inúmeros filmes como Aladdin, Mulan e, mais recentemente, Enrolados e Detona Ralph. Blaise, além de constantemente louvar todo o carinho que seu supervisor tinha com ele, diz que Keane sempre lhe perguntava sobre as feições dos personagens, sobre a concepção e inclusive permitia que fizesse algumas alterações. Assim que seu estágio acabou, foi contratado como animador-assistente e teve seu primeiro grande trabalho no filme Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus (1990).
A partir daí, sua carreira decolou. Em 1991, Blaise ficou responsável por uma sequência inteira da animação A Bela e a Fera, além de aprender inúmeras técnicas de desenho com Keane, o qual tomou em mãos a direção-geral da Fera. Logo depois, deu vida a Raja, tigre de Jasmine em Aladdin, e depois trabalhou na maioria dos personagens secundários na animação Mulan. Mas foi apenas em 2003 que sua carreira sofreu uma reviravolta quando, após retornar de uma viagem para o Alasca (durante a qual observou a anatomia dos ursos), teve sua estreia diretorial com o longa Irmão Urso, no qual trabalhou ao lado de Phil Collins e Tina Turner.
Algum tempo depois, a vida de Blaise sofreu uma perda terrível. Durante a palestra, o animador falou de momentos muito complicados que teve após o sucesso da animação que dirigiu – a qual foi indicada para o Oscar – e que ocasionou sua autodemissão da Disney. “Perdi minha mulher para o câncer de mama e depois disso eu ia ao trabalho apenas para conseguir pagar minhas contas. Não havia mais inspiração, eu estava trabalhando em um projeto pelo qual eu não me interessava. Então, senti que era hora de seguir em frente e dei ‘adeus’ à minha antiga vida”.
Ele, pois, entrou em uma fase muito mais madura de sua vida, com a arquitetura de um projeto nunca finalizado e que o próprio Blaise caracterizou como “um coming-of-age pessoal e íntimo”, intitulado The Legend of Tembo. A história girava em torno do elefante que empresta o nome ao título e que foi raptado por um grupo de caçadores para transformá-lo em uma “máquina de guerra” em lutas sanguinárias e que o deixaram extremamente sequelado. O filme nunca foi terminado devido à falência da companhia. Entretanto, Blaise se sentiu muito realizado por se ver naquela animação e poder encontrar uma válvula de escape para seus traumas.
O animador também foi contratado pela companhia John Lewis para produzir uma peça publicitária de dois minutos que misturava live-action e animação. O comercial tornou-se viral por sua delicadeza e construção:
Atualmente, Blaise trabalha como freelancer e tem seu próprio canal no Youtube, onde ensina técnicas de desenho e conta um pouco mais de sua experiência no ramo da animação para quem deseja seguir na área.
Logo após sua palestra, o Bastidores bateu um breve papo com o diretor tanto sobre seus maiores desafios quanto sobre o futuro da animação no cinema e na televisão. Confira a transcrição completa abaixo:
De onde veio seu apego com a observação e o desenho de animais?
Me fazem essa pergunta várias vezes, e eu não sei como respondê-la além de dizer que isso sempre foi parte de mim. Eu sempre vivi em contato com a natureza, eu a encaro como uma irmã; então não há aquela ideia de um é superior ao outro. Somos todos iguais. Eu simplesmente tenho fascínio.
Como você se sente em relação ao futuro da animação? O que você acha que irá melhorar ou cair por tabela?
Várias vezes me perguntaram se as animações em 2D irão voltar. Para mim, elas nunca deixaram de existir, há vários estúdios na Europa que ainda fazem filmes assim, como o Cartoon Saloon, que recentemente fez Secret of Kells e Song of the Sea e agora trabalha num longa sobre lobos. Eles foram indicados para um Oscar, então acho que essa técnica ainda vai continuar. Mas estou muito animado com o futuro da realidade virtual (VR), usar isso para as narrativas. Eu recentemente fui chamado para fazer alguns desenhos de teste utilizando a VR e em questão de segundos estava apaixonado. Sou particularmente apaixonado por novas ferramentas e encaro isso como uma possibilidade de expressão cada vez mais crescente. A animação como forma artística nunca vai desaparecer, e sim mudar de forma.
Você já falou sobre encarar a arte de forma generalizada. Mas você acredita que, a longo-prazo, especificar-se em uma determinada vertente seria o mais correto?
Na verdade eu sou a favor das pessoas fazerem o que se sentem confortáveis para fazer. Se ser alguém generalista te faz feliz, ou encontrar algo mais específico é “a sua praia”, ótimo! Sei que parece uma resposta meio crua, mas tudo se resume a: um artista feliz é um artista competente. Desenhar animais sempre foi minha paixão, e isso me levou para inúmeros caminhos. Mas eu fiz muitas, muitas coisas diferentes e acho que ser um generalista, principalmente quando se é mais jovem, é uma investida inteligente, principalmente porque você vai ter habilidades diversas que podem se canalizar no futuro.
Qual foi o maior desafio de sua carreira até agora?
Nossa, tiveram vários. Um dos maiores, tirando a ideia de dirigir um filme, foi ultrapassar o medo da animação digital. Toda a minha vida eu me comportei como um artista “tradicional”, usando pincel, lápis, papel e eu estava em minha zona de conforto. Então fazer essa transição me deixou morrendo de medo, ainda mais porque eu teria de saber lidar com softwares e coisas do tipo. Mas agora eu não consigo imaginar a minha carreira sem essas ferramentas: ter uma mesa digitalizadora tornou tudo muito mais fácil, isso é o engraçado. Quando eu estava nos processos de animação de A Bela e a Fera, meu chefe veio até mim e disse ‘você sabe que em vinte anos, nós estaremos usando computadores para fazer tudo isso’, e eu pensei ‘você está completamente louco’. E bom, cá estamos; foi tudo um processo de adaptação.
Qual o maior lição que seu mentor Glen Keane lhe ensinou durante seus anos nos estúdios Disney?
Para mergulhar em sua criação. Um animador não apenas dá movimento a desenhos e essas coisas, mas também tem a responsabilidade de tornar tudo o mais real e emocionante possível. Glen, quando desenhava a Fera, fazia várias carrancas, se curvava, grunhia e até mesmo desenhava com mais força os traços do personagem para deixá-lo real e crível. Afinal, nós não somos apenas desenhistas, somos atores, escritores, músicos e tudo o mais.