em

Análise | Ghost Recon: Wildlands

Os games Tom Clancy foram uma bela aposta da Ubisoft. Dessa linha, somente EndWar flopou e ainda assim era um bom jogo. Hoje, a marca Tom Clancy, apesar de forte, tornou-se coadjuvante das franquias lançadas com a grife. Dentre todas, Splinter Cell, Rainbow Six e Ghost Recon, a abordagem mais hardcore dentro dos jogos táticos de espionagem da Ubisoft. 

Admito que adorava jogar Splinter Cell e Rainbow Six diversas vezes, porém Ghost Recon não conseguia chamar minha atenção e acabava desistindo de fechar o game após muitas tentativas frustradas de organizar meu esquadrão.

Isso, todavia, era por conta do meu estilo de jogatina quando jovem. Gostava de bancar o Rambo nos games de tiro e com Ghost Recon, nunca se tratava da quantidade de balas disparadas, mas sim da estratégia minuciosa para dominar o campo de batalha. Após 4 anos sem dar as caras, a franquia retorna em sua primeira empreitada de ação em mundo aberto com Wildlands. Entretanto, o estilo sandbox combina com o DNA Ghost Recon?

Os Bad Boys sem Jurisdição

A narrativa de Wildlands é extremamente raquítica, mas é, ao mesmo tempo, enorme. Sentindo os efeitos pesados do narcotráfico do cartel Santa Blanca nos Estados Unidos, o governo americano decide cortar o mal pela raiz.

Em uma operação fantasma, 4 soldados Ghost desembarcam clandestinamente em uma Bolívia transformada em narcoestado, completamente dominada pelo chefe do cartel Santa Blanca, El Sueño, após um espião americano ser brutalmente assassinado pelos sicários da facção. Com a ajuda de Bowman, uma integrante casca-grossa da CIA, para auxiliar com informações privilegiadas, os Ghosts tentam desmantelar completamente a massiva organização criminosa.

Não é preciso dizer muita coisa aqui, pois os principais personagens são completamente rasos. O protagonista, Nomad, e seus três colegas que o acompanham não possuem grandes momentos ou alguma relevância dramática para a narrativa, apesar de apresentarem diálogos bem-humorados ou adequados para algum acontecimento importante. Fora isso, não há grande profundidade o que é uma pena, pois daria para organizar uma narrativa a la Coração das Trevas de Joseph Conrad ou verdadeiramente inspirada com Sicário ou Breaking Bad.

Como complemento narrativo, existem curtas que explicam um backstory surpreendentemente rico para os muitos antagonistas: 17 chefes de distrito, 4 chefes das operações principais como Influência, Comércio e o chefe do cartel, El Sueño. Ver os vídeos é algo bastante recomendado para prestigiar o trabalho de pesquisa da Ubisoft em explicar como o cartel funciona, além da função sempre distinta de cada indivíduo.

Há histórias de torturadores, causos entre os chefes de distrito, explicação de métodos de operação, da filosofia absolutista e sobre o antagonista principal que narra diversas dessas pequenas histórias exibindo seu ponto de vista doentio e noção de posse que ele tem sobre todas as pessoas que vivem na Bolívia. Em termos religiosos, por ser mexicano, El Sueño acredita ser um enviado divino da Santa Morte para expurgar infiéis.

A verdadeira graça da história do jogo é mesmo sacar o quão bem estruturado é o império do traficante, além das pequeninas narrativas de cada um dos vilões do game. De resto, recebemos muito pouco, além da qualidade ok da dublagem.

Velhos Truques

Como prometido em seu marketing, Wildlands é o jogo de mundo aberto com o maior mapa para exploração disponível no mercado. Quando o radar indica que o objetivo está a 5km, acredite, ele realmente está a 5km. As distâncias entre as missões são enormes e dirigir neste game é um teste de paciência, principalmente por conta da área inicial extremamente montanhosa repleta de estradas com curvas fechadas.

O bom da mecânica dos veículos é que todos se comportam como verdadeiros tanques ao encarar o off-road – acredite, você vai lançar seu carro montanha acima ou abaixo para não ter que fazer tantas curvas e para cortar caminho. Entretanto, todos são bastante ingratos para condução. Não tem macete. O jeito é se acostumar com a sensibilidade e ir dominando aos poucos. O mesmo acontece com veículos aéreos como monomotores e helicópteros.

Entretanto, eles são um pouco mais amistosos para dirigir e extremamente necessários para cruzar as enormes distancias para cumprir os objetivos do jogo. É um certo problema termos que depender tanto de helicópteros, pois a abundancia deles no mapa revela que até mesmo a produtora reconhece que se deslocar com veículos terrestres entre o enorme espaço é algo inviável.

Por sorte, temos viagens rápidas para esconderijos que podem ser uma mão na roda para administrar melhor seu tempo em Wildlands além de ficar andando e andando e andando. Já as motos têm um aspecto interessante, mas que tira parte do realismo do jogo. Ao pilotarmos uma, o personagem gruda no assento e não cai de modo algum: mesmo subindo montanhas, atropelando carros, caindo de grandes alturas. Nada consegue parar as motocas de Wildlands. É impressionante.

Quem conhece jogos cujas histórias envolvem desmantelar um grande império, já devem ter sacado como funciona o game design de Ghost Recon: Wildlands. Assim como em Godfather 2 ou Mafia 3, é preciso desestabilizar o esquema criminoso em cada um dos distritos: 17 no total. Ao pisarmos em um território novo, Bowman ligará indicando lugares para conseguir informações das missões.

Ou seja, em todos os territórios, é preciso encontrar as informações – demarcadas com uma pastinha amarela no mapa, para então desbloquear as missões que permitem o progresso da história. É necessário fazer isso cinco vezes até que o subchefe saia do esconderijo para tentar estabilizar a situação. Nisso, temos a sexta missão que varia entre assassinar ou sequestrar o alvo – muitas vezes fazemos isso, afinal a CIA quer testemunhas para processar os criminosos.

O que certamente é algo bizarro dada a lógica das operações comandadas por Bowman. A proposta da mulher é bastante inconsistente em reunir tantos subchefes e chefes ao ameaçá-los com os mais diversificados tipos de tortura. Também é pouco crível que um cara tão esperto como El Sueño deixaria seu império nas mãos desses indíviduos sem ter a menor possibilidade de substituir alguns nomes. Sua natureza também é inconsistente, já que conforme desmantelamos o esquema, muitas vezes ele mesmo se livra dos subchefes que fracassam no ofício.

Logo, a estrutura das missões torna-se mais orgânica por conta dessas decisões ruins de roteiro, mas saudáveis ao gameplay. Elas reduzem a enorme receita de bolo que é conquistar cada província do game. Entretanto, nem mesmo essas pequeninas surpresas conseguem salvar Wildlands de sua pior característica: a repetitividade.

O game busca diversificar de diversas formas ao indicar as muitas abordagens diferentes que podemos fazer ao nos aproximarmos dos locais de missão. Entretanto, em sua rasa essência, o miolo das missões é sempre muito parecido: exploda tal coisa, encontre tal documento, mate tal alvo, intercepte tal alvo, sequestre fulano. É exatamente isso durante mais de cem missões.

Se ao menos o game design para a infiltração das bases fosse mais criativo, seria perdoável, porém, mesmo com alguma variedade, também somos reféns de outra receita de bolo. Esse é um game Ghost Recon, logo, a abordagem rambo é bastante desencorajada, apesar de funcionar em diversos momentos. Para seguirmos em stealth, temos o auxílio do drone o qual é extremamente necessário para mapear os inimigos espalhados nas bases.

Nisso, repetimos o processo quase todas as vezes. Felizmente, a Ubisoft dá a escolha do jogador omitir o minimapa e, acredite, isso eleva a dificuldade do game em níveis absurdos, mas também o deixa mais recompensador e realista relembrando a pegada dos Ghosts anteriores. Porém, Wildlands mais parece ser algo próprio: uma mistura de The Division e Ghost Recon com toques de Splinter Cell.

Uma nova tática

Ainda assim, Wildlands é Ghost Recon. É perfeitamente possível jogar toda a campanha no modo single player, porém é preciso dar muitas ordens para seu esquadrão já que a inteligência artificial de aliados é bastante estúpida. São raras as ocasiões que seus parceiros caem durante a batalha, mas certamente temos que ficar de olho para que não se joguem de peito aberto para o tiroteio. Quando o jogador cai, eles também te ressuscitam rapidamente.

Na abordagem stealth, o modo de tiro sincronizado – também disponível na ótima função drone, é uma excelente opção para varrer bases inteiras sem ninguém suspeitar da sua presença. Algo que por si já indica outro defeito de inteligência artificial dos inimigos já que nunca ficam alarmados ao ver os corpos de seus comparsas apodrecendo no chão.

Porém, assim como a maioria dos jogos recentes da Ubi, o gameplay em cooperativo on-line deixa a jogatina muito divertida, além de permitir planejar táticas consideravelmente mais elaboradas para uma infiltração ou assalto em uma base. Ter um mundão enorme como parque de diversões para quatro jogadores é uma jogada de mestre da Ubisoft que dá certo em Wildlands.

É bom avisar que a dificuldade do game também fica mais acentuada, oferecendo desafios apertados para os jogadores. Outro fato interessante é que se a jogatina for em dupla, nenhum bot assumirá os outros personagens, porém eles continuaram falando durante alguns diálogos criando um efeito bastante surreal.

Importante ressaltar que a Ubisoft também leva bastante a sério os termos de personalização do jogador. É possível escolher gênero, cor de pele, cicatrizes, cabelo, barba, vestes e até mesmo customizar as armas para ficar do jeito que o jogador gosta. Também há uma arvore de habilidades com upgrades nem tão incidentais para o gameplay, além dos destinados a melhorar bateria e alcance do drone. A grande maioria tem a ver com vigor, stamina, resistência a dano, entre outros elementos que farão diferença bem sutil na jogatina. O sistema de upgrade também é um tanto irritante, pois é exigido, além dos pontos de habilidade, recursos como comida, tecnologia, gasolina e medicamentos.

Tudo isso é um jeito de estender a vida útil do jogo para te sugerir as missões secundárias de resgate desses recursos. Seja assaltando comboios, colocando rastreadores em pacotes pequenos ou roubando helicópteros e aviões carregados de mercadorias.

Fluidez que vicia

Em termos de jogatina, Wildlands é sim um jogo bastante divertido, mesmo que ele te encha a paciência por sua identidade repetitiva. Basta pararmos de jogar por algum tempinho que já surge uma vontade genuína de se aventurar pela Bolívia novamente. Isso se dá por conta da pegada excelente no sistema de tiro, seja com qualquer arma.

A Ubisoft aplicou alguns efeitos de física bem interessantes como o fator do vento para tiros de sniper ou com coices diversificados de cada metralhadora. Não é nada muito complexo, mas garante peculiaridades e divertimento. Porém, deixa a desejar a fator da penetração da bala no cenário. Muitas vezes a bala não atravessava uma placa de madeira que servia de cobertura para o inimigo, além da textura turva dos vidros dificultar o tiroteio. É uma pena, pois isso certamente tornaria o gameplay de tiro praticamente perfeito e imersivo.

Impossível não comentar, também, sobre a Bolívia recriada com bastante liberdade criativa. Muito se engana quem pensa que Wildlands traz apenas um mundo gigantesco vazio e sem diversidade visual. O empenho da Ubisoft em tornar esse mapa em algo único é evidente. Entre os muitos distritos, há mudanças notáveis de terreno, clima e vegetação. Temos florestas tropicais, de coníferas, montanhas de terraços para plantação de coca, desertos de sal, pântanos, desertos montanhosos, mares de morros, regiões chuvosas, bairros paradisíacos, favelas, cemitérios, templos gigantescos, etc.

É algo absolutamente massivo e livre de telas de loading. O ciclo de dia e noite e mudanças climáticas interferem no esquema de iluminação e física do jogo: em muitas tempestades, a vegetação é agitada pela força do vento. Entretanto, mesmo com esse cuidado aos detalhes, não existem efeitos de partículas excepcionalmente bons no game. Em compensação, os modelos de colisão e texturas são os melhores desde Grand Theft Auto IV. É impressionante o quanto os carros conseguem ficar amassados aqui mesmo que não afetem de modo realista a dirigibilidade.

Em termos visuais, a Ubisoft caprichou bastante com as texturas do mundo. Wildlands é um jogo muito bonito mesmo, ainda que o antiserrilhamento deixe a desejar em alguns momentos. Já no áudio, há a preocupação até mesmo de discernir cada ambiente com ambiências diferentes. Em desertos, o barulho do vento sopra mais alto, em diferentes florestas, é possível escutar sons diferentes e assim por diante. Tirando bugs ocasionais hilários, o mundo inteiro de Wildlands é feito com capricho. Isso também se dá com os interiores dos edifícios, casas, depósitos e galpões. Mesmo que vejamos elementos similares aqui e ali, dificilmente estará disposto de modo igual. Levando em conta a magnitude desse mapa, só parabenizo quem teve a enorme paciência de levar o trabalho a sério.

Até mesmo a trilha musical colabora para essa ótima sensação de imersão que o game propicia. Surgindo com muita sutileza, consegue transformar a jogatina de reconhecimento do campo inimigo com o drone, além da abordagem stealth em algo bastante interessante, já que pega melodias inspiradas em novas trilhas de neowesterns como Sicário de Johan Johannson.

Quando um fantasma abraçou o mundo

Como devem ter percebido ao longo da análise, Ghost Recon: Wildlands está longe de ser um game terrível, mas também não chega perto de ser maravilhoso e cumprir seu potencial. Certamente é preciso muita coragem para mudar drasticamente o DNA de uma franquia tão consolidada no formato linear e com missões bem roteirizadas como Ghost Recon.

Por competência, a Ubi acertou muito ao tornar o mundo do jogo a melhor coisa que ele pode oferecer, além de toques especiais que lembram Just Cause 3 como o uso de paraquedas ao pularmos de aviões e helicópteros. O tiroteio funciona bem e consegue viciar pela jogatina, além da vontade de concluir o mapa tático. Porém, infelizmente, Wildlands sofre de algo que, para mim, é uma característica que enterra qualquer proposta: a repetitividade de gameplay, além da história rasa e fraca que te motiva bem pouco a concluir o game.

Logo, por isso, o game se torna nichado: somente quem curte jogatina coop multiplayer e mapas abertos repletos de ícones e coletáveis para explorar e finalizar. Há também o jogador que gosta da duração do jogo e posso garantir que é imensa tanto que a resenha demorou a sair justamente por este fato. De resto, fica o desejo que a Ubisoft continue nas suas empreitadas de renovar suas IPs ao apostar nesse febre open world, mas, quem sabe, seguindo o caminho inverso em algumas delas. A ideia de um jogo linear e roteirizado de Assassin’s Creed é algo que gostaria muito de ver.

Prós: tiroteio divertidíssimo, características preservadas da franquia, usabilidade do drone, possibilidade de jogar tanto em stealth quanto arcade, variedade de ambientes, armas, coop é uma adição primordial, boa trilha musical.

Contras: bugs ocasionais, história nada inspirada, enredo pouco magnético e facilmente esquecível, esquema de missões excessivamente repetitivos, personagens e dublagem razoáveis, difícil condução dos veículos.

Agradecemos pela cópia gentilmente cedida pela Ubisoft para a realização dessa análise

Ghost Recon: Wildlands (Ghost Recon: Wildlands, França – 2017)
Desenvolvedora:
Ubisoft Paris

Distribuidora: Ubisolft
Gênero: tiro em terceira pessoa, tático, ação, mundo aberto
Plataformas: PS4, Xbox One, PC

Avatar

Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Análise | Mass Effect 2