Assim como Star Wars e O Senhor dos Anéis, a saga Harry Potter marcou uma era. Uma década se passou desde “A Pedra Filosofal” e agora tudo acaba depois de oito filmes. É triste ver a cinessérie mais lucrativa da história do cinema chegar ao fim. Foi interessante observar como Rupert, Watson e Radcliffe deixaram de ser crianças e como os filmes foram amadurecendo. A série também acompanhou o fim da minha infância e agora o quase fim da minha adolescência. “A Câmara Secreta” foi o primeiro filme legendado que vi na minha vida então é impossível dizer que “Harry Potter” não foi importante para mim e, por isso, o término da sessão do último filme foi uma experiência triste. Foram 1178 minutos, aproximadamente 20 horas, de Harry Potter ao longo de 10 anos, mas vamos nos concentrar nos últimos 130 minutos desta saga que encantou vários espectadores com sua magia única e especial.
Harry Potter acabou de enterrar Dobby em uma encosta próxima ao Chalé das Conchas, mas não há tempo para lamentar. Potter, Weasley e Granger precisam invadir Gringotes com o auxílio de Grampo para destruir a quarta Horcrux que sela uma parte da alma amaldiçoada do Lorde das Trevas. Porém, o grupo terá muitos problemas para encontrar a quinta Horcrux. Ela se encontra perdida em algum lugar secreto de Hogwarts. Todavia, Harry não sabe que sua invasão desencadeará uma batalha violenta na escola, agora supervisionada por Severo Snape. Será neste evento histórico que o destino de dois mundos será definido no combate mortal entre Harry Potter e Lord Voldemort.
Uma história de gerações
Steve Kloves é um roteirista maleável, imaginativo e ousado, por isso tenho grande afeição por este profissional. A cada diretor que entrava na franquia, Kloves mudava o estilo de sua escrita respeitando as exigências de cada um. Desde o super detalhado roteiro de “A Câmara Secreta” ao resumido de “O Enigma do Príncipe”. Porém seu trabalho em “As Relíquias da Morte: Parte 1” foi exemplar. Com diálogos interessantes e seletas cenas de ação, conseguiu manter a atenção do espectador ao decorrer do filme monótono. Entretanto seu trabalho no último filme da série foi de superar qualquer expectativa. Kloves não perde tempo para situar o espectador que nunca viu algum filme de HP ou àquele que não se lembra de alguns detalhes. Portanto é uma boa dica rever algumas aventuras anteriores antes de conferir a conclusão da saga.
Este é um dos roteiros mais fiéis a história do livro. Depois de assistir ao filme, reli os capítulos correspondentes. Por incrível que pareça, Kloves foi mais atencioso em algumas passagens do livro do que a própria J.K. Rowling. As cenas que se passam na Câmara Secreta não existem na obra original e a batalha de Hogwarts não recebeu o detalhamento épico do filme. Os diálogos ficaram praticamente intocados – 85% deles foram transcritos diretamente do livro. Não há dúvida que as longas conversações e essência narrativa ficaram para o penúltimo filme. Agora o que é a força motriz do roteiro são as várias cenas de ação. Isso é evidenciado pelo resumo de várias conversas importantes como a que ocorre entre Dumbledore/Aberforth e Harry. Entretanto, graças a isso, Kloves deixa toda a história muito bem amarrada, lógica, interessante, rápida e óbvio, divertida. Infelizmente, comete algumas decisões bem duvidosas. Por exemplo, quando remove o diálogo fantástico que ocorre no livro entre Voldemort e Harry.
Surpreendentemente, esses resumos dos capítulos encaixam muito bem para o desenvolvimento do roteiro. O segmento das memórias de Snape ficou mais fluído no filme do que no livro. Existem outras diferenças originais entre as duas obras. Ele deu mais atenção para alguns dos personagens coadjuvantes como Neville e McGonagall, além de inserir reviravoltas imprevisíveis fantásticas. Kloves também é criativo ao relacionar o inédito efeito gradativo da destruição das Horcruxes entre o protagonista e o antagonista. Ele também não perde muito tempo da narrativa desenvolvendo Rony e Hermione – essa meta já atingiu seu ápice na primeira parte do filme.
As piadinhas deram lugar ao drama. Kloves assemelha a direção de Snape na escola com regime fascista absoluto. É notável perceber os dois arcos narrativos do longa. Um acompanha Harry, Rony e Hermione procurando a Horcrux em Hogwarts. Outro, que mostra o desespero do antagonista, é o brinde mais legal do filme. Com isso, Harry e Voldemort ganham uma profundidade nunca vista antes na série. O vilão passa a ficar mais complexo e amedrontador ao utilizar o eficaz terror psicológico e matar aliados com muita violência evidenciando o nervosismo do personagem. Já Harry sofre e amadurece com a morte de vários amigos. O protagonista também consegue se tornar mais verossímil quando faz uma pergunta infantil, mas extremamente delicada para seus parentes. Fora isso, o roteirista tem a oportunidade de revelar segredos obscuros da vida do garoto.
Porém, o aspecto mais interessante do roteiro são as pausas acentuadas entre as sequências de ação. São nelas que ele encontra oportunidade de responder várias questões deixadas ao longo da série. Uma que deixou muitos fãs do livro revoltados com a “Parte 1” era a ausência da dúvida de Harry a respeito da figura bondosa de Dumbledore – nesta parte, Harry chega até a odiá-lo. Kloves tem o direito a sua réplica neste filme com uma frase arrebatadora. Só existe uma questão que não é bem trabalhada no filme. O alarde sobre o patrono de Snape não é minuciosamente explicado podendo plantar dúvidas na cabeça de alguns. Quando estava relendo o livro encontrei a resposta óbvia.
O que o roteiro tem de melhor acaba sendo seu maior problema. A grande fidelidade com os capítulos escritos por J.K. Rowling não permite que o roteiro encontre outras formas de chegar ao clímax da obra. Por isso, o filme se concentra demais em Harry e Voldemort e não acompanha os outros personagens como Fred, Gina, Luna, Thomas, McGonagall, Filios, Slughorn lutando na batalha de Hogwarts. Isto foi um erro que Fran Walsh não cometeu ao adaptar “O Senhor dos Anéis” para as telonas. Em todos os intermináveis filmes desta série, o espectador não ficava concentrado apenas em Frodo, Sam e Gollum. Diversas vezes acompanhávamos Aragorn, Legolas, Gimli, Gandalf, etc. explodindo alguns orcs e elefantes no campo de batalha. Mesmo assim, os poucos erros de Kloves não comprometem o desenvolvimento brilhante do filme.
Harry Potter, The boy who lived… Come to die
Assim como em “X-Men: First Class”, o núcleo de alta qualidade nas atuações é concentrado em três atores. Neste caso, o destaque fica por conta de Daniel Radcliffe, Ralph Fiennes e Alan Rickman. Radcliffe cresceu muito artisticamente e teve oportunidade de trabalhar em peças de teatro e ajudando muito a desenvolver sua capacidade dramática. Ele está absolutamente brilhante em sua atuação. Enfim, Radcliffe conseguiu aproximar a figura mítica e distanciada de Harry com a plateia muito bem. Pela primeira vez consegui observar expressões faciais complexas que conseguem transmitir o espectador toda a tensão que o garoto vive – as caras de sofrimento e medo são espetaculares. Por falha do diretor, Radcliffe não trabalha muito bem sua expressão corporal em diversas cenas. Porém, em outras, toda a insegurança do destino trágico do personagem é relevante na expressão nervosa de seu corpo. Os olhares também são outro ponto alto de sua atuação. Procure reparar no olhar amedrontado que Radcliffe faz em diversas cenas. No clímax acontece o ápice da expressão do garoto e é nessa cena que ele prova sua força artística.
Finalmente, Ralph Fiennes provou ser a escolha certa para interpretar o icônico antagonista. Ele está soberbo encarnando seu personagem. Ao contrário de Radcliffe, Fiennes, com todos seus anos de experiência, dá um exemplo de atuação. Com o destaque proporcionado pelo roteiro, ele teve a oportunidade de construir um psicológico fantástico contando com diversos desdobramentos. Sua dicção rouca, ofídica e sibilante dá efeito a diversas frases que marcaram o filme. A gama de expressões que ator apresenta é incrivelmente vasta. Fiennes deixa bem claro que o antagonista também vive em um momento pavoroso e ameaçador. As expressões são inquietas e desesperadas e seus gestos começam a tornar-se bruscos ao decorrer do filme. Uma coisa fantástica que Fiennes realiza com maestria é a modelagem de seu olhar. No início do longa, Voldemort não tem uma expressão humana, mas a cada Horcrux destruída seu olhar fica mais comum. O ator também evidencia a falta de naturalidade do antagonista. Ele deixa claro que Voldemort só se importa com ele próprio. Isso é muito evidente no estranho abraço do vilão. Assim como Radcliffe, o ápice de sua atuação se encontra no clímax. O único ponto negativo de sua atuação é a ausência da marca registrada do personagem, os famosos gritos “NYYYYYEEEEAAAA”.
Alan Rickman mostrou um lado desconhecido do personagem pela primeira vez em uma atuação dificílima. A cena da penseira tem tanta força por causa da memória que o espectador tem da figura apática de Snape. Rickman desconstrói seu trabalho de dez anos para criar o personagem mais marcante e complexo da saga. Novamente o ar teatral fala mais alto. Nesta cena é visível a fluidez do controle de seu corpo deprimido combinado com o olhar perdido de seu rosto – são várias paixões juntas, é possível sentir o drama, a ira, o amor e a decepção de Rickman. O resultado disso é uma das partes mais emocionantes do filme. Apesar destas novidades fascinantes apresentadas pelo ator, ele ainda trabalha expressões antigas com a mesma naturalidade. O que acho mais legal deste aspecto da atuação dele é a dicção pausada de suas frases. Isso evidencia como o personagem seleciona cuidadosamente suas palavras. O melhor de tudo é que o roteiro explica a origem desta mania de Snape.
Rupert Grint e Emma Watson não apresentam muita coisa nova mantendo o padrão de qualidade dos filmes anteriores. Rupert ainda possui um timing cômico excelente e Watson consegue chorar novamente pela bilésima vez. Parece um mal deste filme, mas o ápice da expressão de praticamente todos atores ocorre no clímax. Rupert e Emma não fogem desta regra. Outra que retorna a boa forma é Maggie Smith. Sua atuação está mais energética e divertida. Finalmente a atriz deixou o pedestal e conseguiu conversar com a platéia. John Hurt é mais um atrativo que o elenco britânico grandioso tem a oferecer. Em apenas uma cena, Hurt conquista o espectador com seus traços misteriosos.
Matthew Lewis também recebe sua chance para brilhar. O garoto surpreende bastante e entrega seu melhor trabalho até agora. Elegante como sempre, Michael Gambon volta a encarnar Dumbledore. O time dos vilões também sabe impressionar. Helena Boham Carter tornou Bellatrix mais suportável graças a pequena participação. Logo no início do filme, Carter amplia sua atuação e prova sua flexibilidade ao adequar-se a diversos personagens. Entretanto, uma expressão me conquistou ao primeiro olhar. É uma pena que o plano dure pouco, mas o sorriso doentio da atriz é certamente cativante. Jason Isaacs continua a evoluir Lúcio Malfoy competentemente. O resultado de seu trabalho destacou o personagem, além de conferir um toque único e original. Tom Felton continua com a boa atuação apresentada em “O Enigma do Príncipe”.
O elenco de apoio também é muito bom. Formado por diversos atores britânicos, os coadjuvantes apresentam atuações variadas. Evanna Lynch, Helen McCrory, Ciáran Hinds, Bonnie Wright, Gary Oldman, Gemma Jones, Emma Thompson, Julie Waters, Mark Williams, Natalia Tena, Geraldine Somerville, Robbie Coltrane, David Thewlis e George Harris completam o grandioso elenco.
Lumos Maxima!
O português Eduardo Serra apresentou ao público a melhor fotografia da cinessérie em “As Relíquias da Morte – Parte1”. Mas o melhor de seu trabalho ficou para o final da saga. O cinegrafista opta por tons mortos, bucólicos, acinzentados, sóbrios e escuros. Ele retrata Hogwarts com cores tristes inferindo que a magia do local foi extinta. Sua fotografia é muito diferente da apresentada por John Seale em “A Pedra Filosofal”. No primeiro filme, Seale apresenta Hogwarts com cores amareladas fortes que transparecem a segurança que a escola oferece a Harry. Agora nenhum lugar é seguro para o protagonista. Serra deixa isso claro inserindo várias sombras nos cenários escuros.
A modelagem das sombras é outro espetáculo que evidencia a complexidade da fotografia. Em inúmeras cenas pude observar que as sombras projetadas pelos personagens eram inexistentes ou muito escondidas. Este efeito é um dos mais difíceis de realizar e Serra o recria com muita facilidade. Sua iluminação é muito delicada e minuciosa. Com o manejo sábio das luzes e das sombras nas faces dos atores, consegue reforçar o poder da atuação de cada um. Outro destaque de sua fotografia é a rapidez assustadora que ele consegue modelar a luz quando ela varia de um tom para outro.
A criatividade do cinegrafista também é posta a prova. Ele inova com diversos efeitos inteligentes de iluminação. Muitas vezes, Serra adiciona flashes de luz nas cenas. Alguns são lentos, suaves e duradouros enquanto outros são rápidos e violentos. Ele também inova com reflexos fantásticos resultando em imagens muito bonitas de se ver. Algumas vezes ele prefere usar distorções complexas e desfoques nos planos com efeitos criados pelas próprias lentes das câmeras.
Apesar do grande predomínio do cinza na fotografia do português, Serra modela outras cores ao longo do filme. O azul e a névoa são presentes em diversas cenas exteriores. Ele é proveniente do truque mais manjado do cinema e que todos cinegrafistas tem a obrigação de recriar. Trata-se da famosa “luz da Lua”. Até mesmo tons esverdeados, cor pouco explorada pelos cinegrafistas modernos, é presente no jogo de iluminação do longa. Já a névoa deixa os demais personagens do plano com uma aparência fantasmagórica. Entretanto, o mais impressionante de sua fotografia acontece quando tem a oportunidade de estourar tons brancos na tela – as sombras dos personagens também desaparecem nesta parte. A maior dificuldade de trabalhar com cores brancas é manter o padrão do tom na mudança de planos. É incrível observar como Serra mantém a mesma tonalidade do branco durante a cena inteira. Também na mesma cena, é possível distinguir leves sombras ao fundo da imagem. Assim ele consegue proporcionar profundidade e noção de perspectiva na cena.
Existem outros dois aspectos da fotografia que são interessantes de comentar. O primeiro é como o cinegrafista consegue oscilar a luz incidente na face dos personagens simulando a iluminação natural das velas ou chamas. O outro é a única cena que Serra satura as cores do filme – novamente o resultado é belo. Entretanto, há um porém em sua fotografia. O cinegrafista, na maioria das vezes, focaliza o primeiro plano deixando o fundo da imagem completamente desfocado. Até então está tudo certo, mas o filme foi convertido para o 3D estereoscópico e por isso o efeito sai pela culatra. Sem o segundo e o terceiro plano focalizado, a sensação de profundidade causada pelo efeito fica comprometida. Se o cinegrafista tivesse usado uma focalização diferente como o deep focus isso não teria acontecido. O primeiro filme da história a explorar devidamente este recurso de algumas lentes e câmeras foi o brilhante “Cidadão Kane”.
Os efeitos visuais também são um espetáculo. Eles conferem ao ambiente mágico e fantasioso do filme uma grande verossimilhança. Existem vários estúdios de animação gráfica na produção do filme e cada um dedica toda a sua atenção para criar um determinado efeito. As melhores CGs do filme são as que compõe o dragão – o melhor já feito até hoje, a estrutura do campo de força e da cobra Nagini – repare como esta reflete as luzes do cenário. Os raios que emanam das varinhas também recebem um detalhamento melhorado neste filme. Já a direção de arte consegue reproduzir fielmente toda a destruição de Hogwarts. O outro ponto alto deste aspecto técnico é a recriação da sala precisa que nunca deixa de me impressionar. Porém a maquiagem erra feio ao envelhecer os personagens que continuam com suas faces joviais – os únicos que convencem são o casal Potter.
Uma série de fatores
As músicas são a alma de toda produção cinematográfica. Quando são feitas com muita competência, conseguem se fixar em sua cabeça. O mestre de conseguir este efeito é John Williams. Suas composições fantásticas conseguem fazer com que o espectador relembre das cenas que acompanhavam as músicas. Com isso, Williams fixou várias músicas-tema na cabeça dos espectadores de inúmeros filmes sendo as mais notáveis de “Indiana Jones”, “Star Wars”, “Tubarão” e “Jurassic Park”. Ele também criou outro tema único em “Harry Potter”.
Por conflitos de agenda, Williams teve que abandonar o posto de compositor da série depois do terceiro filme. Patrick Doyle foi o segundo compositor da franquia e Nicholas Hooper foi o terceiro. Alexandre Desplat assumiu o cargo nas duas partes de “As Relíquias da Morte”e compôs uma trilha memorável e emocionante. Várias de suas composições remetem as músicas dos filmes anteriores da série. Mas isso não quer dizer que Desplat não foi criativo em sua trilha. O compositor foi muito ousado orquestrar músicas tristes e melancólicas em um filme lotado de ação – é muito comum encontrar trilhas energéticas e pulsantes em filmes deste gênero. Entretanto, sua escolha foi sábia, pois o que acontece em Hogwarts é um evento bem depressivo.
Desplat prova seu talento ao ter sucesso em conseguir deixar tambores e violinos em completa harmonia em uma das melhores composições do longa. Algumas músicas que acompanham Voldemort recebem um caimento ameaçador e instável, além de contar com um toque de suspense. E outras, que seguem a batalha de Hogwarts, soam incrivelmente épicas – é impossível não vibrar ou perder o fôlego na cena clímax do filme. Porém a música mais bela é a que acompanha a cena das memórias de Snape. A brilhante sucessão de instrumentos da orquestra emociona. No início, prevalecem suaves escalas crescentes e decrescentes da flauta que transparecem a passividade da cena, mas conforme a música progride, coros lentos de violinos revelam uma atmosfera triste casando muito bem com a cena.
É muito interessante notar que o compositor utiliza diversos instrumentos incomuns nas trilhas sonoras atuais. Ele esquenta as cordas das harpas, o metal de sininhos, flautas e trompetes, a garganta dos majestosos corais, entre vários outros. Mesmo com uma trilha fantástica, bem orquestrada e emocionante, a música de Desplat não consegue superar a força das lembranças que a música tema da série traz. Nas sessões que fui, pude escutar vários espectadores se lavarem sob suas lágrimas nostálgicas provocadas pela inesquecível trilha de John Williams.
567 minutes of David Yates
O aspecto mais original de toda a saga Harry Potter foi a mudança de diretores dos projetos. E todas as escolhas foram certas. Chris Columbus era ideal para iniciar a aventura do bruxo. Seus traços infantilizados e bobos conquistaram os pequenos espectadores. Depois veio o fantástico Alfonso Cuáron, o cara que definiu a forma que a cinessérie iria tomar. Os filmes tornaram-se mais sombrios e maduros após sua direção. Já Mike Newell garantiu um quarto filme explosivo e inquieto. E por fim, David Yates terminou o trabalho de gerações com adaptações resumidas, mas com forte apelo visual. Isso resultou em uma grande variedade nos estilos fotográficos, narrativos e musicais em cada filme.
Yates segurou suas pontas na primeira parte do filme. O diretor preferiu desenvolver lentamente os personagens com pouquíssimas, mas, recompensadoras, cenas de ação. Agora, na segunda parte, arregaça suas mangas e mostra todas as cartas que estava reservando para o aguardado grand finale da saga. O filme possui um ritmo muito bom que não permite que o espectador se distraia. Todas as explosões e pirotecnias ficaram guardadas para o final. A arquitetura das sequências agitadas é fenomenal assumindo descaradamente o posicionamento épico necessário. Além disto, Yates confere um trato dramático único a edição do longa.
Admito que não gostava muito do modo que Yates dirigia seus filmes, mas isto mudou quando eu conferi “As Relíquias da Morte – Parte 1”. E agora, gostei ainda mais do que vi. O cineasta mantém uma atmosfera de intensa tensão durante o filme inteiro. A ambientação perigosa é reforçada pelo silencio perturbador de algumas cenas. Outro ponto alto de sua direção é a maneira que ele consegue contar ótimas histórias a partir dos detalhes – a figura do dragão resume os parágrafos em que Rowling o descreve. Mais um aspecto original do diretor são os contrastes que cria constantemente. Por exemplo, o poder de destruição de feitiços delicados. Ele também é muito criativo na condução das cenas utilizando planos holandeses combinados com movimentos de câmera originalíssimos. Yates acerta ao inserir apenas um slow motion característico no filme inteiro aliada com a bela coreografia – a dimensão que a cena toma é indescritível.
Outro aspecto bem legal de sua direção é as inúmeras referências de filmes anteriores da série que Yates encaixa na composição dos cenários. É preciso estar muito atento, mas é bem gratificante reconhecer esses itens. São estátuas, criaturas mágicas, figurinos, objetos, entre várias outras coisas que o diretor coloca nos cenários. Ele até lembra a mitologia original da bruxaria ao inserir um alarme que lembra gritos de gatos. Ele também merece receber destaque pelo tratamento ideal com os atores.
Mas nem tudo é perfeito no último filme de Harry Potter. O diretor não consegue emocionar o espectador com algumas mortes que eram esperadas sendo que algumas possuem um acabamento artístico muito vagabundo, forçado e inverossímil. O que é difícil de compreender, pois ele consegue deixar as mortes de alguns personagens bem emocionantes e atuadas. Como Yates trabalhava apenas com a linguagem televisiva é comum notar vários enquadramentos em big closes. Alguns são muito bem feitos e originais, mas outros acabam prejudicando a atuação dos atores. O melhor exemplo disto é a cena do entrave final de Harry e Voldemort. Na imagem é possível notar que ambos estão de joelhos dedicando o resto de suas forças para sobreviver. E, assim, Yates perde a melhor oportunidade de transmitir a expressão corporal de Radcliffe. Felizmente, acerta ao enquadrar Fiennes no plano. Apesar de trabalhar muito com closes, o cineasta assume o gigantismo de várias imagens a fim de reforçar a abordagem épica do longa.
Tudo Termina
Tudo que é bom acaba. E depois de dez anos a lendária saga chega ao fim. “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2”é um filme excelente. Ele não chega à perfeição por meros detalhes, entretanto, conclui a história de modo encantador e satisfatório. É difícil sair decepcionado após a sessão. Porém, mesmo que muitos tenham falado que não aguentam mais filmes sobre o bruxo, é impossível não sentir um nó na garganta quando os personagens se despedem pela última vez em um emocionante fade out. A crítica ficou bem longa porque senti a obrigação de me dedicar para entregar um texto minucioso sobre o filme, afinal eles compõem parte significativa da minha própria história. Acredito que meus amigos bruxos que acompanharam episódios importantes da minha vida mereciam uma despedida a altura das alegrias que me proporcionaram. Pela última vez, o Hogwarts Express abandonou a plataforma 9 ¾. Agora ele não parte para Hogwarts, mas sim para a eternidade.