Não era a primeira vez que adentrava o Theatro Municipal de São Paulo. Era a segunda. Mas era desta segunda vez que a programação mais me excitava, atiçando outras paixões que não conheci com a abertura de cortinas vermelhas, nem com o soar de três sinais, muito menos com um grito de “Merda!”. Quando conheci o cinema, provavelmente vi a projeção da película, mas não tinha como sentí-la. Acho que tudo começou com Shark Boy and Lava Girl 3D. Pelo menos é o que minha memória consegue resgatar.
Enfim, o programa do dia era a reprise de Kubrick em concerto – 2001: Uma Odisseia no Espaço, apresentado em julho do ano passado naquele mesmo teatro – ao qual não compareci por simples falta de organização pessoal. Desta vez, em ocasião do aniversário da cidade de São Paulo, o evento era gratuito. Os ingressos vieram com lugar marcado, favorecendo àqueles que chegaram mais cedo. Quis a sorte a sorte que eu assistisse o espetáculo no primeiro andar dos balcões, bem perto do palco. Quis também o destino que esta reprise entregasse um prazer imenso, mas não completo, visto que o Coral Paulistano Mário de Andrade, indispensável para a execução da Lux Aeterna de Ligeti, não esteve presente – apenas meses atrás.
Em uma espécie de compensação (e não poderia ter pedido presente melhor), a Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, sob a regência de Roberto Minczuk, adicionou ao repertório duas obras-primas do século XX para abrir o espetáculo: as danças sinfônicas de West Side Story, de Leonard Bernstein; e o Bolero, de Maurice Ravel.
Como não sou o melhor dos frequentadores desse tipo de eventos, o que pretendo mudar logo mais, pouparei o possível leitor de comentários vazios. Não consigo ver neste texto nenhuma função além da propaganda (aproveitem, em fevereiro tem Laranja Mecânica), fundada no leigo prazer de sentir o crescendo do Bolero, da caixa clara ao tímpano, o protagonismo da bateria para West Side Story, o retumbar de Assim Falou Zaratustra sincronizado com a projeção de 2001, ou ainda o balé das naves espaciais acompanhando a valsa que emana bem na minha frente…
Chego à conclusão de que toda hora é extrema e que toda obra pode correr o risco de ser maior que um destino. Era a segunda vez que eu sentava nas poltronas do Municipal, acompanhado de outras centenas de espectadores, muitos pela primeira vez confortados pelo veludo vermelho, e durante a mágica já antevia o gozo de tantas outras apresentações. É claro, não nego minha preferência pela música erudita e sei que esse gosto não vem incluído nas “descobertas da semana” do Spotify. Mas com alguma fé vislumbro a moça que perguntou inocentemente “o que era aquela placa preta?” (o misterioso monolito) à amiga. Daí não conclui-se nada, senão que a solenidade é uma farsa. Ao menos, que tenha ficado claro a todos os presentes que o que se escuta em fones de ouvido não está nos alto-falantes, nem dentro de nossa cabeça, nem que Kubrick está num feixe de luz, em 24 quadros por segundo, nem Strauss em uma onda: está no estremecer dos nossos sentidos.