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Crítica | O Outro Lado Da Esperança – Um cinema em extinção

*Este filme foi visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Inicialmente, O Outro Lado da Esperança pode transmitir a incômoda sensação de alienação. Em uma época marcada por filmes densos e crus sobre a crise dos refugiados, assistir a algo que se debruça sobre um assunto tão delicado de maneira cômica é um possível motivo para descontentamento. No entanto, a origem desse sentimento talvez esteja inteiramente ligado a um tipo de cinema ao qual o público contemporâneo se acostumou, definido por uma abordagem sempre realista e séria sobre as questões mais relevantes da atualidade, como se determinados problemas exigissem uma roupagem artística formalmente condizente.

Na contramão disso se encontra Aki Kaurismäki, um cineasta anacrônico, daqueles cujo estilo é característico de uma período pretérito do cinema, em que diretores criavam universos claramente fictícios – caricatos ou exacerbadamente cômicos e dramáticos, por vezes – para refletir justamente as tensões de suas respectivas contemporaneidades. Eram anos diferentes, nos quais os artistas estavam cientes de que não é o conteúdo que define a forma, mas a segunda que potencializa o primeiro. Na arte, os dois sempre caminham juntos.  Dizer que um é mais importante que o outro é a mesma coisa que defender a estilização vazia ou a relevância temática desprovida de técnica.

Assim, quando o cineasta finlandês, neste seu novo longa-metragem, apresenta um universo povoado por figuras tragicômicas, fotografado com uma luz forte e contrastada, filmado através de planos fechados e ágeis e preenchido por um humor físico que traz à mente os trabalhos de Jacques Tati, ele não só está nos remetendo a um cinema que era melhor e continua a existir em razão de seus próprios filmes, como também propõe uma reflexão a partir da comédia. Não há risada que seja gerada sem passar pelo intelecto. Rir é compreender os signos que estão sendo transmitidos.

Deste modo e também com a ajuda da dramaticidade dos momentos mais comoventes (o monólogo de Khaled, personagem interpretado por Sherwan Haji, é poderosíssimo), Kaurismäki compôs uma narrativa dupla que, ao se encontrar em certo momento, colocando sob o mesmo teto o refugiado sírio e o finlandês empreendedor (Sukori Kuosmanen) emite, literal e simbolicamente, uma mensagem irresistível de conciliação e solidariedade, a qual pode ser considerada simples, mas que, à segunda vista, revela uma complexidade e riqueza recompensadoras – assim como o estilo do sujeito que a transmitiu neste lindíssimo filme.

O Outro Lado da Esperança (Toivon Tuolla Puolen, Finlândia – 2017)

Direção: Aki Kaurismäki
Roteiro: Aki Kaurismäki
Elenco: Sherwan Haji, Sukori Kuosmanen, Iikka Koivula, Nuppu Koivu, Simon Al-Bazoon
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 100 min

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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