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Análise | Assassin’s Creed Odyssey – Odisseia do Grinding

Assim que anunciaram a reformulação da saga Assassin’s Creed com Origins na E3 de 2017, estava em um nível catártico de entusiasmo. O cenário do fim do Egito Antigo era perfeito para a nova proposta de exploração, combate e narrativa, além da cultura egípcia ser bem menos familiar que diversas outras já abordadas em aventuras anteriores.

A jornada de Bayek simplesmente injetou o frescor que a franquia tanto necessitava, porém ninguém esperava uma nova iteração da saga já no ano seguinte. Depois de trinta horas de jogatina, consegui finalizar Assassin’s Creed Odyssey, um dos maiores lançamentos do ano e o maior jogo da franquia até então.

Se baseando completamente nas novas regras inauguradas em Origins e preservando a influência clara e direta de The Witcher 3, Odyssey traz novidades que mergulham o game totalmente no gênero RPG do qual flertava há anos, porém também apresenta características inéditas bastante graves para a saga como um todo.

Cortejo e Maldição dos Deuses

Pela primeira vez na saga, é possível escolher o gênero do protagonista para iniciar e concluir a narrativa do game que há anos é um dos pontos de maior destaque nesses títulos. Seja com Kassandra ou Alexios, a história será completamente a mesma, apenas com os papéis invertidos na narrativa dependendo da sua escolha.

Enquanto a novidade é sim muito bem-vinda, pois ambos personagens trazem toques de personalidade levemente distintos e serem interessantes, é uma pena que a Ubisoft, dada a estrutura da relação deles na jornada principal, tenha desperdiçado a oportunidade de criar campanhas distintas: uma acompanhando o personagem canônico (no caso, Kassandra) e a outra trazendo o outro lado da história com Alexios.

Infelizmente, isso não acontece. A história é a mesma independente da sua escolha de gênero o que torna a adição um tanto supérflua, mas bem-vinda. Assassin’s Creed Odyssey, como o próprio nome sugere, se trata de uma odisseia assim como a Odisseia de Homero. O protagonista tem uma história rica de passado trágico no qual acaba se separando da própria família. Retirado e isolado em uma ilha pobre do arquipélago grego, é adotado por um oportunista iniciando sua carreira como misthios, um caçador de recompensas.

Após anos de enrascadas, o destino bate à porta quando salvamos Barnabás, capitão do trirreme Adarasteia e conhecemos também um misterioso e rico contratante que coloca o protagonista em rota de colisão direta com seu trágico passado, forçando reencontros amargos, além de uma revelação complexa envolvendo o poderoso Deimos, guerreiro supremo de uma liga de notáveis malignos intitulados como Culto do Cosmo que pretende dominar todo o Ocidente.

Apesar da tragédia inicial ser bastante forte e interessante o suficiente para impulsionar o jogador ao longo do jogo, Assassin’s Creed Odyssey sofre bastante pelo ritmo nada ideal. Seu início é dolorosamente lento e sempre há uma mania deprimente da Ubisoft em estender a narrativa de modo artificial. Isso se dá através de uma alteração na própria mecânica do jogo.

Mesmo não parecendo, Assassin’s Creed Odyssey é outro grande game amaldiçoado pelo game design sustentado por micro-transações. Basta ir na janela de créditos Helix para notar os pacotes de recursos bastante necessários e aceleradores de experiência disponíveis. Infelizmente, por essa escolha bastante infeliz da Ubisoft, a narrativa nunca decola. Não há momentum nesse jogo, pois sempre quando temos algo interessante ou uma nova reviravolta para acontecer, o jogador encontra o obstáculo do nível.

A direção do jogo força o jogador a realizar uma porção de missões paralelas muito maiores do que em Origins para subir de nível e conseguir retornar para as quests principais. Durante várias vezes, me vi obrigado a desperdiçar horas valiosas em side quests a fim de subir até mesmo cinco níveis para alcançar o recomendado para a missão – assim como em Origins, a inteligência artificial não é desafiadora, ela simplesmente se torna impossível de combate-la quando estamos em níveis inferiores aos dos inimigos.

Logo, toda a duração para zerar o game é artificial, já que a campanha em si é sim relativamente curta, mas inchada para mais de trinta horas de jogatina ao forçar o grinding incansável no jogador. Em si, isso não seria um problema se fosse dosado, mas em Odyssey é algo surrealmente exagerado. Alguns podem levantar o argumento de que as missões secundárias são interessantes e melhor roteirizadas como realmente são, porém há um problema estrutural nisso tudo.

A escrita é apenas boa, raramente trazendo algo excepcional como víamos no jogo de inspiração com The Witcher e as missões sempre se repetem, sejam as principais ou as secundárias, o jogador será feito de cachorro nessas fetch quests realizando favores para a população grega. Pegue isso, faça aquilo, mate alguém e retorne. A variedade está restrita única e exclusivamente nas historinhas pouco marcantes. Simplesmente era melhor ter menos quests secundárias com histórias de fato muito melhores do que essa infinidade medíocre que o game transborda.

Felizmente, as que envolvem a narrativa principal são um tanto mais complexas, desdobrando-se em novas missões trazendo as consequências dos seus atos. Aliás, é importante mencionar que a árvore de diálogos é uma adição bem-vinda, mas trabalhada de modo rasteiro. Poucas vezes nossas escolhas trazem grande impacto no cenário maior do jogo – quando trazem, realmente valem a pena e geram satisfação. No geral, os diálogos que seriam normais, oferecendo a localização e detalhes do objetivo da missão, foram quebrados possibilitando essa “árvore de diálogos” medíocre que temos no jogo. É um ponto que necessita ser muito melhor trabalhado nos próximos jogos, pois isso aqui é apenas um truque preguiçoso, mas capaz de enganar bastante gente.

Retornando ao quesito da narrativa, é importante salientar que temos essa versão da Odisseia centrando os mesmos pontos como a jornada distante com desafios até mesmo mitológicos – todas as missões envolvendo criaturas fantásticas são excelentes, uma pena serem poucas – com o propósito de uma reunião familiar, mas fermentada com a boa, velha e clichê história de vingança de sempre, um vício da saga.

Enquanto temos aliados divertidos como Brásidas, Sócrates, Alcibíades, Heródoto e Barnabás, conseguindo injetar bons diálogos e momentos autênticos similares a interação de Ezio com Leonardo Da Vinci em Assassin’s Creed II, o mesmo não pode ser dito para o lado antagonista que segue mal trabalhado e pouco expressivo no game.

O Culto do Cosmo puxa influências de organizações secretas como a Ordem dos Anciões, praticamente funcionando como os Templários nessa aventura. Devido ao exagero na dose de maniqueísmo e da caricatura vilanesca dos personagens, matar os integrantes do Culto é satisfatório, apesar de narrativamente serem bastante fracos. Infelizmente, ainda falta um antagonista de peso na saga que seja tão memorável quanto os Bórgia em Brotherhood.

Para piorar esse ponto da narrativa, a conclusão da história principal pode ser sim muito feliz ou simplesmente trágica dependendo das escolhas envolvendo os parentes do protagonista. Mas de todo o modo, o clímax é fraco e apressado, atando os pontos principais de modo totalmente forçado, principalmente envolvendo Deimos e sua relação com o protagonista. Até mesmo em Origins tínhamos uma conclusão bem mais satisfatória para o tempo investido. Aqui, depois de tanto esforço, o jogador pode ficar relativamente frustrado, pois nada de único e memorável acontece na conclusão do jogo.

Aliás, por vezes, pontos inteiros da narrativa, extremamente importantes como uma epidemia em Atenas, são esquecidos sem a menor preocupação. Infelizmente, não houve muito esforço criativo para deixar essa história melhor tratada com mais atenção aos detalhes que os próprios roteiristas adoram jogar com urgência na cara do jogador.

Liberdade sem fronteiras

É um fato inegável que Odyssey se trata sumariamente da liberdade do jogador em uma escala raramente vista na saga. Apesar de termos a barreira bastante limitante dos níveis recomendados para a exploração das ilhas, o jogador pode fazer o que bem entender ao tomar posse do navio trirreme Adarasteia.

O tamanho do mapa é avassalador, permitindo a exploração naval de modo absoluto, além da exploração nas ilhas ser tão divertida quanto. Há localidades históricas, místicas e diversificadas para o jogador descobrir, além dos tradicionais fortes e acampamentos repletos de oponentes e recompensas para conquistar.

A liberdade proporcionada também oferece um sistema de “procurado” no qual, caso o jogador cometa muitas infrações, será sumariamente perseguido por outros caçadores de recompensa oferecendo desafios que podem até irritar às vezes pela frequência de surgimento – recomendo pagar as recompensas no menu do mapa para se ver livre da aporrinhação destes inimigos incansáveis.

Mudanças bem-vindas no combate diversificam os muitos confrontos que temos com NPCs. A roda de habilidades permite movimentos únicos como a quebra de escudo e o chute espartano, ambos essenciais para complementar a experiência, além da habilidade de cura que realmente equilibra os duelos contra inimigos mais poderosos. Uma pena, porém, que as animações dos combates entre os diversos tipos de armas que temos, enjoem rapidamente já que repetimos os mesmos combos por mais de trinta horas.

Infelizmente, o jogo foi pensado sim com as micro-transações em mente e isso prejudica bastante jogadores que se apegam a peças de armaduras e armas lendárias com atributos úteis. Ao contrário de Origins que bastava apenas pagar certo valor para aprimorar as peças para o nível correspondente ao do jogador, permitindo ganhos em dano e armadura, Odyssey exige um valor absurdo de recursos como dracmas, pedras preciosas e peles para aprimorarmos essas peças, incentivando o descarte de equipamentos lendários para comuns de nível superior.

É uma escolha péssima que castra as opções do jogador. Se você quer aprimorar seu equipamento favorito, terá que coletar os recursos necessários por horas em um griding insano. Ou seja, caso seu tempo seja limitado, esqueça. O jogo te obriga a gastar horas ou gastar dinheiro com pacotes de recursos nas micro-transações, uma estratégia totalmente similar a de jogos mobile.

Outra novidade mal aplicada é a opção de romance que não satisfaz ninguém. As cenas são constrangedoramente forçadas com cantadas diretas, laços não são criados e os personagens não se tornam essenciais na aventura principal. É apenas um bônus por vezes cômico que parece ter sido adicionado às pressas pela falta de profundidade. Por isso, quando essa é justamente a primeira impressão que pretendem realizar, é melhor nem adicionar.

Por outro lado, todo o resto que foi transportado de Origins para cá continua funcional e divertido de jogar, seja com a ajuda de Ikaros, a águia desse game, ou pelo combate responsivo e ainda mais rápido. Também há a adição inspirada no sistema nêmesis de Shadow of Mordor para o Culto do Cosmo com diversos personagens que só são revelados ao jogador após uma busca satisfatória por pistas.

Assim como o grosso do jogo funciona, é importante destacar que o combate naval está tão prazeroso de jogar como sempre foi desde Assassin’s Creed III, além de podermos recrutar diversos oponentes para integrar parte da tripulação. Os aprimoramentos ao navio felizmente são mais razoáveis de conquistar, tornando nosso trirreme em uma verdadeira máquina de destruição no oceano.

Aliás, Odyssey é um verdadeiro manjar para os olhos. De contraste alto e extremamente colorido, o visual do game enche os olhos com poucos elementos de fato reciclados de Origins em termos de mapa e arquitetura. Explorar a Atenas, Esparta e outras cidades históricas importantes é algo bastante prazeroso – em geral, tudo o que envolve exploração nesse jogo é bastante bem-feito com biomas diversos, adição de clima dinâmico, fauna rica, além da reformulação completa do oceano, gerando ondas e correntezas que aprimoram o realismo dessa mecânica.

O que, infelizmente, deixa a desejar, são as animações tanto de expressões faciais quanto corporais. Os protagonistas tendem a ser mais naturais, mas ocasionalmente repetem em excesso os mesmos gestos revelando certa limitação. Os modelos dos NPCs felizmente foram aprimorados em termos de textura e originalidade de design, mas sofrem do mesmo modo de outrora com a expressividade facial. A grande maioria possui “rostos cansados” apáticos.

Retornando sobre apatia, é desalentador que os produtores do game não tenham permitido que o jogador se alie a um dos lados na Guerra do Peloponeso. Podemos nos aliar a um dos lados durante as grandes batalhas da guerra, mas não há consequências disso ao decorrer do jogo. O confronto é simplesmente jogado como uma oportunidade de mostrar poderio técnico sem nem situar o jogador na situação antes. Um desperdício de oportunidade.

Inventando Problemas

Assassin’s Creed Odyssey é sim um bom jogo, não há como negar isso, mas certamente apresenta um declínio diante de seu antecessor que era um game melhor intencionado. Das novidades implementadas aqui, boa parte delas acabam desperdiçadas por serem bastante superficiais, passando longe do que um RPG melhor pensado traria ao jogador. Se esse é o caminho que a Ubisoft quer escolher, é preciso dedicar muito mais esforço e dedicação do que vimos aqui.

Odyssey facilmente seria um game excepcional não fosse o grinding descarado e forçado que aplica ao jogador somente para concluir a história principal. A exigência cada vez mais absurda de experiência para passar de nível, aliada a quests secundárias de estrutura repetitiva tornam o game maçante pelo ritmo nada agradável. A questão do grind é tão descarada que até mesmo a microtransação de acelerar a progressão de níveis se chama “poupador de tempo”.

A escolha por essa mecânica já estava presente sim em Origins, mas lá o jogador tinha que dedicar muito menos tempo para alcançar os níveis necessários das missões principais, não prejudicando o ritmo do game que também tinha mais noção da exigência de níveis para seguir a narrativa. Antes o griding era opcional e agora se tornou obrigatório.

Entre diversas qualidades que o game apresenta, esse defeito surreal consegue eclipsar muitos dos méritos de Odyssey. Além de trazer boas novidades, o game inventa esse novo problema que a indústria parecia ter superado depois de tantas polêmicas geradas por essa estratégia no ano passado.

Em todo o caso, Odyssey é um jogo que merece sim sua atenção. Em geral, é uma aventura divertida com uma história mediana, mas de exploração fascinante além de flertar mais com a fantasia trazendo missões opcionais bastante interessantes. Porém, apenas tenha em mente que você terá que dedicar muito, mas muito tempo para conseguir fechar o principal do jogo. Com um pouco de paciência, esse novo Assassin’s Creed mostra seu potencial, mas é um fato, novamente, que a saga precisa de um descanso.

Pontos Positivos: Exploração divertida, combate rápido, gráficos espetaculares, mapa gigantesco e repleto de coisas a fazer, entrada definitiva ao gênero RPG, criaturas mitológicas, combate naval, novas habilidades de combate, design sonoro ótimo, física e clima dinâmico aprimorados.

Pontos Negativos: grinding obrigatório para finalizar missão principal, ritmo irregular, expressões faciais datadas, mecânica sustentada por microtransações, quests repetitivas, romances caricatos e irrelevantes, árvore de diálogos bastante superficial, furos gritantes na narrativa, duração absurda artificializada.

Assassin’s Creed Odyssey (Canadá – 2018)

Produtora: Ubisoft Quebéc
Estúdio: Ubisoft
Gênero: RPG em terceira pessoa, ação, aventura
Plataforma: PS4, Xbox One e PC

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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