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Análise | Far Cry 5 – Apocalipse no Paraíso

A Ubisoft experimentou diversas doses generosas de sucesso com a franquia Far Cry, apesar das mecânicas muito turbulentas que desenvolvedora aplicou em Far Cry 2, o primeiro game principal da franquia assumido pelo estúdio. O ápice, até então, logo se deu com o fantástico Far Cry 3 que simplesmente se tornou um clássico instantâneo valendo a jogatina até mesmo nos dias de hoje.

Em um contexto maior, é bem claro que estamos acompanhando um novo alvorecer para a Ubisoft que enfrento diversas polêmicas envolvendo downgrades gráficos entre outros elementos desfavoráveis. É justo apontar que essa retomada digna já ocorreu com outros dois ótimos jogos: Watch Dogs 2 e, principalmente, com Assassin’s Creed Origins. Agora, neste primeiro lançamento para 2018, é possível afirmar com bastante segurança que temos mais uma ótima evidência dessa boa fase da publisher: Far Cry 5.

Fugindo da Insanidade

Segundo o vilão mais famoso da franquia, Vaas Montenegro, em um ditado muito conhecido, diz que a “insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente na esperança de resultados diferentes”. Certamente isso estava acontecendo com os outros jogos Far Cry, apesar da mudança de cenário e adição de algumas novas mecânicas. No fundo, simplesmente era o mesmíssimo jogo que conquistou muita gente.

Isso, felizmente, é passado. Bom, em grande parte. Far Cry 5 é um grande experimento de novas apostas da Ubisoft para a franquia. As mudanças são impossíveis de ignorar, pois mexem com mecânicas até então consideradas básicas. Por exemplo, não existe mais um sistema de níveis que oferecem pontos de progressão para comprar novas habilidades.

Agora, as habilidades são compradas através de perks disponibilizados pela conclusão de desafios bastante simples e relativamente fáceis que o jogador pode se dedicar imediatamente no começo do game para adquirir upgrades de vida e na bolsa de itens. Aliás, isso leva a perda significativa da ênfase envelhecida da caça. Como os upgrades de mochila, entre outros, estão ligados à árvore de habilidades, a mecânica praticamente foi limada do jogo, apesar de haver bastante vida selvagem em Hope County.

A caça tem o intuito de enriquecer financeiramente seu personagem que, pela primeira vez, pode ser masculino ou feminino – há até mesmo um simples menu de customização para o protagonista. A questão monetária em Far Cry 5 é realmente importante, pois as missões geralmente não vão te oferecer alguns trocados – apenas as missões secundárias ainda bastante genéricas baseadas em quests de eliminação ou coleta. E como há uma tonelada de veículos e armas para comprar, certamente a caça é uma boa opção para vender as peles e enriquecer com certa rapidez para aprimorar seus equipamentos em lojas especializadas.

Também é bastante fácil ficar perdido no começo do game – isso, por si, já é incrível. Todo o game design usa pitadas de inspiração de Skyrim e Zelda: Breath of the Wild em não segurar a mão do jogador. Isso ocorre por características simples, mas que podem ser estranhas para os jogadores mais habituados a franquia. A experiência geral de Far Cry 5 é basicamente não-linear, ou seja, não é preciso seguir caminhos pré-estabelecidos durante a campanha principal, pois todo o mapa de Hope County está liberado desde o começo permitindo que você inicie sua jornada do modo que quiser.

O mapa é ligeiramente menor que outras iterações da franquia como Far Cry 4, mas certamente é muito mais denso repleto de atividades e pontos de interesse que despertam a atenção do jogador. Aqui, a área é segmentada em três enormes porções, cada qual com um chefe diferente ligado a família Seed, a antagonista do jogo – logo iremos discutir a polêmica narrativa adiante. Para concluir os pontos principais da campanha, temos uma estrutura similar a vista em Ghost Recon Wildlands na qual é preciso reunir diversos pontos de resistência (oferecidos na conclusão de missões ou intervenções randômicas no mapa) para forçar o chefe de cada área a te enfrentar em combate direto.

O mais curioso é que conforme o jogador progride ao se aproximar do duelo contra o chefe, mais lotado de inimigos o mapa se torna – algo bastante lógico. Isso colabora para uma curva de dificuldade mais acentuada que convida o jogador a explorar toda a abordagem stealth refinada do game. Também, em cada área, temos três pontos de interesse revelados permitindo o conhecimento das missões que vão oferecer os companheiros que podem te auxiliar na jornada assim como em Metal Gear Solid V. Cada um possui habilidades distintas, porém é um pouco triste que a relação do protagonista com estes colegas nunca avance além do básico.

A forma que a Ubisoft também pensou o HUD é minimalista, sem informações pipocando para todos os lados, além da ausência completa do mini mapa: temos apenas a bússola na parte superior da tela para guiar o jogador até o objetivo. Isso, de fato, traz um impacto derradeiro na experiência da jogatina, afinal, para descobrir pontos de interesse e novas missões principais, o game nos incentiva a explorar todo o terreno jogável a fim de liberar a névoa que cobre o mapa principal. Ou seja, as antigas torres de rádio que tínhamos de ativar nos outros jogos finalmente foram superadas. A exploração é realmente o que comanda Far Cry 5.

Basicamente, essas são as novidades de mecânica mais importantes do jogo que conseguem oferecer um amplo significado de progresso e evolução finalmente fugindo um pouco da fórmula que os jogos anteriores estavam apostando de modo exaustivo.

A Semente Maldita

Desde Far cry 3, as narrativas destes jogos se tornaram um ponto decisivo para o sucesso comercial dos mesmos, afinal tivemos a criação de um dos antagonistas mais interessantes dos games, apesar de muito mal aproveitado. Ao decorrer das outras iterações, ficou nítido o esforço da Ubisoft em tentar replicar o sucesso de Vaas Montenegro. Ainda que algumas criações fossem interessantes, simplesmente faltava aquele “tchan” especial que tornou o pirata psicótico em algo único.

Essa corrida atrás do “prejuízo” nos levou até os antagonistas desse quinto jogo principal: a família Seed. A abordagem sobre os vilões certamente virou um jogo de marketing eficiente, afinal poucos gamers desconhecem a tal polêmica envolvendo o uso do cristianismo em leituras extremas e apocalípticas. Enfim, no game encarnamos o clássico clichê do Novato, ou Rookie. Ou seja, um personagem sem nome e, para piorar, completamente mudo – algo sem precedentes para os games principais da franquia.

Fazendo parte de um pequeno esquadrão, o protagonista vai até Hope County, já totalmente sitiada pela seita de Joseph Seed e seus irmãos e irmã: John, Jacob e Faith. Expedindo o mandado de prisão e capturando o religioso lunático, Novato e sua equipe acabam caindo em uma enorme cilada que os deixa totalmente presos em Hope County e também sem qualquer comunicação com o mundo exterior. Fugindo por pouco, o agente terá que enfrentar e desmantelar toda a família Seed para libertar Hope County, além de resgatar seus três colegas policiais que foram capturados pelos fanáticos.

Em primeiro momento, sim, a história é basicamente idêntica a estrutura da narrativa de Far Cry 3 e o pior de tudo é que ela não chega realmente a brilhar a ponto de justificar todo o esforço intenso do jogador em liberar toda Hope County, além de contar com um dos finais mais decepcionantes de toda a franquia – independente da escolha que você fizer.

A deficiência inicial obviamente é por conta do protagonista não dizer uma única palavra, um conceito de personagem já bastante abandonado e que me surpreendeu muito negativamente em rever aqui. A amarga impressão que fica foi a preguiça extrema de criar diálogos mais elaborados para explorar a fundo esses personagens coadjuvantes e também dos vilões que rapidamente se tornam repetitivos por mais loucos que sejam.

Erroneamente, os roteiristas pensam que quanto mais violento e insano, melhor, mas certamente esse não é o caso para fazer um vilão interessante, já que na maioria do jogo Joseph Seed, o pai, é um vilão passivo e não age nunca contra o jogador, mesmo que ele mate toda a sua família. Infelizmente, uma estrutura narrativa é utilizada nas três porções de Hope County.

Enquanto tudo é novidade, a narrativa de Far Cry 5 realmente funciona. Independente do chefe que escolher, certamente terá uma boa experiência ao aceitar as estranhíssimas interrupções a cada etapa do progresso ser conquista. Ali, inevitavelmente, o protagonista será capturado pelo vilão e trazido para seu covil a fim de desenvolver o ponto de vista dos estranhos personagens através extensos monólogos que flertam com os temas religiosos cristãos do jogo: fé, pecado, violência, utopia, etc.

O problema é que não há muito interesse no modo que as ideias são expostas já que os personagens frequentemente sentam, te encaram e passam tagarelar incansavelmente e como o assunto da religião é tratado com extrema superficialidade e clichês apocalípticos, é muito fácil perder o interesse. Isso se torna mais evidente nos outros encontros que o protagonista possui com os vilões que simplesmente repetem o mesmíssimo discurso de outrora, com apenas variações mínimas. Isso seria resolvido se nosso protagonista não fosse um amorfo completo e contestasse os monólogos insuportáveis dos antagonistas.

Ironicamente, é justo Joseph Seed, o antagonista principal, o mais desinteressante e menos criativo já que não há realmente nada que o destaque diante de seus irmãos que possuem pontos narrativos principais como o pecado, violência e drogas. Nesse leque muito pobre, apenas é seguro afirmar que jovem Faith traz algo mais sólido para a experiência, pois envolve diretamente seus companheiros em um uso um pouco melhor elaborado – apesar de ser basicamente a mesma coisa vista com Jacob Seed, incluindo uma reviravolta principal.

De coadjuvantes, esse é facilmente um dos piores elementos de Far Cry 5 já que o sentimento de companheirismo é bem restrito e superficial, afinal não há trocas com o protagonista sempre calado. Eles ordenam e nós fazemos. Até mesmo o uso de um padre católico rebelde acaba desperdiçado, pois o jogo não se aventura a explorar melhor seu personagem para trazer à tona o quão caricatos e estúpidos os antagonistas são em sua interpretação deturpada do cristianismo.

Sobre outro ponto muito debatido, os roteiristas não levam muito à sério as críticas que o jogo propõe ao governo do partido republicano. Apenas apontamentos genéricos que não ferem a ideologia de qualquer jogador. Há também uma variedade respeitosa para os personagens que encontramos na jornada desde caipiras bêbados nacionalistas até simples mulheres que desejam tocar seu comércio local de volta para a normalidade. É tudo realmente muito superficial, pouco inspirado ou até mesmo vazio para ser levado a sério.

Condado das Esperanças

A Ubisoft elevou o patamar gráfico de seus jogos com o estonteante Assassin’s Creed Origins, mas eu simplesmente não esperava encontrar algo igualmente belo ou até mesmo superior em Far Cry 5. O jogo é simplesmente impecável visualmente com texturas riquíssimas para a vegetação, cidades ou outros cenários que você deseje se aventurar. Até mesmo o detalhe interno dos veículos é feito com bastante cuidado.

Se tornando um verdadeiro manjar para os olhos contando com um trabalho excepcional de iluminação, efeitos volumétricos e de saturação das cores, há muito pouco, visualmente, que o game deixa a desejar. Os modelos dos personagens não acompanham o fotorrealismo absurdo, além das animações de alguns deixarem a desejar, fora a falta de uma variedade satisfatórias de skins para os “edenetes” que eliminados aos montes. Por incrível que pareça, a inteligência artificial tanto dos inimigos quanto para os companheiros é relativamente satisfatória – só não experimente colocar um companheiro para dirigir até o destino de uma missão que é garantia de estresse.

O mapa geral de Hope County é bastante diverso, afinal estamos em um vale quase paradisíaco de muitos rios, fazendas, cidadezinhas, bares, florestas de coníferas e plantações douradas de trigo e milho. Para os fissurados pela exploração vertical, apesar de menos intensa, ainda é presente com as escaladas nas montanhas que guardam segredos valiosos de tesouros escondidos que você não deve menosprezar de forma alguma.

Em termos de jogabilidade, Far Cry nunca foi tão prazeroso de jogar. Aqui temos o super soldado de sempre, mas obediente como nunca para atirar, correr e realizar outras ações ágeis mantendo o jogo em uma alta dose de adrenalina. As armas respondem bem e possuem diferenças significativas no uso estratégico de cada uma para as abordagens distintas que o jogador pode utilizar ao decidir invadir um campo repleto de inimigos.

A resposta rápida aos comandos também se faz valer para os veículos que, para novatos, pode levar certo tempo para acostumar, mas assim que dominamos os controles dos aviões, helicópteros, carros, caminhões e barcos, a exploração se torna ainda mais prazerosa. Com missões diversificadas para evitar a fadiga rápida, temos uma seleção de atividades realmente generosa e bastante divertida para tornar toda Hope County em um lugar vivo, apesar do estado de sítio que o local vive.

Entre atividades secundárias, há um novo sistema de pesca com desafios próprios bastante interessante, além das proezas míticas de Clutch Nixon, um típico herói caipira americano, que realizou os desafios mais estúpidos e radicais dos Estados Unidos que só podem ser superados justamente pelo jogador. Entretanto, a maior adição que vai te manter ocupado por um bom tempo é novo modo Far Cry Arcade que pode ser jogado tanto em single player quanto em multi player on-line.

De modo curto e grosso, este é um sistema de criação de mapas a la Super Mario Maker que permite a criação de níveis riquíssimos pelas possibilidades vastas oferecidas pelo editor de mapas que a Ubisoft desenvolveu. É algo absolutamente insano que tem potencial de ser melhor do que o próprio jogo que apresentou o recurso. O sucesso foi tanto que a comunidade já conseguiu realizar réplicas de fases de outros jogos dentro do editor. É algo realmente muito divertido que permite também o avanço das habilidades do próprio protagonista para a campanha solo.

Os únicos problemas técnicos evidentes no game estão centrados em bugs ocasionais totalmente inexplicáveis, além de alguns travamentos estranhos que presenciei raramente ao longo da enorme jogatina. Também é um pouco decepcionante perceber que há sim uma ótima trilha musical original para o jogo que raramente surge nos longos períodos de silêncio que enfrentamos ao explorar o mapa.

Ainda que eu Ande pelo vale da sombra e da morte

Far Cry 5 é a personificação do andar sobre o vale da sombra e da morte devido seu tom religioso totalmente desperdiçado em uma das histórias mais fracas que a franquia já conheceu até então. Porém, é preciso apontar que a jogabilidade, os gráficos e a direção de arte do jogo são absolutamente fantásticos. A Ubisoft apostou suas fichas na evolução das mecânicas clássicas de uma de suas franquias mais consagradas e isso certamente chamou muito bem nossa atenção.

Esses esforços realmente são valiosos e merecem ser parabenizados por trazer frescor e um nível de liberdade jamais experimentado na franquia. Porém, pela dose repetitiva do enredo e da estrutura geral do progresso do jogo, claramente existem problemas no paraíso que não serão corrigidos de modo algum. A duração consideravelmente longa também não contribui para disfarçar esse esgotamento de jogabilidade que o jogador pode ou não experimentar. O que era para ser fluído, é concreto e esquematizado, removendo a organicidade tão bem impregnada no primeiro ato do game.

Acertando no mais difícil e errando no que deveria ser o cômodo, Far Cry 5 é uma experiência digna para qualquer fã da franquia, mas imperfeita.

Agradecemos a Ubisoft pela cópia especialmente cedida para avaliação

Pontos positivos: muito conteúdo que valoriza seu dinheiro, jogabilidade impecável, gráficos estonteantes, renovação corajosa de mecânicas consagradas e funcionais, grau de exploração e liberdade excelente, adição dos companheiros ajudantes, mapa rico e variado

Pontos negativos: protagonista mudo, personagens inexpressivos, vilões superficiais e repetitivos, estrutura repetitiva e pouco inspirada dos atos, conclusão narrativa nada gratificante, bugs ocasionais

Far Cry 5 (Idem – 2018)

Desenvolvedora: Ubisoft
Plataformas: PC, PS4, Xbox One
Gênero: RPG e Shooter em Primeira Pessoa

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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