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Análise | Shadow of the Tomb Raider – O Eclipse de Lara Croft

A Square Enix em conjunto com a Crystal Dynamics tentou revitalizar completamente a famosa franquia Tomb Raider. Amargando com jogos medíocres de orçamento medianos, Lara Croft praticamente se tornou uma sombra do que era antes com jogos inesquecíveis durante a vida do PS1. Sendo uma das personagens mais queridas dos games, foi uma decisão acertada oferecer o reboot lançado em 2013 que pegou muita gente de surpresa.

Com uma boa narrativa, uma Lara totalmente diferente, gameplay que beirava a perfeição e gráficos que traziam todo o potencial da geração passada de consoles, Tomb Raider se tornou um clássico instantâneo, misturando combate e plataforma de modo sublime. A parceria com a Crystal Dynamics ainda rendeu uma sequência fenomenal em 2015 com Rise of the Tomb Raider, apesar da estratégia muito atrapalhada em apostar na exclusividade temporária do console com menos unidades vendidas no mercado.

Estranhamente, agora a terceira aventura dessa trilogia, Shadow of the Tomb Raider, não conta mais com o trabalho da Crystal Dynamics, mas sim da Eidos Interactive, uma outra desenvolvedora da Square Enix. Para o bem ou para o mal, todos os efeitos dessa mudança são sentidos e com certeza vão dividir as opiniões dos fãs da franquia.

Apocalipse Narrativo

A narrativa de Shadow of the Tomb Raider certamente é uma das mais interessantes da franquia, pelo menos no início. Lara Croft e seu fiel companheiro Jonah continuam sua jornada contra a Trindade, organização maléfica que quer conquistar artefatos místicos para dominar o mundo. Nessa aventura, Lara e Jonah estão atrás de um artefato maia no México. Conseguindo encontrar a primeira parte de um objeto muito poderoso, Lara acaba roubando o artefato de seu local sagrado, iniciando o Apocalipse no mundo inteiro – ou pelo menos nos países nos quais visitamos.

Sofrendo as consequências de sua escolha impensada, Lara agora corre contra a Trindade para encontrar o segundo objeto necessário para conseguir trazer o mundo de volta para a normalidade. Nisso, ela viaja com Jonah para o Peru a fim de encontrar onde o artefato pode estar, mas dessa vez escondido em uma cidade inca totalmente desconhecida: Paititi.

Apesar do início muito promissor, há diversos pequenos problemas durante a narrativa razoável de Shadow of the Tomb Raider. Primeiro que novamente temos o arco de Lara finalmente se tornar a exploradora destemida e combatente letal que vimos em jogos anteriores da franquia. O problema é que isso já foi feito duas vezes antes em cada game anterior desse reboot. Muito embora dessa vez pareça ser algo mais definitivo e certamente melhor dirigido, afinal o momento no qual ela se torna uma assassina impiedosa é um dos pontos altos do jogo.

A narrativa do game é afetada diretamente pelas escolhas da direção do jogo. Como muitos já devem ter lido antes, o grande foco agora é a exploração e os quebra-cabeças, deixando os segmentos de combate totalmente esnobados em termos de quantidade – acredite, os tiroteios são pífios se comparados aos outros dois jogos.

Com isso, através de enormes sessões de exploração de tumbas e matas densas da floresta amazônica, a narrativa é cadenciada lentamente se tornando monótona em diversos momentos. Em geral, a experiência do game dura em torno de doze horas, assim como os outros. Nisso, rapidamente a narrativa começa a entrar em um ciclo vicioso infernal de reviravoltas óbvias que somente mostram Lara sendo derrotada seja pelo destino ou pelos próprios oponentes que convenientemente têm uma ligação importante com a cidade oculta de Paititi.

Embora haja maior atenção com o arco da personagem chegando até mesmo a incluir uma seção fabulosa de flashback nos melhores moldes de Uncharted 4, Lara é extremamente antipática e irritante. Apesar da atriz Camilla Luddington já ter provado antes que consegue conferir emoção e carisma para a personagem, aqui sua performance é levada para uma direção indesejada com Lara sempre se comportando chorosamente, como se tudo fosse uma penúria.

Nessa pretensão absurda do game ao trazer uma história “sombria”, Lara se torna uma protagonista desgostosa e desconfortável para jogar, já que não existe qualquer empatia com ela nessa jornada. Além da performance chorosa e birrenta de Luddington, a maior culpa recai totalmente no time de roteiristas que não conseguem completar um bendito arco de modo eficaz para a personagem e sua relação incômoda com os coadjuvantes.

O fato de Lara ter desencadeado o Apocalipse e ter dizimado incontáveis vidas através de desastres naturais nunca é discutido ou mensurado pela personagem. Ela apenas observa com terror os eventos que desencadeou, mas nunca se sente responsabilizada por eles. Isso ocorre na maioria das vezes. No momento mais bizarro da aventura, Lara chora copiosamente por pensar que havia perdido Jonah, mas quando o encontra, não esboça grande alegria e não dá um abraço no amigo. É simplesmente bizarro.

Os animadores insistem em conferir expressões sisudas e apáticas para a personagem que nunca sorri nem nos raros momentos de descontração que a narrativa oferece. Até mesmo durante a conclusão do game, pouco é relativamente explicado sobre o poder real dos artefatos que movem a história inteira, além de melhor delineamento sobre as forças sobrenaturais que enfrentam Lara em certos momentos.

O mesmo ocorre com a Trindade. Nesse capítulo, temos a batalha final de Lara contra a organização maléfica poderosa, mas tudo ocorre de modo abrandado, sempre caminhando na margem de segurança. Os vilões são parcamente trabalhados, incluindo na conexão importantes que eles possuem com a vida de Lara Croft. Até mesmo em momentos de ápice narrativo nos quais temos os confrontos contra os personagens antagonistas principais, a história não empolga e mal permite a criação de uma batalha contra um chefe final desafiador. Faltou inspiração nesse game.

No geral, o saldo é muito negativo na história pelo completo subdesenvolvimento da mesma, além de jogar conveniências narrativas absurdas para manter a história andando. Apenas a questão do sofrimento de Lara pela morte de seus pais que realmente é trabalhado com melhor afinco concluindo ao menos um bendito arco. Porém, quando temos um momento ideal para isso ser trabalhado em uma catarse com um diálogo entre ela e um dos coadjuvantes líderes de Paititi, a oportunidade é completamente perdida. Surreal.

Embora não faça parte da narrativa, também há uma opção estranhíssima no menu do jogo que permite trazer “dublagem realista” para os NPCs que passam a falar nos idiomas condizentes às localidades: espanhol e o dialeto de Paititi. Porém, estranhamente, Lara não conversa com esses personagens em seus idiomas nativos. Logo temos situações hilárias nas quais Lara fala em inglês com garotinhos indígenas ou peruanos que, obviamente, entendem tudo o que a britânica fala.

Apesar de ser uma iniciativa louvável, o tiro sai completamente pela culatra pela quebra de imersão. Por isso, é melhor não selecionar essa opção curiosa, já que é mais fácil aceitar que indígenas que nunca tiveram contato com a civilização externa saibam falar inglês perfeitamente.

Reciclando em excesso

Não se mexe em time que está ganhando, correto? Embora eu concorde em grande parte com essa afirmação, é inegável que a Eidos Montréal exagerou na dose. Há muita coisa transportada até mesmo do primeiro jogo aqui em Shadow of the Tomb Raider. Todas as animações envolvendo a animação de Lara na jogabilidade são idênticas ao dos outros jogos, inclusive a horrorosa animação de esquiva de Tomb Raider.

Ao menos, temos a manutenção da mecânica de tiro que sempre foi e ainda é excelente. Uma pena que esses estágios foram reduzidos ao máximo não permitindo que o jogador explore devidamente as possibilidades da nova característica de Lara poder se cobrir com lama para se camuflar no meio da selva ao melhor estilo de Dutch em Predador.

Nos segmentos de plataforma, o esquema de controles é design é preservado. Uma escolha muito acertada que consegue divertir o jogador pelas sessões inspiradas, principalmente quando temos as setpieces intensas no jogo também muito inspiradas em Uncharted 4. A exploração aqui é encorajada ao máximo para que o jogador encontre tesouros perdidos, encontre segredos e as benditas tumbas. Curiosamente, o jogo falha completamente a apresentar uma tumba sequer para o jogador solucionar. Tudo é deixado nas suas mãos para encontra-las no meio das matas.

Pior ainda é que diversas delas estão bloqueadas por itens ou habilidades que com certeza você não terá no primeiro momento que as encontrar, forçando a usar o sistema de viagem rápida do game –sim, ainda são nas fogueiras.

Aliás, é importante mencionar que tanto a árvore de habilidades e os upgrades nas armas são praticamente inúteis porque não possuem impacto significativo no gameplay, além de que raramente o jogador atirará em alguém no decorrer do game. A única habilidade realmente importante é a de aprimorar o tempo que Lara consegue segurar sua respiração debaixo d’água.

Isso ocorre porque diversos segmentos do game acontecem com exploração em passagens submersas – nelas, há bolsões de ar para recuperar o fôlego da personagem. Muito bem feitas, essas passagens de exploração subaquática mostram potencial, mas geralmente não há maior uso além de atravessar passagens obstruídas ou se esconder de piranhas. São segmentos repetitivos que só não incomodam pela boa jogabilidade e também pela qualidade gráfica do game que impressiona pela riqueza de detalhes.

No fim, em termos de jogabilidade, temos essas novidades não muito expressivas, mas são boas adições na franquia. O resto, infelizmente ou felizmente, permanece intocado.

Biodiversidade Letal

Situado em grande parte na floresta amazônica peruana, Shadow of the Tomb Raider tem um dos cenários mais desafiadores para ser criado e transposto digitalmente. É preciso reconhecer que o game é estupendo na concepção dos cenários e fidelidade gráfica. O resultado é de fazer cair o queixo, pois realmente nos sentimentos dentro da mata selvagem bastante densa repleta de sons e criaturas que te espreitam.

Tudo é criado de modo a evitar a repetição visual, pois sempre temos algo bonito para admirar até mesmo durante a noite. O jogo é bastante escuro justamente por conta de estarmos debaixo das sombras das copas das árvores que são permeadas por alguns feixes de luz que encontram o solo. É realmente sublime, além de toda a atenção com as espécies de aves, anfíbios e mamíferos que os programadores inseriram no jogo.

É possível caçá-los, mas o propósito é perdido já que as habilidades de novos trajes não são necessárias para aprimorar as mecânicas de combate já limitadas a poucos encontros. Apesar de ser um game linear, a Eidos se esforçou para criar grandes áreas de interatividade nas quais Lara pode explorar e conhecer alguns NPCs que podem até mesmo oferecer quests secundárias, apesar da grande maioria se pouco inspirada e repetitiva se resumindo a missões de coleta ou extermínio – recomendo focar apenas nas tumbas e na história principal.

Aliás, enquanto temos um verdadeiro espetáculo para os modelos digitais de Lara e Jonah – é possível até mesmo observar a garganta da heroína se mexendo violentamente para recuperar o fôlego, os personagens secundários, NPCs e inimigos não recebem o mesmo cuidado, portando animações repetitivas, texturas de qualidade significativamente menor e designs pouco variados – com exceção aos indígenas que são sim muito diversificados com tatuagens e ornamentos diferentes.

Aliás, também é preciso mencionar que o trabalho sonoro foi muito aprimorado. Finalmente as armas soam como armas durante os tiroteios, além da trilha musical ser muito eficiente e impactante injetando a emoção necessária para as cutscenes nem tão inspiradas repletas dos problemas de interpretação e texto já mencionados.

Um Final Silencioso

Shadow of the Tomb Raider é um jogo estranho. Apesar de longo, não senti que recebi o investimento de volta ao fim da história que não sabe muito bem onde irá trilhar para o futuro dessa franquia. Ao contrário da estrutura clássica de trilogias, o final desse reboot é bastante silencioso e até mesmo pouco inspirado para trazer um arco de desenvolvimento pleno para Lara Croft.

Com míseras adições novas, cortando segmentos importantes de ação para dar mais ênfase na exploração e quebras-cabeças que são sim muito bem realizados e interessantes – principalmente no segmento durante uma antiga biblioteca, o game sofre para justificar sua existência lógica como o capítulo final de uma enorme jornada.

Ainda assim, é muito bem possível que o jogador encontre divertimento no game que realmente apresenta segmentos espetaculares, mas muito prejudicados pelo ritmo sonolento da experiência. Apenas tenha em mente que jogará um game com ambientação fantástica focado em exploração e puzzles, mas de narrativa medíocre, com uma protagonista bastante apática e de ritmo módico.

É Tomb Raider como nunca visto antes, mas isso não necessariamente é muito promissor.

Pontos positivos: ambientação visual e sonora, preservação do gameplay responsivo dos jogos anteriores, exploração de cidades e vilas, tumbas com desafios muito inteligentes e inspirados, ótima trilha musical, raros momentos inspirados na narrativa, adição de novas mecânicas como a camuflagem e segmentos debaixo d’água.

Pontos negativos: narrativa fraca, preguiçosa e de pouco impacto para fechar a trilogia, desperdício de potencial de desenvolvimento para Lara, protagonista apática, missões secundárias pouco inspiradas, inutilidade completa de árvore de habilidades e aprimoramento de armas, bugs e travamentos na versão de PC, pouca variedade de inimigos, reciclagem excessiva de animações dos jogos anteriores.

Shadow of the Tomb Raider (Idem, Canadá, Reino Unido, EUA, Holanda – 2018)

Desenvolvedora: Eidos Montréal, Crystal Dynamics
Estúdio: Square Enix
Gênero: Aventura, Plataforma, Ação
Plataformas: PS4, Xbox One, PC

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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