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Crítica | Fargo – 03×10: Somebody to Love (Season Finale)

Spoilers!

Acabou. A terceira temporada da magistral série de Noah Hawley chegou a seu desfecho na noite passada, sendo não somente o fim das histórias de Gloria Burgle, Emmit Stussy e V.M.Varga, mas também perigando de ser o último episódio que Fargo pode ter em sua existência, visto que uma quarta temporada só acontecerá caso Hawley tenha uma ideia boa o bastante para produzir. Com isso, Somebody to Love tinha uma sombra grande e muitas expectativas para cumprir, mas felizmente o episódio final faz jus a essa incrível série, e também a essa maravilhosa temporada.

Começamos com ramificações do episódio anterior, com o agente da Receita Federal (Hamish Linklater) analisando os documentos de Varga (David Thewlis) deixados por Nikki Swango (Mary Elizabeth Winstead) e o Sr. Wrench (Russell Harvard), e também entrando em contato com Gloria Burgle (Carrie Coon) para que juntos possam finalmente desenrolar o mistério em torno do misterioso sujeito. Paralelamente, Swango e Wrench armam sua própria emboscada para Varga, o que possibilita uma pequena chance de liberdade para Emmit Stussy (Ewan McGregor).

Um episódio que consistiu de pequenos blocos de acontecimentos, rendendo um ritmo mais agitado e enfim oferecendo as consequências sangrentas e irônicas pela qual a série e o filme dos irmãos Coen são tão famosos. A começar pela fabulosa sequência em que Varga e seus capangas vão de encontro com Swango, onde uma ausência quase predominante de diálogos dita o rumo da cena, que fica mais poderosa pelo fato de estarmos justamente do ponto de vista de uma figura tão imprevisível e inteligente quanto Varga, e ver um David Thewlis um pouco mais inseguro e até mais assustado do que o normal só a torna mais intensa. A direção de Keith Gordon é digna de todos os prêmios da área, usando planos consideravelmente mais longos e lentes grande angulares que provocam um leve desconforto no espectador, ao mesmo tempo em que torna a ação mais imersiva. É uma vitória para Nikki e Wrench, que eliminam todo o grupo de Varga… Com exceção do líder, que literalmente “evapora” no ar após se dar conta da armadilha.

Gordon amplia sua gama ainda mais ao trazer o grande confronto entre Nikki e Emmit. Após conseguir fugir de sua casa enquanto Varga lidava com a emboscada, Stussy foge pela estrada em seu carro, apenas para que este subitamente pare de funcionar e Nikki o aborde ali mesmo, com uma espingarda empunhada. A escolha de Gordon por planos abertíssimos que diminuem os personagens é de uma estética fascinante, especialmente pelo lindo céu nublado que enche os olhos graças à fotografia esverdeada de Dana Gonzales, e a imediata referência visual ao trabalho dos Coen em Onde os Fracos Não Têm Vez, assim como representar novamente um impasse na auto estrada. O desfecho da cena não poderia ser mais simbólico e digno de Fargo, com um policial aparecendo para averiguar a situação, que Nikki tenta controlar ao tentar esconder sua arma, mas que acaba culminando em sua morte e na do policial – com Emmit brilhantemente se esquivando durante a troca de tiro, em uma perfeita síntese de todo o seu arco durante a temporada.

Então, algo estranho acontece. Temos um novo salto temporal, com a narrativa avançando agora 5 anos no futuro, em 2016. Porém, infelizmente o avanço de tempo não foi tão elegante e elaborado quanto naquele visto no oitavo episódio, que usou da barba de Sy Feltz (Michael Stuhlbarg) para demarcar a progressão do tempo, limitando-se aqui a cartões de texto que pecam pela exposição descarada e soam absolutamente descolados do restante da série. Tirando esse pequeno deslize, vemos que Emmit agora vive uma vida feliz ao lado de sua esposa, família e um recuperado Sy, mas tudo dura pouco até o momento em que o Sr. Wrench silenciosamente invade sua casa e atira em sua cabeça, completando a missão de Nikki.

Finalmente, os minutos finais oferecem o conflito que só havia se dado superficialmente em um episódio anterior, mas que agora finalmente teríamos sozinhos, e cara a cara: Pedro e o Lobo, Gloria Burgle e V.M. Varga. Agora trabalhando como agente da Segurança Nacional, ela senta-se para conversar com Varga, mantido em uma pequena sala de interrogatório – em uma referência visual certeira ao prólogo em Berlim durante a estreia da temporada. É um diálogo tipicamente Noah Hawley, repleto de analogias e metáforas por parte de Varga, que em momento algum é capaz de penetrar a segurança e confiança de Burgle, que enfim parece mais confortável em seu novo cargo. A antiga xerife diz que o vilão será preso pelo resto da sua vida, mas este responde seguramente que ele será libertado em exatos 5 minutos por uma autoridade maior.

A cena, e o episódio, terminam com esse paradoxo. Quase como o Gato de Schrödinger a qual Hawley tanto fez referências ao longo do terceiro ano: Varga está preso, e não está preso. O plano final revela um relógio na parede, e ficamos esperando para ver se alguém realmente aparecerá para salvar o vilão, enquanto a protagonista sorri triufante. É um excelente final em aberto, deixando que o espectador faça sua própria escolha, e deixando uma série de mistérios não resolvidos – nem ao menos descobrimos o significado do “V.M.” em seu nome, ou os detalhes de seus negócios. Porém, todo esse mistério ajuda a tornar o personagem ainda mais mítico e sobrenatural, quase como uma presença – incluindo aí a genial decisão de Gonzales em cobrir seu rosto com sombras não diegéticas durante a cena, transformando-o em uma silhueta. A representação da maldade em pessoa. “Sou um cidadão do vento, minha querida. Sempre por aí”.

É difícil agora, no balanço, tentar comparar esta temporada de Fargo com suas excepcionais antecessoras. Cada uma trouxe uma identidade visual e temática completamente distinta, com o terceiro ano oferecendo sua própria gama de qualidades, certamente ficando no mesmo nível da criação de Noah Hawley. Talvez até um pouco acima, mas isso só o tempo dirá. O que fica agora é mais uma temporada primorosa e especial, definitivamente representando o que há de melhor na TV atualmente.

Que esse não seja o fim das melhores histórias reais falsas da História da Televisão.

Fargo – 03×10: Somebody to Love (EUA, 2017)

Criado por: Noah Hawley
Direção:
Keith Gordon

Roteiro: Noah Hawley
Elenco: Ewan McGregor, Carrie Coon, David Thewlis, Mary Elizabeth Winstead, Olivia Sandoval, Michael Stuhlbarg, Andy Yu, Russell Harvard, Mary McDonnell, Hamish Linklater
Emissora: FX
Gênero: Drama, Crime
Duração: 48 min

Confira AQUI nosso guia de episódios da temporada

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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