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Crítica | Legion – 01×04: Chapter 4

Se os dois últimos episódios de Legion demonstravam um estacionamento em termos de avanço narrativo, ainda que um marcado por um cuidado visual e sensorial absolutamente maravilhoso, o quarto capítulo da estranha saga de David Haller ofereceu sua série de eventos mais agitada e turbulenta até então. Mas, claro, a presença de mais eventos não diminui em nada o caráter onírico e surrealista de Legion, que ganha contornos ainda mais coloridos e geniais aqui, fruto da visão de Noah Hawley, do texto de Nathaniel Halpern e da direção primorosa de Larysa Kondracki.

Começamos da forma mais inusitada possível: somos apresentados a uma figura bizarra e que nunca havíamos visto até então, na forma do ator neozelandês Jemaine Clement. Ele traja um terno creme retrô e divaga sobre a violência, natureza humana e a cultura do medo, e um monólogo que traz de volta todo o brilhantismo da prosa de Hawley na segunda temporada de Fargo, especialmente pelas metáforas e a habilidade do personagem em divagar com muito interesse. Como se isso já não fosse curioso o bastante, vemos que o personagem está em uma sala toda feita de gelo, e isso já é o bastante para distinguir mais ainda Chapter 4 de seus antecessores. Então, vemos David Haller (Dan Stevens) sedado e sob observação de Melanie (Jean Smart), que envia Syd (Rachel Keller), Ptonomy (Jeremie Harris) e Kerry Loudermilk (Amber Midthunder) para encontrar pistas sobre as memórias perdidas do telepata.

É um episódio que diminui o número de cenas dentro da memória do protagonista, desviando o foco para a investigação do trio no mundo real – e é divertido como o roteirista Nathaniel Halpern oferece pequenos comentários sobre a diferença entre os dois mundos, como Syd apontando que a cortina do consultório médico é absolutamente diferente na memória de David e no mundo real, para o qual Ptonomy responde que “nenhuma memória é confiável, e isso só vai ficando pior”. Esse núcleo nos oferece mais esclarecimentos, principalmente com o depoimento do antigo terapeuta de David (mesmo que fora uma armadilha d’O Olho) e de sua ex-namorada, que também sugere um envolvimento forte com a organização nebulosa, que ainda mantém como prisioneira sua irmã Amy, que rende uma cena breve, mas muito memorável graças ao trabalho de câmera elegante.

Porém, um dos aspectos mais fascinantes revelados aqui foi sobre a Kerry Loudermilk de Amber Midthunder, que finalmente mostra a que veio e tem seu passado explorado. Descobrimos que sua relação com Carry Loudermilk (o sempre excêntrico Bill Irwin) é mais próxima do que aparentávamos, já que os dois dividem o mesmo corpo, de alguma forma onírica e que nos é explicada através de um flashback apropriadamente fabulesco. Isso dá mais espaço para que Midthunder (que nome, não é mesmo) brilhe em uma performance carismática, e também que uma cena de ação espetacular brinque com a simultaneidade das ações que dividem Carry e Kerry, com a primeira enfrentando a milícia do Olho e seu “par” simulando os mesmos movimentos em seu laboratório – tudo ao som da fantástica “Undiscovered First”, do Feist.

Mas, claro, o grande destaque do episódio fica com seu lado onírico. David parece preso dentro de sua própria mente, até o momento em que é atraído por uma força misteriosa e acaba na sala de gelo do personagem que abriu o episódio, revelado como Oliver – outro “paciente” da instalação de Madeline – e que lhe apresenta ao “plano astral” de sua própria consciência. Os dois têm um diálogo que nos ajudam a entender o funcionamento do poder de David e as sinistras aparições do Demônio de Olhos Amarelos, além de criar uma dinâmica hilária entre os dois (vide o jazz nada convencional que Oliver insiste em tocar) e uma plasticidade simplesmente incrível, seja na paleta de cores, na câmera de Kondracki ou no fabuloso trabalho de design de produção, onde até mesmo imperfeições nos efeitos visuais (a artificialidade do plano onde David escala o cubo de gelo gigante é notável) são perdoados pela força de seu conceito – e já adianto que protestarei sozinho na chuva caso Legion não ganhe TODOS os prêmios possíveis dessa categoria.

A mind trip de David acaba nos levando a mais um encontro com a pirada Lenny de Aubrey Plaza, que surge em uma projeção de seu quarto antigo. A cena é reveladora por aprofundar-se em uma dimensão poderosa das habilidades de David, que é capaz de se teleportar fisicamente para a floresta onde Syd, Pytonomy e Kerry enfrentam os soldados do Olho, rendendo um clímax intenso e memorável, incluindo uma trilha sonora completamente chupinhada das cornetas de Hans Zimmer para A Origem. Também finalment entendemos qual é o poder de Syd, cujo toque acarreta na troca de corpos.

Esse foi o episódio mais redondo, compreensível e nem por isso menos surrealista de Legion, que injeta mais adrenalina e um rumo mais concreto para a cada vez mais fascinante saga de David Haller. Ah, e que por favor tenhamos mais cenas com o Oliver de Jemaine Clement…

Legion – 01×04: Chapter 4 (Idem, 2017, EUA e Canadá)

Criado por: Noah Hawley
Direção: Larysa Kondracki
Roteiro: Nathaniel Halpern

Elenco: Dan Stevens, Aubrey Plaza, Rachel Keller, Jean Smart, Bill Irwin, Jeremie Harris, Amber Midthunder, Bill Irwin, Katie Aselton, Jemaine Clement
Gênero: Drama, Ação
Duração: 53 min.

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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