em ,

Entrevista | Mauro Ventura

O documentário “Bonifácio – O Fundador do Brasil” é o primeiro longa-metragem dirigido por Mauro Ventura. O filme está na contra-mão do cinema documentário brasileiro – que há anos privilegia as biografias de personalidades medíocres e nocivas do meio cultural. Conversamos um pouco com este realizador sobre o processo de produção e o papel de seu longa na atual conjuntura de nosso cinema.

1. Mauro, fale-nos um pouco sobre seu currículo e suas influências cinematográficas.

Na década de 1990, comecei a estudar design na PUC – e depois na Faculdade da Cidade – no mesmo momento em que iniciei teatro. Acabei, extemporaneamente, me formando em filosofia e fazendo uma pós-graduação em gestão executiva de negócios. Não cheguei a me graduar, academicamente falando, em design ou teatro, mas conquistei uma carreira de mais de 20 anos produzindo, dirigindo, atuando em peças teatrais e trabalhando com comunicação visual. Ao longo deste tempo, pude fazer alguns trabalhos em vídeo, já que atuei como diretor de arte para várias produtoras nacionais.

Fiz de tudo um pouco, desde comerciais para a TV até vídeo-cenografia e arte gráfica de inúmeros espetáculos e filmes. Também fui ator em alguns curtas e em um longa, o que me deu alguma experiência e aumentou a minha vontade de fazer cinema. Recentemente, através da amizade com o diretor Josias Teófilo e da participação nas filmagens de “O Jardim das Aflições”, tornou-se inevitável a produção do meu primeiro longa, “Bonifácio”.

Quanto às minhas influências, posso dizer que aprecio a estética de Kubrick, os planos de tirar o fôlego de Sergio Leone e a fotografia dramática de Vilmos Zsigmond e Emmanuel Lubeski.

2. Como surgiu a ideia para o projeto?

Acho que é a clássica junção de fatores dispersos que acabam concorrendo para um objetivo comum. Participo de um grupo de estudos aqui no Rio de Janeiro e já vínhamos há muito tempo amadurecendo a ideia de produzir algo juntos. Como Bonifácio era uma unanimidade, não pensamos muito e já fomos colocando o plano em ação.

3. Podemos entender o projeto como uma resposta à decrepitude político-cultural brasileira?

O projeto não pretende ser propriamente uma resposta, isso acabaria por limitar a obra de arte. Mas, sem dúvida, há um elemento de reação nele.

4. O subtítulo “O Fundador do Brasil” pontua de modo categórico a importância de José Bonifácio para o nosso país. Qual o grau de contribuição desse personagem para a política e sobretudo a cultura brasileira?

É difícil falar da relevância das ações de José Bonifácio e do impacto que elas produziram sem acabar escrevendo um livro de centenas de páginas. Acreditamos que a maior contribuição que ele deu, tanto para a política e cultura, como para nossa vida cotidiana é o processo de construção de sua própria personalidade e a influência que ela pode exercer nos homens de hoje. É sobre isso que queremos falar no filme: da amplitude de potencial da personalidade humana.

5. José Bonifácio foi um homem de vasta cultura humanística. Traduziu Virgílio e Píndaro, além de outras extensas atividades intelectuais. Por que um homem dessa envergadura foi relegado ao esquecimento?

Ele não foi o único. Infelizmente, nosso país parece preferir criar e cultuar heróis de fantasia do que cultivar os grandes homens de sua história. Vivemos uma época de ímpetos revolucionários e, como na época de Bonifácio, os mais inclinados a este tipo de radicalismo tendem a erigir monumentos a vultos históricos suspeitos ou até ficcionais.

6. Em a Rebelião das Massas, o filósofo Ortega y Gasset escreveu que uma das condições para a conservação da sanidade intelectual e cultural de um povo é o constante contato com as obras, ideias e exemplos dos melhores bastiões do passado. Em nossa atual conjuntura houve um divórcio quase completo do Brasil com o seu passado de excelência intelectual. Que papel você espera que seu filme desempenhe no que se refere a essa quase cisão?

Quero oferecer uma opção. Meu desejo é deixar um registro para que as pessoas possam ter uma referência de proporcionalidade entre o Brasil que somos e o Brasil que podemos ser. Não num sentido imediatista, uma tentativa de pegar um atalho para um “lugar melhor”, mas através do retorno a uma estrada que foi abandonada há bastante tempo. Uma estrada que foi pavimentada num passado não muito distante por personagens da grandiosidade de Bonifácio.

7. O gênero documentário no Brasil é uma grande ferramenta de promoção de personalidades intelectualmente medíocres do meio cultural, como Chico Buarque, Betinho e tutti quantti. Como você percebe essa vasta produção?

Sabe que não tenho acompanhado isso? Tenho um desinteresse mortal pela produção nacional e só vejo algo quando por indicação explícita de alguém em quem confio muito. Mesmo em teatro, me dá uma preguiça enorme. Talvez seja um defeito meu. Não entendo como, mesmo até as pessoas que apreciam essas personalidades, ainda não ficaram enfadadas com tantas cartas marcadas, tanta figurinha repetida. Chamam de ousadia fazer mais do mesmo.

8. Seria cedo para afirmar que o longa José Bonifácio e o também documentário O Jardim das Aflições assinalam para a verdadeira retomada de nosso cinema: um cinema comprometido menos com uma agenda ideológica e mais com a reanimação de nossa alta cultura?

Por um lado, acho cedo sim. Acho que serão obras de grande qualidade, mas precisam ser detonadoras de uma explosão em sequência. Para demolir o edifício de mediocridade que foi erguido em nosso meio cultural é preciso mais. Muito mais! E, na verdade, muita coisa vem por aí ainda. Nesse exato momento, estou dirigindo outro filme que será divulgado em breve. É preciso tomar de assalto os espaços culturais; sem parar por um segundo, sem retroceder um centímetro e sem precipitar uma ação sequer.

9. A personalidade dominante no meio cinematográfico brasileiro há meio século é a do diretor “politicamente engajado”. Em contraposição, o cinema mundial tem cineastas com uma carga de conhecimento vastíssima dentro da tradição da alta cultura. O quão importante é para um diretor de cinema estar atento aos ecos da herança da cultura universal?

É tão importante quanto para um escritor ou qualquer outro artista que trabalha com narrativa. É preciso não só, como você disse, estar atento aos ecos da herança da cultura universal, é preciso estar estreitamente ligado à vida real. Um diretor de cinema precisa ser um servo dócil da realidade. Sem isso, ele é apenas um ideólogo com uma câmera na mão e, nesse sentido, não faz mais do que um operador de mimeógrafo dentro de um DCE de universidade.

10. Conte-nos como está sendo o processo de produção do documentário.

O processo está seguindo os passos usuais de um documentário. Iniciamos com muita pesquisa e estudo de referências que nos conduziram a uma estrutura básica de roteiro. Passamos às escolhas de locação, da equipe técnica e dos entrevistados e, em seguida, às soluções artísticas e de concepção.

A escolha do crowdfunding veio naturalmente e tem sido uma grata satisfação ver que as pessoas acreditam em projetos como este e estão dispostas a participar ativamente. Por isso, chamamos nossos colaboradores de coprodutores – porque, de fato, é o que eles são. Nossas filmagens estão sendo feitas em fases. Já filmamos no Rio de Janeiro, fomos também a Belo Horizonte e São Paulo. Em breve, iremos a Barbacena, Santos, Estados Unidos e Portugal. Ainda estamos reservando algumas surpresas a serem anunciadas em breve.

11. Em que tipo de estrutura de linguagem cinematográfica o filme está sendo erigido?

A linguagem é a do documentário clássico, com direito a entrevistas e narração em off. Mas os elementos que estamos buscando compõem uma curva dramática que ajuda a desvelar a personalidade da nossa personagem. O formato é de documentário, mas o impacto no público deve ser o de um filme ficcional.

12. “No Brasil a virtude, quando existe, é heroica, porque tem que lutar com a opinião e o governo.”. Como você interpretaria essa frase de Bonifácio à luz da produção cinematográfica de sua biografia?

Podemos analisar o termo “herói” tanto na forma como é apresentado na poética de Aristóteles – o herói trágico que decai e através da nobreza consegue chegar a uma epifania a partir da sua queda – como também de forma mais ampla, onde o vemos como uma figura capaz de superar problemas de dimensões muito superiores ao das pessoas comuns. A partir desses conceitos, podemos ver a nós mesmos como uma nação decaída.

A opinião – representada hoje principalmente através do discurso politicamente correto –, e o próprio governo, dominado por agentes ideológicos, são obstáculos que precisam ser superados de forma excepcional. Sejamos heróis, portanto. E como fazê-lo dentro de nossa dimensão humana? Através de exemplos como o de José Bonifácio.

13. Por fim, Mauro, quais as expectativas para o filme quando lançado, e como os leitores podem contribuir para a campanha?

Nossa expectativa é atingir o circuito de salas de cinema por todo o território nacional e participar de festivais pelo mundo. A contribuição do nosso público é essencial para o filme atingir todos os objetivos; a jornada é longa, mas estamos bem acompanhados. O jugo é suave e o fardo é leve. A campanha de financiamento está sendo realizada via crowdfunding e você pode contribuir através do endereço: http://ofundadordobrasil.com.br/

Texto Escrito por Fernando Henrique Lins 

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

Perfil oficial da redação do site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Aliados | Veja o primeiro trailer do filme de Robert Zemeckis

As histórias de bastidores do cinema mais assustadoras