O jogo The Alters de 11 bit studios nos instiga a perguntar “e se nossa vida em diferentes momentos fosse um pouco diferente? Que rumo minha vida tomaria?”. Este é um dos jogos mais ousados deste ano, sem dúvidas, mas será que o jogo faz mesmo jus a tal proposta?

Ambiente Insalubre

Em The Alters, o protagonista, Jan Dolski está em uma missão em um planeta distante e hostil, onde o resto de seus companheiros foram mortos ao chegar no local. Jan precisará de todos os recursos que puder achar no local e administrá-los de forma a suprir das melhores maneiras o que cada objetivo pede. Assim, trata-se de um jogo de construção e sobrevivência.

Os materiais ficam espalhados pelo mapa, existem alguns recursos que ficam na superficie, prontos para serem colhidos e outros que ficam no subterrâneo. O jogador precisará desses recursos para fazer ferramentas, e  ampliar a base. O mais adequado seria completar as tarefas que o jogo coloca antes de o sol nascer. Jan se cansa depois de um tempo, o que faz as tarefas demorarem mais e o leva a exaustão, onde ele se recusa a trabalhar e deve retornar para a base para descansar.  A luz solar é letal, forçando exploração apenas em períodos seguros. Dormir mais restaura energia, mas reduz o tempo para tarefas críticas .  

Assim, trata-se de uma corrida contra o tempo entre o cumprir da missão e a própria sobrevivência de Jan Dolski. Distorções espaço-temporais, rochas flutuantes e radiação exigem ferramentas como *scanners* e detectores para serem evitadas. Erros resultam em morte instantânea. No entanto, Jan não estará sozinho nessa difícil empreitada.  

A inovação mais marcante é a criação de “Alters”, versões alternativas de Jan geradas via *Rapidium*, um mineral que permite materializar realidades paralelas baseadas em escolhas passadas do protagonista .  Cada um dos alters criados por Jan a partir de suas memórias modificadas possui uma especificação diferente. Temos um técnico, um cientista, um operador, um médico, etc. O jogador pode designar esses alters em diferentes funções na barra de alters. Designá-los corretamente pode seer a chave para a sobrevivência e sucesso na missão.

Cada Alter tem personalidade, traumas e necessidades. Negligenciar sua saúde mental pode levar a revoltas, suicídios ou até “Altercídio” (assassinato em massa seguido de suicídio) .  Presentes, conversas (com opções de diálogo estilo RPG) e atividades como beer pong afetam o humor deles. Um Alter viciado em opioides pode sabotar a base; outro, deprimido por saudades da ex-esposa, exige atenção constante .

 A superfície do planeta é um sandbox desolado, com depósitos marcados por nuvens coloridas (vermelho = metais, azul = orgânicos). Postos avançados de mineração exigem conexão via pylons (como em *Death Stranding*) para transportar materiais. O centro de operações é uma roda gigante com salas customizáveis (laboratórios, cozinhas, áreas sociais). A navegação interna alterna entre visão lateral (estilo Fallout Shelter) e 3D, com elevadores ligando os módulos .  

 Decidir entre construir um detector de anomalias (para exploração segura) ou uma sala de lazer (para moral dos Alters) cria dilemas permanentes.  

O jogo divide-se em Prólogo, Ato 1, 2 e 3, com interlúdios entre eles. Cada ato redefine objetivos e introduz novos sistemas. No Ato 1, o foco é coletar metais; no Ato 2, suprimir radiação com filtros avançados.  Um contador inicial (“30 dias até o nascer do sol”) foi substituído por alertas como “O Sol está distante”, reduzindo ansiedade desnecessária e permitindo exploração tática. Existem seis desfechos possíveis, determinados por escolhas no “ponto de virada”, quantidade de Rapidium coletado e relações com os Alters.  

Review | The Alters é uma odisséia existencial no espaço que vale o seu tempo
11bit Studios

Uma Odisséia Existencial

The Alters lembra algumas aventuras de naufrágio espacial como o filme “Perdido em Marte”, porém possui também uma premissa muito interessante do ponto de vista filosófico e ético. Durante o jogo, Jan para sobreviver cria clones de si mesmo utilizando o material “Rapidium”, principal razão da humanida se lançar nesse tipo de expedição espacial no universo do jogo, esse recurso permite criar cópias da matéria orgânica. A clonagem é um dos temas principais do jogo, aparecendo desde a tela de carregamento, onde uma ovelha é mostrada e a primeira criatura a ser clonada no jogo é também uma ovelha. Ambas referências a ovelha Dolly, primeiro animal a ser clonado com sucesso.

Assim sendo, The Alters é uma exploração profunda das consequências de nossas escolhas, materializada em uma narrativa sci-fi que desafia noções de identidade, arrependimento e destino. Jan Dolski, um trabalhador comum em uma missão de mineração espacial, torna-se o único sobrevivente de um acidente em um planeta hostil, onde o nascer do sol é mortal. Para operar uma base móvel gigante e escapar, ele usa Rapidium, um mineral alienígena, para criar “Alters”: versões alternativas de si mesmo, originadas de decisões cruciais que jamais tomou em sua vida. Cada Alter personifica um caminho não trilhado: o cientista ambicioso, o técnico confrontador, o botânico emotivo ou o minerador viciado em opioides.  

Os Alters não são meros ajudantes; são **projeções de arrependimentos** de Jan. Suas existências forçam o protagonista a confrontar falhas passadas. Por exemplo, o  Alter Técnico surgiu quando Jan optou por enfrentar seu pai abusivo, ao contrário do Jan original, que fugiu. Isso o tornou assertivo, mas também amargo. O Alter Botânico manteve seu casamento, ao contrário de Jan, que priorizou o trabalho. Sua presença evoca culpa e nostalgia, especialmente quando ele interage com a ex-esposa de Jan. Além disso, os Alters descobrem que suas memórias são simulações quânticas, não experiências reais. Isso gera questionamentos angustiantes: “Se minhas dores são fabricadas, sou menos humano?”.

Criar Alters é um ato de desespero, mas também de exploração. Jan os trata como  ferramentas inicialmente, levantando questões sobre autonomia e consentimento.  

O jogo toca também no paradoxo do livre arbítrio. Se nossas escolhas nos definem, os Alters, seres criados de decisões simuladas, têm alma? O jogo explora isso quando um Alter pergunta: “Quando voltarmos à Terra, qual de nós sobreviverá?”. Jan não busca apenas sobreviver; quer redenção. Reencontrar sua ex-esposa através do Alter Botânico é uma chance simbólica de corrigir erros do passado.  

O principal vilão do jogo é a Ally Corp, a corporação por trás da missão age como um vilão oculto. Suas mensagens corrompidas e ordens ambíguas sugerem que o acidente pode ter sido intencional para tornar o Jan a primeira experiência com Alters humanos.  Além disso,  conflitos internos surgem quando personalidades colidem. O Alter Cientista, pragmático e ambicioso, frequentemente sabota decisões emocionais de Jan, enquanto o Alter Guarda esconde inseguranças sob arrogância.

Quanto a performance, Alex Jordan dá voz a todos os Jans, variando sotaques e emoções. O Alter Técnico tem tom áspero; o Botânico, suavidade melancólica. O ator demonstra bastante habilidade ao deixar uma marca única em cada um dos Alters modificados.

 Coletar Rapidium não é só mecânica de survival; é buscar “respostas” para perguntas existenciais. Com até 12 Alters possíveis (não todos em uma campanha), histórias podem parecer desconexas.   Cenas filosóficas às vezes colidem com situações absurdas, como um Alter lendo *Moby Dick* durante uma crise. 

Conclusão

Apesar de ser um ótimo jogo de exploração e sobrevivência, gerar energia, gerenciar alimentação, saúde mental dos Alters, e evitar o sol pode sobrecarregar jogadores casuais. Ciclos de mineração/construção podem tornar-se mecânicos se as narrativas emergentes não forem suficientemente dinâmicas.Transições entre visão 3D (exterior) e 2.5D (base) causam rigidez nas animações e navegação interna.  

The Alters* é um jogo digno de admiração. Transformar perguntas como *”Quem eu seria se…?” em sistemas de jogo funcionais é seu trunfo maior. A gestão de Alters adiciona profundidade emocional rara em jogos de sobrevivência, enquanto a estrutura em atos mantém a progressão fresca. No entanto, a densidade de mecânicas pode alienar parte do público, e o sucesso dependerá do equilíbrio entre complexidade narrativa e fluidez jogável.  

Assim, o jogo é recomendado para quem gosta de jogos de mineração e sobrevivência e para quem gosta de uma boa narrativa no gênero de ficção científica.

Agradecemos a 11bit Studios pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.

Mostrar menosContinuar lendo