A retomada da franquia “28” (na falta de melhor denominação) criada pelo diretor Danny Boyle e pelo roteirista Alex Garland vem com grande expectativa despertada pelos trailers de Extermínio: A Evolução, que estreia agora nos cinemas do Brasil. O filme testa o quanto o público ainda está disposto a assistir a mais um “final de mundo” cinematográfico, tema que tem sido central em dezenas de longas-metragens, seriados e jogos eletrônicos.

É difícil saber como uma audiência que, recentemente, tornou Um Filme Minecraft em estouro de bilheteria, irá reagir a esta continuação, que de certa forma lança mão da nostalgia do público fã dos dois primeiros filmes, visto que é bem complicado exigir originalidade de um subgênero tão exaustivamente explorado. 

Na trama, Jamie (Aaron Taylor-Johnson) treina seu filho Spike (Alfie Williams) para que ele possa sair da ilhota onde vivem em comunidade, isolados do continente contaminado, e enfrentar desafios sangrentos e mortais ao se deparar com os infectados – que o pai ensina a matar sem piedade e sem demora. Ao se depararem com uma nova espécie de infectado (a que Jamie chama de “Alfa”, uma versão anabolizada de zumbi), os dois fogem e são recebidos como herois. Mas uma descoberta amarga sobre o pai fará Spike tomar outro rumo acompanhado da mãe, num retorno estapafúrdio ao continente.

Roteiro sofre com problemas de lógica interna

Logo na abertura, Extermínio: A Evolução evoca Madrugada dos Mortos (aqui, o poema de Kipling, “Boots-boots-boots”, ocupa o lugar que foi da canção “The man comes around” no filme de Zack Snyder), com resultado igualmente expressivo de edição. É o prenúncio do caminho que o filme escolhe em toda a primeira metade – e que estranhamente abandona na parte final: uma alucinante experiência sensorial, montagem vertiginosa e edição de som que não permite um respiro de sossego ao espectador. É muito difícil não se sentir capturado pelo universo proposto pela direção, que mergulha a plateia com inegável poderio técnico no drama dos personagens e se arrisca formalmente o tempo todo. Uma mistura relativamente original de ação física, efeitos visuais e composição pictórica que dificilmente passaria despercebida. Há um exagero típico do cinema contemporâneo (aquele “corta-corta”, como se qualquer quadro fizesse o mesmo efeito, o que dilui o poder da linguagem cinematográfica), mas que é compreensível porque tal confusão estética expressa de alguma forma a confusão vivida dentro do enredo.

Talvez para encaixar melhor, futuramente, este filme com os que fatalmente virão, na continuação desta história, há uma reviravolta no tom e nos interesses do filme a partir de seu meio. A segunda parte é sensivelmente diferente da primeira e sensivelmente menos interessante. É quando os problemas de verossimilhança começam a incomodar, os personagens agem como se a luta pela sobrevivência do início não importasse mais – e o enredo ecoa um drama intimista barato, típico às produções de streaming: adultério, doença fatal, solidão de casal… Sem dar spoiler aqui, perceba como é difícil de aceitar que, acompanhado do pai (um caçador experimentado), da primeira vez que sai, Spike se mostra visivelmente despreparado para enfrentar uma série de ameaças, e quando refaz o caminho, com a mãe (doente e sem qualquer solidez emocional), ele se sai muito melhor, o que não tem nenhuma explicação lógica além do fato de que é o que o roteiro de Garland necessita para levar a história aonde ele deseja.

As referências do filme também se transformam na segunda metade, e a direção parece tatear como se estivesse no escuro, buscando elementos que sustentem o novo universo que é obrigada a criar se pretende que a franquia dure mais dois filmes. Extermínio: A Evolução remete então a Mad Max (no santuário improvável do personagem de Ralph Fiennes), gira em falso, até terminar em Laranja Mecânica. Tudo muito esquisito e que gruda (mal) com o início exuberante, noturno, assombroso e promissor.

Um “mais do mesmo” – porém, bem realizado

Conforme sabemos, é difícil ser criativo em cima de uma temática tão batida (para não usar palavra pior): de novo o “fim do mundo”? De novo “zumbis”? De novo pai e filho lutando pela sobrevivência numa paisagem apocalíptica? Quantas vezes assistimos a conteúdo semelhante, somente nas últimas duas décadas?

O público se renova a cada geração, e aparentemente a tensão social que deu origem à primeira grande leva de filmes sobre mortos-vivos (a paranoia da Guerra Fria) também resiste na mentalidade do espectador contemporâneo: tão (ou mais) neurótico a respeito de “contaminações”, “vírus” e “futuros apocalípticos” quanto aquele de 50 anos atrás. 

O ponto alto do filme parece ser mesmo sua abertura, toda a primeira parte centrada na dupla pai e filho, que é editada de maneira muito mais arriscada e original que a segunda. Algumas cenas são difíceis de sair da cabeça – especialmente a fuga antes de a maré subir, cujo visual é tão elaborado que mais se parece com um sonho. Depois, o filme cai num marasmo difícil de evitar, e certamente o epílogo funciona menos que o começo, um excesso sentimental que soa forçado num filme que deveria ser sobre mortos-vivos.

Sem necessariamente renovar o subgênero (nem sabemos se isso seria possível), Extermínio: A Evolução é ligeiro na minutagem, violento na medida que o público exige e original em algumas propostas que ele infelizmente deixa de lado ao longo do caminho. Fica a curiosidade de como os filmes futuros trabalharão com esse esboço de universo que o filme propõe e que, misturados, parecem confusos em seu desfecho.

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