Após se destacar na estreia promissora por Vidas Passadas, a diretora e roteirista sul-coreana Celine Song retorna com um drama romântico turbinado por três atores do primeiro time de Hollywood. A partir de mais um roteiro original, a realizadora lida com o cânone do subgênero, flerta timidamente com a comédia romântica e termina entregando um drama sensível e adulto que sintetiza a angústia da geração acima de 35 com seu universo de relacionamentos malfadados.
Se até o início do século, o típico romance cinematográfico da indústria girava em torno da ideia de “encontro perfeito”, Song aborda o problema renovado para uma geração acostumada a enxergar a realidade através de aplicativos e “scores” roboticamente testados. Se, antes, os filmes tinham que lidar com expectativas quase “vitorianas” em relação à busca pela alma gêmea, aqui o conflito ganha ares de competição: não se trata mais da “magia do romance” (que teria se perdido em alguma comédia com Julia Roberts décadas atrás), mas sim do “sucesso” em achar um par compatível e maximizar as pŕoprias possibilidades dentro do “mercado de relacionamentos”.
Se a ideia parece esquemática quando descrita, não é assim que funciona dentro do filme. Song consegue fugir a maior parte do tempo dos lugares-comuns e das piadas prontas que poderiam surgir a partir da premissa. A caricatura trabalha quase como um pano de fundo, porque o roteiro prefere – sabiamente – trabalhar as nuances sugeridas pelos personagens principais (e mesmo um ou outro coadjuvante terá seu momento por aqui).
Roteiro não se perde tentando açucarar demais o romance
A trama é bastante simples: Lucy (Dakota Johnson. sussurrante como sempre) é uma funcionária de serviço de encontros para casamento em Nova York (onde mais?). Metódica e relativamente indiferente, ela conhece o milionário sedutor Harry (Pedro Pascal, com possibilidades de abraçar pessoas sem ser julgado por isso), que discretamente faz dela um projeto pessoal de êxito no “mercado do amor”. Enquanto isso, Lucy lida com a presença do passado de John (Chris Evans, discreto e carismático como de costume), um ator meio fracassado que foi seu namorado firme e cujo relacionamento eclodiu por causa das dificuldades financeiras do então casal.
O dilema de Lucy não demora a ficar claro: ela está entre um par aparentemente perfeito e outro pelo qual ela sente extremo afeto, mas que falha em todo o resto. Um triângulo amoroso que teria tudo para render cenas repetitivas, mas que nas mãos de uma realizadora sensível acaba por se diluir diante de conflitos mais amplos e mais humanizados.
Ninguém aqui é exatamente mocinho ou vilão na guerra dos sexos. Lucy é ambiciosa e tem consciência de sua superficialidade; Harry tem contradições nascidas de sua luta com a própria aparência; e John não funciona exatamente como o “pé rapado” encantador, tão comum em comédias dramáticas. Todos os três realmente parecem seres humanos e, quando um filme consegue chegar a isso, a identificação com uma audiência qualificada costuma funcionar muito melhor.
Para não se limitar ao triângulo, o roteiro explora uma subtrama que ganha relevo no desfecho na personagem de Zoe Winters (a excelente atriz e eterna amante de coração partido de Logan Roy), que funciona como um espelho para que Lucy reflita sobre sua própria condição, seu futuro e a conveniência do tipo de trabalho que ela realiza.
Filme faz retrato fiel de uma geração desesperada pelo “sucesso” nos relacionamentos
O enredo expõe típicas preocupações da geração que nasceu no final do século passado, num registro discretamente cômico onde homens estão obcecados com a idade e a forma física de suas pretendentes, enquanto elas dão importância exagerada à altura e à condição econômica dos possíveis namorados. Song não pesa a mão, entretanto, nem mesmo quando flerta com a comédia romântica dos anos 1990 – por exemplo, no personagem do companheiro de quarto de John, um tipo que remete imediatamente ao Spike de Rhys Ifans em Um Lugar Chamado Notting Hill. É o momento do filme em que ele mais cede ao cânone, caracterizando o fracassado típico como um sujeito atrapalhado e acima do peso.
Nada, contudo, que comprometa o conjunto delicado e sóbrio, filmado de maneira reconfortante, onde os atores têm espaço real para trabalhar suas atuações num crescente, sem excesso de cortes ou efeitos que – não raro – mascaram uma crônica falta de ideias. Se não chega ao nível de um drama romântico ainda mais adulto, multidimensional e conturbado quanto A Difícil Arte de Amar (o clássico de 1986 sobre relacionamentos sabotados), este Amores Materialistas destaca-se no conjunto como uma diversão adulta que faz pensar e diverte sem respostas fáceis para perguntas que perturbam homens e mulheres desde o tempo das cavernas.