Crítica | K-19: The Widowmaker - A Paranoia da Guerra Fria
A Guerra Fria serviu e continuará servindo como palco de inúmeros filmes, foquem eles em questões como a espionagem, como visto no recente Atômica ou nas corridas armamentistas e espaciais dos Estados Unidos e União Soviética. Kathryn Bigelow, em seu sétimo filme, utiliza justamente esse cenário para compor sua história, baseada em fatos contados pelos sobreviventes do submarino K-19, após o fim da URSS, visto que antes desse fato tiveram de manter silêncio sobre o ocorrido, para não arriscar manchar o nome da nação.
Logo na sequência inicial conhecemos o submarino que dá nome ao filme. Durante um teste, ainda atracado, ele já começa a demonstrar problemas, preocupando principalmente o então capitão Mikhail Polenin (Liam Neeson). Após a falha nesse teste, o posto de comando vai para Alexei Vostrikov (Harrison Ford), que fica encarregado da primeira missão do submarino: lançar um míssil-teste em região de alcance a Nova York e Washington, para que a máquina de guerra funcione como elemento dissuasivo, impedindo um possível ataque dos EUA na União Soviética. Tudo se complica, porém, quando o veículo começa a apresentar problemas atrás de problemas, colocando em risco a vida de todos ali dentro.
A própria premissa de um filme passado, majoritariamente, dentro de um submarino já é capaz de garantir, ao menos, uma pequena dose de claustrofobia no espectador – questão, essa, que é aproveitada por Bigelow, que emprega planos mais fechados e próximos, com planos curtos não permitindo que, jamais, nos acostumemos com aquele ambiente ou sequer entendamos a sua geografia interna. Isso é sentido nos poucos trechos fora desse cenário, que trazem a nítida sensação de alívio, bem pontuado pela trilha de Klaus Badelt, que emprega tons românticos em suas composições.
Não bastasse isso, a tensão é mantida como constante através da noção, introduzida desde cedo, que a qualquer momento algo pode dar errado ali dentro. Nesse sentido, o roteiro de Christopher Kyle jamais nos permite relaxar, alternando entre defeitos inesperados do submarino e os constantes testes do novo capitão, Vostrikov. É criada uma atmosfera de instabilidade e incerteza, que dialoga com a própria disposição da tripulação, todos incertos em relação às atitudes de Vostrikov, que é consideravelmente mais rígido que Polenin. è criado no ar a expectativa de um possível motim, questão que apenas contribui para o nervosismo do espectador, enquanto nós próprios questionamos se Vostrikov está fazendo certo ao cobrar tanto de seus subordinados.
Essa oposição entre os dois oficiais, claro, somente é possível pelos esforços tanto de Neeson quanto de Ford. Nenhum deles está, de fato, fora de seus papéis de costumes e isso faz com que demonstrem estar cem por cento à vontade como esses dois personagens. Claro que há certo estranhamento causado pelo inglês falado por personagens russos e, à exceção de Ford, discretamente, ninguém sequer simula um sotaque russo. Há, porém, uma forte segurança transmitida pelos dois, que dialoga com a própria disposição dos personagens, representados como duas grandes forças opostas, criando um belo paralelo entre os dois lados da Guerra Fria. O mais interessante é que o texto jamais diz quem está certo ou errado ali, permitindo que nós próprios tomemos essa decisão.
Isso, infelizmente, perde muito de sua força em razão da longa duração do filme, que se estende por mais tempo que deveria, tornando muitos dos trechos repetitivos, prejudicando nossa imersão na narrativa como um todo. Por outro lado, somos resgatados pelos efeitos visuais, tanto práticos quanto especiais. Digno de nota é a utilização de submarinos de verdade para filmar certas sequências, o que aumenta consideravelmente o realismo da obra, possibilitando que, em todos os momentos, de fato, acreditemos que os personagens estão dentro do K-19.
Dessa forma, Bigelow, mais uma vez, mostra que não tem medo de transitar entre diferentes gêneros, abordando o conflito entre comunismo e capitalismo nesse seu filme histórico. Embora seja longo de mais, aspecto que afeta bastante nosso aproveitamento da obra, K-19: The Widowmaker consegue nos manter tensos durante a maior parte da projeção, seja pela oposição entre os oficiais retratados ou pelos inúmeros problemas do submarino em si.
K-19: The Widowmaker — EUA/ Reino Unido/ Alemanha/ Canadá, 2002
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Christopher Kyle
Elenco: Harrison Ford, Liam Neeson, Sam Spruell, Peter Stebbings, Sam Redford, Christian Camargo, Ravil Isyanov, Peter Sarsgaard
Gênero: Ação
Duração: 138 min.
https://www.youtube.com/watch?v=lZIFPBPxHzY
Crítica | As Amigas - Antonioni Supremo
Como alguém que nunca gostou de fazer algo simplesmente por fazer – sempre busquei propósitos específicos no que faço, seja profissionalmente ou no lazer (e simplesmente “para se divertir” nunca foi um bom motivo para mim, por bem ou por mal) -, o sentido, objetivo da vida em si sempre esteve em pauta em minha mente. Evidente que não me considero “o diferentão” por isso, essa é a dúvida primordial dos seres humanos, fator já explorado das mais variadas formas pela arte, que, inclusive, nos deu uma resposta: 42. As Amigas, de Michelangelo Antonioni, lida justamente com essa questão, focando em um grupo de amigas que, pouco a pouco, passa a enxergar o vazio de suas vidas.
A obra já tem início com um ponto de virada na vida dessas mulheres. Clelia (Eleonora Rossi Drago) retorna a Turin, sua cidade natal, para abrir um salão de moda, o que não esperava é que, no quarto ao lado do seu, no hotel, ela encontraria Rosetta (Madeleine Fischer), que tentara suicidar-se sem êxito. Em razão disso, Clelia acaba conhecendo suas amigas, Momina (Yvonne Furneaux), Nene (Valentina Cortese) e Mariella (Anna Maria Pancani). Todas elas acabam envolvendo-se romanticamente com outros homens, apenas para descobrir que isso irá revelar a falta de propósito de suas vidas.
De forma bastante simples, pautado apenas na relação interpessoal dessas amigas e seus pretendentes, Antonioni constrói uma história que, lentamente, revela o quão próximas cada uma delas se encontra da situação de Rosetta. De início, a garota que tentara o suicídio é tratada com certo desdém por parte de Momina e Mariella, mas isso vai se apagando ao longo da projeção, que utiliza esse acontecimento como força motriz de sua narrativa, explicitando o pensamento superficial de certas personagens, além de revelar como os homens à sua volta são extremamente parecidos uns com os outros – aliás, isso se estende para suas aparências físicas, fator que, intencional ou não, dialoga diretamente com a trama.
O que mais chama atenção em As Amigas é como seu diretor sabe lidar com essas questões aproveitando cada uma de suas personagens. Claro que algumas são melhor desenvolvidas que outras, as quais, por sua vez, atuam mais como apoio narrativo. Isso, porém, não prejudica em momento algum a obra, que nos impressiona por saber transitar de personagem em personagem de maneira fluida, sempre levando a trama para a frente através das interações entre os diversos personagens. Antonioni não tem medo de colocar diversas delas em tela ao mesmo tempo, jamais tornando a experiência confusa, sabendo, precisamente, quando uma ou outra deve sair de cena, criando, assim, sequências dinâmicas, mesmo com a utilização de planos mais longos, com os cortes sendo substituídos por fluidos movimentos de câmera, acompanhando os personagens, somente parando poucos instantes antes das transições de plano.
Evidente que esse fator não somente contribui para nossa apreciação da bela mise-en-scène, como valoriza o trabalho de cada atriz presente em tela, em especial Valentina Cortese, quem, de início, soa um tanto quanto deixada de lado, mas, conforme a trama progride, vai ganhando mais espaço, notavelmente após determinado ponto de virada, que abala a relação entre essas amigas. Aliás, é importante notar o realismo dessas amizades, que soam como se realmente existissem, nos passando a impressão que, de fato, estamos diante de um recorte da vida dessas mulheres, ao passo que podemos claramente imaginar o antes e depois de cada um dos indivíduos mostrados no longa-metragem.
Com esse real retrato da vida de cinco mulheres, As Amigas nos cativa do início ao fim, seja pela relação entre elas ou pela forma como suas visões sobre a vida vão sendo expostas ao longo da projeção. Habilidoso em criar sequências dinâmicas, com personagens entrando e saindo de cena, utilizando planos longos e engajantes, Michelangelo Antonioni novamente nos entrega uma obra irretocável, que, mesmo se passando há mais de sessenta anos, mantém-se atual até os dias de hoje.
As Amigas (Le Amiche) — Itália, 1955
Direção: Michelangelo Antonioni
Roteiro: Suso Cecchi D’Amico, Michelangelo Antonioni, Alba De Cespedes (baseado no livro de Cesare Pavese)
Elenco: Eleonora Rossi Drago, Yvonne Furneaux, Madeleine Fischer, Anna Maria Pancani, Valentina Cortese, Gabriele Ferzetti, Franco Fabrizi, Ettore Manni
Gênero: Drama
Duração: 104 min.
https://www.youtube.com/watch?v=2w--LzHTEqc
Crítica | O Sequestro (2017) - Roubo de Pouca Qualidade
O que não falta em Hollywood são filmes sobre sequestro, de Busca Implacável até Os Suspeitos, a temática já foi abordada das mais variadas formas. Isso, contudo, não impediu o diretor Luis Prieto de explorar esse tema, em O Sequestro, colocando a mãe da criança abduzida como protagonista de uma obra que segue por caminhos similares à já citada estrelada por Liam Neeson. A grande diferença aqui é que a personagem central não conta com qualquer treinamento militar ou algo do gênero, sendo apenas uma pessoa comum em busca de seu filho.
No início da projeção somos apresentados a Karla Dyson (Halle Berry), uma garçonete recém divorciada, que trabalha como garçonete em uma pequena lanchonete. Após um longo prólogo que não influencia absolutamente nada no filme, ela leva seu filho, ainda criança, ao parque. Lá ela precisa atender a ligação e momentaneamente sai de perto da criança, que acaba sendo sequestrada. Desesperada tenta encontrá-lo e acaba vendo-o sendo levado para um carro por um homem. Karla, então, corre atrás do sequestrador e, incapaz de impedir que o carro dê a largada, ela entra em sua própria van e começa a perseguir o sujeito, recusando-se a parar até ter seu filho de volta.
A proposta de O Sequestro não traz absolutamente nada de novo, mas ainda assim seria capaz de nos entreter, caso fosse bem executada, o que, infelizmente, não ocorre aqui. O roteiro de Knate Lee gasta boa parte do filme na perseguição de carro, com o sequestrador ocasionalmente ameaçando a criança, o que força a mãe a recuar, apenas para acelerar posteriormente. Essa dinâmica, com um ou outro acontecimento no meio do caminho, mantém-se quase até o fim do filme, de forma exageradamente repetitiva, cansando o espectador, dilatando a obra de tal forma que sua duração parece ser muito mais longa do que efetivamente é. Quando enfim essa estrutura é quebrada, entramos em uma sequência longa demais, tirando qualquer força do clímax. Somado a isso, temos um excesso de decisões estúpidas por parte de todos os personagens do longa, questão que tira qualquer seriedade da obra.
Não bastasse isso, Halle Berry, como protagonista, faz um bom trabalho apenas nas raras sequências fora do carro, provocando risadas involuntárias no espectador quando está dentro do veículo, com seus gritos exagerados e pelos constantes monólogos, que se tornam ainda mais artificiais em razão do estranho trabalho de decupagem de Luiz Prieto, que utiliza planos muito próximos, evidenciando a artificialidade de tudo, impedindo, portanto, que o espectador seja imerso na narrativa. Chega a ser engraçado como o diretor para não decidir entra a linguagem de filme de ação e a de suspense, algo que se torna muito evidente com alguns planos abertos que não combinam nem um pouco com o restante da obra.
O mesmo sintoma abala a trilha sonora de Federico Jusid, que tenta criar uma atmosfera épica, exageradamente dramática, que faz parecer como se estivéssemos assistindo um filme de super-herói. A tentativa, claramente, é a de pintar essa mãe como heroína (e de fato ela é), mas tais melodias não funcionam de maneira orgânica, quebrando nossa atenção, como se a trilha fosse apenas encaixada nessa obra, não tendo sido composta para ela, aspecto que, também, traz mais inesperadas risadas ao espectador.
O Sequestro, portanto, acaba sendo mais filme de comédia do que efetivamente um thriller de ação, contando com mais humor não intencionado do que tensão efetivamente. Halle Berry soa extremamente artificial dentro desse contexto, não sendo, nem um pouco, ajudada pela errática direção de Luis Prieto, ou pela trilha de Federico Jusid, ambos exagerados demais em seus trabalhos. Ganhamos, pois, um exemplar que não foge do básico, sendo uma versão piorada de outros filmes da mesma temática, falhando miseravelmente em criar a tensão necessária a um longa-metragem sobre sequestro.
O Sequestro (Kidnap) — EUA, 2017
Direção: Luis Prieto
Roteiro: Knate Lee
Elenco: Halle Berry, Sage Correa, Chris McGinn, Lew Temple, Jason George, Christopher Berry, Arron Shiver, Kurtis Bedford
Gênero: Ação, Suspense
Duração: 95 min.
https://www.youtube.com/watch?v=R-Ht8VRPRvU
Crítica | S.O.S. – Tem um Louco Solto no Espaço
Quando falamos de comédia no cinema, um dos nomes de maior destaque certamente é o de Mel Brooks, que nos presenteara com verdadeiras pérolas, como O Jovem Frankenstein e Drácula – Morto Mas Feliz, além, é claro, de sua obra de estreia como diretor, Primavera Para Hitler. Em 1987, três anos após o término da trilogia original de Star Wars, o realizador, então, decide criar sua paródia da saga criada por George Lucas. Eis que surge Spaceballs, que fora “traduzido” no Brasil para S.O.S. – Tem um Louco Solto no Espaço, que, além de caricaturar a galáxia muito, muito distante, ainda aproveita para mexer com outros ícones da ficção científica, como Alien, Planeta dos Macacos e Star Trek.
A trama tem início com o lorde Capacete Negro (Rick Moranis), no comando de uma nave do planeta Spaceballs recebendo a missão de roubar o ar puro do planeta Druidia. Ao chegar na órbita do planeta, contudo, eles se deparam com a nave da princesa Vespa (Daphne Zuniga) e decidem a capturar. Com a vida de sua filha em perigo, o rei de Druidia (Dick Van Patten) entra em contato com Lone Starr (Bill Pullman), o único que pode ajudá-lo nessa crise. Cabe a esse viajante do espaço, que deve uma exorbitante quantia em dinheiro a Pizza the Hutt, resgatar a princesa e arranjar uma forma de derrotar os terríveis Spaceballs, tudo enquanto aprende mais sobre os caminhos do Schwartz.
O melhor dessa comédia de Mel Brooks é a maneira escrachada que o realizador constrói seu humor. Brooks não poupa absolutamente ninguém e realmente não impõe limites à sua comédia, que vai desde às paródias a Star Wars, até excepcionais quebras da quarta parede, chegando ao ponto dos personagens assumirem que estão em um filme, o que certamente nos presenteia com inúmeras gargalhadas ao longo da projeção. É preciso notar, porém, como o roteiro do próprio Brooks, em conjunto com Thomas Meehan e Ronny Graham, não sacrifica sua história a fim de criar o humor, ambos caminham de mãos dadas, ainda que alguns elementos estejam presentes apenas para uma gag específica, como o Coronel Sandurz. Spaceballs é, portanto, uma bela mistura de aventura e comédia, com ambos os gêneros coexistindo perfeitamente.
É interessante constatar como, apesar de ser uma grande paródia, o design de produção não deve a qualquer outro filme da época, com sequências no espaço que muito bem poderiam fazer parte de um filme “sério” (não fosse o fato da maioria das naves ter um design cômico, claro). Brooks ainda brinca com a própria essência da saga criada por George Lucas, ao retratar Druidia como um mundo medieval, a fim de representar a forte via de fantasia da franquia parodiada. Isso, claro, também explica a questão do ar puro, visto que Spaceballs é mais tecnocêntrico, Tendo, portanto, poluído toda sua atmosfera. Evidente que inúmeros dos designs são propositalmente exagerados, o que não tira o mérito de sua produção, como é o caso do capacete gigantesco do Lord Dark Helmet. É digno de nota, também, como alguns pontos criados por Brooks acabaram fazendo parte de Star Wars posteriormente, como o visual do planeta Spaceballs, que certamente inspirou as naves da Federação do Comércio.
Evidente que, por trás da comédia, há também a crítica ao aspecto mais comercial do blockbuster, especialmente aqueles que visam exclusivamente o merchandising. O roteiro pontua essa questão de forma cômica e brilhante, utilizando o mestre Yogurt (Mel Brooks) e Transformers para ilustrar essa ênfase na venda de figuras de ação e outros itens inspirados em filmes. Alias, o longa-metragem foi criado justamente na época que isso começou a surgir, já que a franquia dos robôs surgira apenas cinco anos antes. A obra serve, portanto, como um olhar dessa época pela mente de outro realizador, enxergando uma das mais significativas mudanças da indústria cinematográfica através do humor.
Spaceballs, ou S.O.S. – Tem um Louco Solto no Espaço, pois, é um filme que certamente trará boas risadas, ao mesmo tempo que nos entrega uma descontraída aventura aos moldes de Star Wars, o qual parodia. Mel Brooks acerta em cheio na forma como estabelece esse espelho distorcido da famosa saga, nos entregando memoráveis momentos, que certamente já foram eternizados na cultura pop. Obrigatório para qualquer um que aprecie uma boa comédia e/ ou, claro, Star Wars.
S.O.S. – Tem um Louco Solto no Espaço (Spaceballs) — EUA, 1987
Direção: Mel Brooks
Roteiro: Mel Brooks, Thomas Meehan, Ronny Graham
Elenco: Bill Pullman, Rick Moranis, John Candy, Mel Brooks, Daphne Zuniga, Dick Van Patten, George Wyner, Michael Winslow, Joan Rivers
Gênero: Comédia
Duração: 96 min
Crítica | Em Defesa de Cristo - Nem Jesus Salva Esse Filme
Obras como Deus Não Está Morto e sua continuação, A Cabana, Você Acredita?, dentre outras, evidenciam o crescimento do cinema cristão nos últimos anos – filmes esses que encontraram um bom mercado no Brasil, certamente fomentado por pastores e outros líderes religiosos, que incentivam seus seguidores a assistirem tais obras. Esse cinema evangelizador, porém, mais divide do que efetivamente convence, como é bem demonstrado no longa-metragem de Jon Gunn (diretor do já citado Você Acredita?), cuja mensagem basicamente diz que se você não acredita em Jesus, você está errado.
Baseado no livro de Lee Strobel, que consiste em sua própria história de como passou a acreditar em Deus, o filme coloca o próprio autor como protagonista, interpretado por Mike Vogel. Após quase testemunhar a possível morte de sua filha, salva por uma enfermeira presente no local, que dá crédito a Deus por ter a colocado ali, a esposa de Strobel, Leslie (Erika Christensen), converte-se ao cristianismo. Não aceitando tal fato, o marido, ateu e jornalista, inicia uma longa pesquisa para provar que Jesus jamais ressuscitou, desacreditando, portanto, toda a fé cristã, que tem como principal pilar justamente esse “fato”. Durante a investigação, porém, Lee passa a acreditar, não conseguindo encontrar dados capazes de acabar com essa fé.
O roteiro de Brian Bird é claramente tendencioso desde os minutos iniciais, retratando o protagonista como alguém intolerante das escolhas de sua esposa, visto que ele simplesmente não aceita o fato dela ter se convertido. Enquanto isso, as ações de Leslie, que tenta trazer o marido para o cristianismo e chega a levar seus filhos para a igreja é tratado como algo bom, isso partindo da mesma pessoa que, no início do filme, criticara o esposo por ter dito à filha que Deus não existe. Dessa forma, a obra revela com clareza a existência de duas medidas para dois pesos, criando oposição entre os dois lados, ao invés de simplesmente demonstrar como ambos podem coexistir de maneira respeitosa. A mulher é colocada na posição de vítima, como se os cristãos fossem uma minoria perseguida. Essa vitimização é aumentada pela investigação paralela de Lee, envolvendo um policial baleado, que claramente dialoga com a trama principal, de forma a evidenciar os erros no julgamento do personagem central.
Não bastasse isso, o texto faz de toda a conversão de Leslie algo puramente artificial, pautado unicamente no fato dela ter sido convencida pela enfermeira que salvara a sua filha. Chega a ser engraçado constatar que, se essa pessoa fosse, por exemplo, budista, teríamos um filme sobre um jornalista tentando provar a existência de Buda. Aliás, o puro fato de Lee tentar desacreditar a ressurreição de Cristo é sandice completa, considerando que essa base da fé cristã é justamente isso: fé – não podendo, jamais, ser provada efetivamente, por mais que o filme tente pregar o contrário.
Na tentativa de buscar mostrar como essa ampla pesquisa de Strobel o está afetando, o filme ainda traz trechos do personagem dormindo no sofá, negligenciando sua família e entregando-se à bebida, algo que é mostrado pontualmente, de maneira forçada, visto que na grande maioria do longa-metragem ele é retratado como alguém normal. Não existe a típica trajetória de queda do protagonista e sim momentos perdidos que o mostram na pior situação. Trechos como esse apenas aumentam a fragmentação narrativa, já proporcionada pela desnecessariamente longa e cansativa investigação, que poderia usufruir de alguns necessários cortes, tornando a obra mais dinâmica e menos repetitiva, com uma fórmula que se resume ao jornalista indo atrás de uma fonte (tendenciosa), que diz justamente o contrário do que ele queria escutar.
Pontos como esse de Em Defesa de Cristo um filme que exala artificialidade, uma evidente tentativa de evangelização, que retrata ateus como os vilões da história (através da figura do próprio protagonista). Dito isso, a obra funciona apenas para aqueles tão cegos em sua fé, que são incapazes de enxergar a unilateralidade desse longa, que diz tentar jogar dos dois lados, mas é tendencioso desde os segundos iniciais, pregando que a vida sem Cristo não é uma vida completa.
Em Defesa de Cristo (The Case for Christ) — EUA, 2017
Direção: Jon Gunn
Roteiro: Brian Bird (baseado no livro de Lee Strobel)
Elenco: Mike Vogel, L. Scott Caldwell, Erika Christensen, Faye Dunaway, Frankie Faison, Robert Forster, Brett Rice, Rus Blackwell
Gênero: Drama
Duração: 112 min.
Análise | Stardew Valley - Empreendedorismo de Fazenda
Games que simulam a criação e manutenção de fazendas não são nenhuma novidade no mercado, tendo ganhado inúmeras entradas, que vão desde Farmville até o famigerado Colheita Feliz. Nenhuma dessas obras, contudo, conseguiu ser o que Harvest Moon fora em seu auge: uma experiência verdadeiramente viciante, que oferecia inúmeras possibilidades ao jogador, não limitando o jogo a simplesmente cultivar suas plantações ou alimentar os diversos animais da fazenda. Eis que, na tentativa de resgatar o espírito perdido dos primórdios dessa franquia, surge Stardew Valley, o game que todos os órfãos dos primeiros Harvest Moon tanto esperaram.
Desenvolvido pela ConcernedApe, esse jogo indie tem como principal objetivo oferecer ampla liberdade ao jogador, não limitando nossa experiência com tarefas exaustivas, possibilitando que, essencialmente, façamos o que bem entendermos. Logo no início criamos nosso personagem, que pode ser menino ou menina, e o vemos abandonar seu terrível emprego na cidade grande a fim de se mudar para o campo, para cuidar da velha fazenda de seu avô. Chegamos, pois, a Stardew Valley, uma pequena cidadezinha e prontamente, após breve recepção do prefeito local, podemos explorá-la ou colocar a mão (controle mais precisamente) na massa e iniciar a vida de fazendeiro.
Aqueles que jamais jogaram um game do tipo provavelmente irão se perguntar por que raios iria perder seu tempo com um game sem objetivo ou trama bem definida. Stardew Valley, realmente, pode parecer algo “sem propósito”, mas ele resgata a própria essência dos videogames: o entretenimento. Não há competição, ou desafios obrigatórios e sim pura diversão. O objetivo em si, nós próprios escolhemos, seja ele construir uma gigante fazenda, melhorar todos as ferramentas, casar com alguém da cidade, explorar as minas locais, dentre inúmeras outras possibilidades. Cada uma dessas atividades trazem mecânicas simples e intuitivas, não requerendo infindáveis tutoriais, como nas versões mais recentes de Harvest Moon.
Isso, contudo, não quer dizer que o jogo não possua qualquer história. Cada um dos personagens possuem subtramas próprias, desenvolvidas através de curtas cutscenes que são desbloqueadas conforme atingimos certo nível de amizade, que pode se transformar em um relacionamento amoroso, como já dito anteriormente. Naturalmente que o casamento com alguém da cidade traz certos benefícios, com essa pessoa ajudando nas tarefas da fazenda. Além disso, logo no início do game descobrimos que um supermercado abriu as portas no local, ameaçando destruir toda aquela vida mais simples do campo – cabe a nós decidir se vamos ajudar o prefeito a expulsar essa rede ou se vamos “nos vender” e fortalecer as operações do mercado.
Não existe, porém, nenhuma pressão para cumprirmos qualquer meta. Apesar do jogo contar com um calendário bem definido, com eventos festivos em dias específicos, ele se repete ano após ano, permitindo que uma oportunidade perdida seja aproveitada posteriormente. A melhor maneira de experimentar essa obra em sua plenitude, portanto, é não se preocupando muito, fazendo o que quiser, quando quiser. Claro que as próprias mecânicas nos incentivam a definir certas prioridades – ver a fazenda crescer, por exemplo, é algo extremamente recompensador, especialmente considerando o estado lastimável que a encontramos no início do jogo, com tantos galhos, árvores e pedras no caminho que sequer espaço para cultivar temos.
A cereja no topo do bolo são os níveis de habilidade, aspecto tirado direto de RPGs, que aumentam conforme realizamos certas atividades. Desvendar os inúmeros níveis da mina local, quebrando rochas em busca de pedras preciosas, por exemplo, aumentará o nível da habilidade correspondente – o mesmo vale para pescaria e outras coisas que podemos fazer no game. Isso não amplia a sensação de recompensa do jogador, como possibilita que enxerguemos com maior clareza a evolução do personagem principal, fator que é acompanhado pela melhoria dos equipamentos, que podem ganhar upgrades no ferreiro local.
Os gráficos podem soar um tanto limitados, mas eles cumprem sua função plenamente, com uma arte simples, mas intuitiva e orgânica, permitindo a diferenciação de cada elemento em tela. Além disso, os personagens e cenários são muito bem diferenciados entre si, jamais confundindo o jogador. Dessa forma, a obra nos lembra que videogames não são sobre gráficos poderosos e sim sobre experiências capazes de nos entreter por horas e horas a fio – não que jogos realistas ao extremo devam ser desvalorizados, tudo varia da proposta do game em questão.
Stardew Valley, portanto, é um jogo de infinitas possibilidades, que nos permite simplesmente aproveitar o jogo pelo que ele é, sem ficarmos presos a um ou mais elementos em específico. Essa é uma obra pautada quase que inteiramente no gameplay, nos mergulhando nessa universo de tal forma que será difícil abandonar a fazenda e a cidadezinha a sua volta antes de jogar por dezenas de horas. Finalmente ganhamos o Harvest Moon que há tanto esperávamos.
Stardew Valley
Desenvolvedor: ConcernedApe
Lançamento: 26 de fevereiro de 2016
Gênero: Simulação
Disponível para: PC, Mac, Linux, PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch
Crítica | O Soldado do Futuro - O Primo Feio de Blade Runner
Antes de trabalhar na longa franquia de filmes Resident Evil, Paul W.S. Anderson dirigiu O Soldado do Futuro, obra espiritualmente parte do mesmo universo de Blade Runner, funcionando como um sidequel, ou seja, com eventos que ocorrem em paralelo ao longa-metragem de Ridley Scott. Roteirizado pelo co-roteirista da clássica adaptação de Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick, o filme de Anderson apresenta alguns conceitos similares ao seu “primo”, trazendo, inclusive, referências, como a batalha de Tannhauser Gate, citada por Roy Batty, em seu discurso próximo ao fim de Blade Runner, com um spinner aparecendo como easter-egg. Infelizmente, enquanto o longa de 1998 em tese herda o universo da obra de Scott, ela não apresenta sequer um terço de sua qualidade.
A trama tem início com o treinamento de Todd 3465 (Kurt Russell), criado desde cedo para ser o soldado ideal. De imediato ele já apresenta ter habilidades superiores aos seus colegas, fazendo dele o melhor de seu pelotão. Isso, porém, não é o suficiente para que ele supere os novos soldados geneticamente modificados do coronel Mekum (Jason Isaacs) e, em uma demonstração de proficiência, Todd é derrotado e tido como morto. Um tempo depois ele acorda no interior de uma nave de entulho, que o joga em um planeta distante, onde ele conhece uma comunidade que também ficara presa ali. Enquanto se aproxima dessas pessoas, o batalhão de Mekum é enviado para o mesmo setor, representando alto risco para todos que vivem ali.
Em essência, O Soldado do Futuro nada mais é que Pocahontas (ou Dança com Lobos) no espaço. O roteiro de David Webb Peoples é extremamente previsível e segue praticamente a mesma premissa desses dois filmes citados, com a principal diferença sendo, claro, o próprio Kurt Russell e seu personagem, que permanece calado a maior parte do tempo. Por ser completamente clichê, o texto já tira grande parte do envolvimento do espectador com os personagens da obra e Webb Peoples sequer se esforça para trazer algo de novo – do momento que Mekum anuncia a missão de ir até esse setor da galáxia, já sabemos precisamente o que irá acontecer.
Não ajuda, claro, o fato da construção de personagens ser praticamente inexistente. Como esperado, Todd é totalmente unidimensional e sua mudança de soldado impiedoso para homem preocupado com o bem-estar daqueles a seu redor não ocorre de forma gradativa, é apenas jogada em tela, com o texto sequer se preocupando em dar falas ao protagonista. A impressão que fica é que ele apenas luta para proteger aquela comunidade por ter se apaixonado por uma das mulheres locais, Sandra (Connie Nielsen) – romance esse, aliás, que é composto unicamente por trocas de olhares pouco expressivos, já que Russell veste o seu rosto de durão durante todo o longa-metragem.
Para piorar, a direção de Paul W.S. Anderson, que está longe de contar com uma invejável filmografia, parece se espelhar em aberturas de séries de televisão dos anos 1990, com direito a câmera lenta em excesso, alguns congelamentos que precedem a transição entre sequências, sem falar nas cenas de ação pouco envolventes, que apenas tornam evidente a péssima coreografia apresentada. A tragédia é tamanha que sequer conseguimos conter as risadas em determinadas cenas, de tão “bregas” ou artificiais, quebrando, claro, por completo a nossa imersão, que já era praticamente inexistente.
Nem mesmo esse universo “compartilhado” com Blade Runner soa tão atrativo aqui, já que os cenários são resumidos a terrenos sucateados, com poucos elementos a serem, de fato, observados pelo espectador. Em geral vemos ambientes ausentes de detalhes que permitem enxergarmos como é, de fato, aquela sociedade futurista, já que Anderson busca ocultar todo o espaço ao redor dos personagens, ora com planos mais fechados, ora com focos de luz ou escuridão, que nos impedem de explorar, com o olhar, todo o cenário. Trata-se, portanto, de uma ficção científica bastante pobre no seu visual, distanciando-se, dessa forma, de seu “primo”.
Mesmo que tenha sido imaginado como um sidequel da obra de Ridley Scott, O Soldado do Futurosoa muito distante de Blade Runner, configurando-se mais como um filme de ação genérico do que qualquer outra coisa. Com roteiro clichê e extremamente previsível, direção de arte pouco inspirada, direção que beira o ridículo e zero construção de personagens, não é a toa que esse filme tenha sido esquecido, já que sequer é capaz de entreter o espectador, por mais que esse almeje assistir algo descompromissadamente.
O Soldado do Futuro (Soldier) — Reino Unido/ EUA, 1998
Direção: Paul W.S. Anderson
Roteiro: David Webb Peoples
Elenco: Kurt Russell, Jason Scott Lee, Jason Isaacs, Connie Nielsen, Sean Pertwee, Jared Thorne, Taylor Thorne, Mark Bringelson, Gary Busey
Gênero: Ação
Duração: 99 min.
https://www.youtube.com/watch?v=4oeW9sflsdg
Crítica | Red 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos - Desnecessário
Levando em conta o sucesso comercial de RED, era apenas questão de tempo até vermos sua sequência chegando nos cinemas. Com fórmula obviamente atrativa ao público, com elenco de peso, não criar uma continuação seria basicamente jogar dinheiro no lixo. Evidente que, se tratando de Hollywood, não veríamos algo que efetivamente desenvolvesse esse universo – similarmente ao que vimos, recentemente, em Kingsman 2 ganharíamos nada mais que uma grande repetição do que veio antes e, como o título traduzido já diz, acompanhado do típico “ainda mais”, explorando ao ponto do exagero o que fizera do primeiro filme tão atraente, por mais que sua qualidade já não tenha sido algo surpreendente.
Dessa forma, RED 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos pode ser considerado como uma mera releitura do filme anterior, contando com um roteiro similar, no estilo fill in the blanks, no qual apenas algumas situações são alteradas, seguindo exatamente a mesma premissa. Podemos enxergar isso logo no ato inicial, que nos mostra Frank (Bruce Willis), novamente aposentado, fazendo compras com a esposa. Não demora muito para seu amigo, Marvin (John Malkovich), aparecer, dizendo que, mais uma vez, eles estão correndo perigo. Pouco após, Marvin é supostamente morto e é capturado, iniciando mais uma aventura com muitos tiroteios e assassinos/ ex-agentes na terceira idade.
Evidente que se o espectador meramente procura algo para passar o tempo, se divertir, RED 2 é uma ótima pedida, no melhor estilo “sessão da tarde”. Qualquer um que analise a obra com um certo olhar crítico, no entanto, irá enxergar que não se passa de um longa produzido à partir de uma receita de bolo, porém com menos cuidado que o seu antecessor. Tal aspecto é perceptível na atuação de Willis, que parece trabalhar em piloto automático, quase cansado daquela premissa (o que não deixa de fazer sentido, já que o agente aposentado reflete sua própria carreira como astro de cinema de ação). Esse cansaço, naturalmente, transparece em muitas das interações entre Frank e amigos, quebrando muito do encanto da obra original.
Não há como negar, porém, que muitas das situações apresentadas conseguem tirar boas risadas do espectador – nada tão memorável quanto a bala atingindo o míssil do primeiro filme, mas, ainda assim, são momentos que divertem e fazem dessa uma experiência bastante descompromissada. Por outro lado, repetir a fórmula de Sarah acompanhando os aposentados soa repetitivo demais – poderia ter sido ofertado um papel maior para a personagem, ou ter a descartado plenamente, afinal, muitas das piadas envolvendo a personagem funcionavam pela contraposição entre a vida comum e a desse grupo de pessoas, algo que desaparece nessa sequência, visto que a mulher já passou por momentos muito parecidos anteriormente.
Ao menos, a direção de Dean Parisot não traz muitos dos maneirismos de seu antecessor, Robert Schwentke, mais notavelmente os planos muito próximos e câmeras tremidas, que tanto prejudicaram nosso entendimento do primeiro longa-metragem. Mais conhecido por Heróis Fora de Órbita, Parisot sabe muito bem trabalhar com o elemento comédia da obra, criando um bom diálogo entre essas e as sequências de ação, por mais que essas, principalmente por conta do roteiro, não sejam assim tão engajantes.
Dito isso, RED 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos não passa de uma grande repetição do que veio antes, mais uma prova do interesse único dos estúdios na bilheteria e não na qualidade de seus filmes. Divertido, porém esquecível, essa continuação claramente não deveria ter saído do papel – teríamos ficado satisfeitos com o falho, mas engajante longa-metragem original.
RED 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos — EUA/ França/ Canadá, 2013
Direção: Dean Parisot
Roteiro: Jon Hoeber, Erich Hoeber
Elenco: Bruce Willis, John Malkovich, Mary-Louise Parker, Helen Mirren, Anthony Hopkins, Byung-hun Lee, Jong Kun Lee, Catherine Zeta-Jones, Neal McDonough, David Thewlis
Gênero: Ação, Comédia
Duração: 116 min.
https://www.youtube.com/watch?v=ZfB8QwYBPxY
Crítica | LJA: Torre de Babel - Batman contra Todos
Poucos são os heróis que se baseiam tanto na inteligência quanto Batman. Sua ausência de super-poderes, praticamente obriga o Homem-morcego a criar diferentes estratégias e táticas para cada inimigo enfrentado. Se podemos dizer algo sobre Wayne é que ele é um homem prevenido. Não é de se espantar, então, que o maior detetive do mundo dos quadrinhos tenha suas artimanhas anti-Liga da Justiça, as quais, se caírem nas mãos inimigas, certamente irão gerar muitos problemas para tais heróis.
Torre de Babel se baseia neste princípio, colocando as armas projetadas pelo Morcego nas mãos dos vilões. Na história, Ra’s Al Ghul, cansado do descuido da humanidade em relação ao mundo natural, deseja instaurar o caos através de um aparelho que impossibilita a decodificação de sinais e sons pelo cérebro (uma dislexia generalizada), que levaria a uma guerra generalizada. Para isso, contudo, ele precisaria desarmar os defensores da Terra. Tendo em mãos as contramedidas de Batman, o antagonista tira de jogada, um por um, cada um dos membros da Liga
A revelação de que os planos utilizados por Ra’s vieram dos computadores do vigilante de Gotham somente é revelada no meio da história, ainda assim não é este elemento surpresa que consegue prender os leitores na história. Vale lembrar que estamos falando de um dos arcos mais famosos da LJA, o que já tira grande parte das surpresas da trama. Plot-twists à parte, porém, a narrativa em questão é galgada na reação dos heróis ao descobrirem tais planos por parte de Batman, especialmente Clark que o considera um amigo próximo. Com isso em mente, a história ganha um ar mais intrigante a partir da terceira edição, quando passa a retratar a disposição de cada um em relação ao Homem-morcego.
Sabiamente, Mark Waid mantém Wayne fora de cena na maior parte dos quadrinhos, aumentando o suspense da narrativa e gerando a dúvida no leitor: qual será a explicação, de fato, para aquelas contra-medidas? Dito isso, a metáfora proposta pelo título da obra, primeiramente referente aos planos de Ra’s se estendem para essa falta de comunicação entre Bruce e seus aliados, nos levando para um último quadro que é, ao mesmo tempo, imprevisível e dramático, explorando as diferentes perspectivas do pensamento paranoico do Morcego e já prendendo o leitor nas histórias subsequentes.
O roteiro somente apresenta uma falha na resolução da problemática gerada pela Liga das Sombras. Além de ter sido fácil demais, ela se desenrola muito rapidamente, não dando espaço para uma maior tensão. Graças a isso, mais uma vez, o foco permanece nas relações interpessoais ao invés do típico “salvar o dia”.
O traço de Howard Porter e Steve Scott consegue transmitir todo o desconforto gerado no meio da Liga, explicitando as dúvidas de cada um em relação a Batman. Em um ou outro quadro acaba pecando pelo exagero nas expressões faciais, mas, em geral, cumpre sua função, agradando sem inovar, se mantendo dentro da estética moderna dos quadrinhos.
Torre de Babel é um arco curto e muito bem amarrado da Liga da Justiça. Apresenta uma interessante problemática que ganha ainda mais vida pelas repercussões bem retratadas por Mark Waid. Embora conte com seus deslizes no roteiro, estes não são o suficiente para estragar o bom andamento da trama, que certamente nos leva a ler de uma vez só, sem interrupções. É uma ótima prova de toda a paranoia de Batman, que não deixa de lado sequer seus amigos.
Liga da Justiça #43 a 46: Torre de Babel (Tower of Babel)
Publicação original: EUA, julho a outubro de 2000
Roteiro: Mark Waid
Arte: Howard Porter, Steve Scott
Arte-final: Drew Geraci, Mark Propst
Cores: John Kalisz
Crítica | Ó Pai, Ó - Falhas e um Bom Elenco
Baseado na peça de Márcio Meirelles, Ó Pai, Ó funciona como episódio piloto da série de mesmo nome. O que Monique Gardenberg tenta realizar aqui é um musical mergulhado na cultura nordestina, mais especificamente de Pelourinho, em Salvador. O resultado final, no entanto, consiste em uma amálgama de canções desconexas, com personagens não apropriadamente desenvolvidos, mantendo-se no raso e no estereotipado, não fazendo jus à riqueza dessa parcela da cultura Brasileira.
De início a trama nos apresenta uma série de personagens em seus ambientes de trabalho ou expressão artística. A obra não segue uma linha narrativa linear, vai pulando de foco em foco a fim de nos oferecer uma visão mais geral desse local, como se a intenção, de fato, fosse ter o próprio Pelourinho como protagonista e não os personagens que ali vivem. Tal recurso, contudo, vem como tiro pela culatra – falha em nos envolver por não termos alguém com quem possamos, de fato, nos relacionar. Bom exemplo disso é Roque, vivido por Lázaro Ramos. O pintor, de imediato, nos atrai através de seu carisma, mas ficamos sempre ansiando por enxergar mais do personagem, ansiedade essa que jamais é sanada, ao passo que a obra falha em desenvolver o artista, limitando sua atuação a algumas canções e interações com alto teor sexual.
Claramente, Gardenberg, tanto no roteiro, quanto na direção, estabelece a sexualidade como um dos pontos centrais de sua narrativa. Tudo é erótico ao extremo, desde o encostar de um personagem em outro, até os próprios olhares, cheios de desejo. Há uma atmosfera bastante quente que preenche toda a narrativa, mas até mesmo esse fator acaba se perdendo pela falta de foco apresentada pelo longa. Sentimos como se a diretora/roteirista não soubesse muito bem encaixar as melodias de seu longa na trama, fazendo tudo parecer artificial, especialmente quando, além da música, temos a dança dos personagens, que sempre nos pega de surpresa, chegando a provocar algumas inevitáveis risadas aqui e lá.
Ajuda nossa digestão, claro, a força do elenco principal, que conta com nomes como o já mencionado Lázaro Ramos e Wagner Moura, ambos em completo domínio de seus papéis. Os atores conseguem, em certos momentos, nos fazer esquecer que seus personagens carecem de desenvolvimento, especialmente Moura, que vive o estereótipo do marginal. Sem expressão pelo textos, seus personagens vivem através dos esforços dos atores, que, de fato, convencem. Além disso, é preciso notar como todos os indivíduos que acompanhamos em tela relacionam entre si de uma forma ou outra, passando a ideia de coletividade em base constante.
Ó Pai, Ó, portanto, é uma obra repleta de falhas evidentes, mas que conta com alguns pontuais elementos que se salvam. A intenção de Monique Gardenberg em transmitir uma atmosfera sexual em uma sociedade baseada na coletividade soa atrativa, mas a execução peca pela ausência de qualquer profundidade, que mantém os personagens na simplicidade, sem, de fato, terem espaço para nos cativar. Com músicas inseridas de maneira nada orgânica na narrativa, esse é um filme que poderia ter sido muito mais, mas que permanece ao lado de inúmeras outras esquecíveis produções nacionais.
Ó Pai, Ó — Brasil, 2007
Direção: Monique Gardenberg
Roteiro: Monique Gardenberg
Elenco: Lázaro Ramos, Dira Paes, Wagner Moura, Stênio Garcia, Luciana Souza, Emanuelle Araújo, Jamile Alves
Gênero: Drama, Comédia
Duração: 96 min.
https://www.youtube.com/watch?v=oYOPjcba1OI