Análise | Stardew Valley - Empreendedorismo de Fazenda

Games que simulam a criação e manutenção de fazendas não são nenhuma novidade no mercado, tendo ganhado inúmeras entradas, que vão desde Farmville até o famigerado Colheita Feliz. Nenhuma dessas obras, contudo, conseguiu ser o que Harvest Moon fora em seu auge: uma experiência verdadeiramente viciante, que oferecia inúmeras possibilidades ao jogador, não limitando o jogo a simplesmente cultivar suas plantações ou alimentar os diversos animais da fazenda. Eis que, na tentativa de resgatar o espírito perdido dos primórdios dessa franquia, surge Stardew Valley, o game que todos os órfãos dos primeiros Harvest Moon tanto esperaram.

Desenvolvido pela ConcernedApe, esse jogo indie tem como principal objetivo oferecer ampla liberdade ao jogador, não limitando nossa experiência com tarefas exaustivas, possibilitando que, essencialmente, façamos o que bem entendermos. Logo no início criamos nosso personagem, que pode ser menino ou menina, e o vemos abandonar seu terrível emprego na cidade grande a fim de se mudar para o campo, para cuidar da velha fazenda de seu avô. Chegamos, pois, a Stardew Valley, uma pequena cidadezinha e prontamente, após breve recepção do prefeito local, podemos explorá-la ou colocar a mão (controle mais precisamente) na massa e iniciar a vida de fazendeiro.

Aqueles que jamais jogaram um game do tipo provavelmente irão se perguntar por que raios iria perder seu tempo com um game sem objetivo ou trama bem definida. Stardew Valley, realmente, pode parecer algo “sem propósito”, mas ele resgata a própria essência dos videogames: o entretenimento. Não há competição, ou desafios obrigatórios e sim pura diversão. O objetivo em si, nós próprios escolhemos, seja ele construir uma gigante fazenda, melhorar todos as ferramentas, casar com alguém da cidade, explorar as minas locais, dentre inúmeras outras possibilidades. Cada uma dessas atividades trazem mecânicas simples e intuitivas, não requerendo infindáveis tutoriais, como nas versões mais recentes de Harvest Moon.

Isso, contudo, não quer dizer que o jogo não possua qualquer história. Cada um dos personagens possuem subtramas próprias, desenvolvidas através de curtas cutscenes que são desbloqueadas conforme atingimos certo nível de amizade, que pode se transformar em um relacionamento amoroso, como já dito anteriormente. Naturalmente que o casamento com alguém da cidade traz certos benefícios, com essa pessoa ajudando nas tarefas da fazenda. Além disso, logo no início do game descobrimos que um supermercado abriu as portas no local, ameaçando destruir toda aquela vida mais simples do campo – cabe a nós decidir se vamos ajudar o prefeito a expulsar essa rede ou se vamos “nos vender” e fortalecer as operações do mercado.

Não existe, porém, nenhuma pressão para cumprirmos qualquer meta. Apesar do jogo contar com um calendário bem definido, com eventos festivos em dias específicos, ele se repete ano após ano, permitindo que uma oportunidade perdida seja aproveitada posteriormente. A melhor maneira de experimentar essa obra em sua plenitude, portanto, é não se preocupando muito, fazendo o que quiser, quando quiser. Claro que as próprias mecânicas nos incentivam a definir certas prioridades – ver a fazenda crescer, por exemplo, é algo extremamente recompensador, especialmente considerando o estado lastimável que a encontramos no início do jogo, com tantos galhos, árvores e pedras no caminho que sequer espaço para cultivar temos.

A cereja no topo do bolo são os níveis de habilidade, aspecto tirado direto de RPGs, que aumentam conforme realizamos certas atividades. Desvendar os inúmeros níveis da mina local, quebrando rochas em busca de pedras preciosas, por exemplo, aumentará o nível da habilidade correspondente – o mesmo vale para pescaria e outras coisas que podemos fazer no game. Isso não amplia a sensação de recompensa do jogador, como possibilita que enxerguemos com maior clareza a evolução do personagem principal, fator que é acompanhado pela melhoria dos equipamentos, que podem ganhar upgrades no ferreiro local.

Os gráficos podem soar um tanto limitados, mas eles cumprem sua função plenamente, com uma arte simples, mas intuitiva e orgânica, permitindo a diferenciação de cada elemento em tela. Além disso, os personagens e cenários são muito bem diferenciados entre si, jamais confundindo o jogador. Dessa forma, a obra nos lembra que videogames não são sobre gráficos poderosos e sim sobre experiências capazes de nos entreter por horas e horas a fio – não que jogos realistas ao extremo devam ser desvalorizados, tudo varia da proposta do game em questão.

Stardew Valley, portanto, é um jogo de infinitas possibilidades, que nos permite simplesmente aproveitar o jogo pelo que ele é, sem ficarmos presos a um ou mais elementos em específico. Essa é uma obra pautada quase que inteiramente no gameplay, nos mergulhando nessa universo de tal forma que será difícil abandonar a fazenda e a cidadezinha a sua volta antes de jogar por dezenas de horas. Finalmente ganhamos o Harvest Moon que há tanto esperávamos.

Stardew Valley
Desenvolvedor:
 ConcernedApe

Lançamento: 26 de fevereiro de 2016
Gênero: Simulação
Disponível para: PC, Mac, Linux, PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch


Crítica | LJA: Torre de Babel - Batman contra Todos

Poucos são os heróis que se baseiam tanto na inteligência quanto Batman. Sua ausência de super-poderes, praticamente obriga o Homem-morcego a criar diferentes estratégias e táticas para cada inimigo enfrentado. Se podemos dizer algo sobre Wayne é que ele é um homem prevenido. Não é de se espantar, então, que o maior detetive do mundo dos quadrinhos tenha suas artimanhas anti-Liga da Justiça, as quais, se caírem nas mãos inimigas, certamente irão gerar muitos problemas para tais heróis.

Torre de Babel se baseia neste princípio, colocando as armas projetadas pelo Morcego nas mãos dos vilões. Na história, Ra’s Al Ghul, cansado do descuido da humanidade em relação ao mundo natural, deseja instaurar o caos através de um aparelho que impossibilita a decodificação de sinais e sons pelo cérebro (uma dislexia generalizada), que levaria a uma guerra generalizada. Para isso, contudo, ele precisaria desarmar os defensores da Terra. Tendo em mãos as contramedidas de Batman, o antagonista tira de jogada, um por um, cada um dos membros da Liga

A revelação de que os planos utilizados por Ra’s vieram dos computadores do vigilante de Gotham somente é revelada no meio da história, ainda assim não é este elemento surpresa que consegue prender os leitores na história. Vale lembrar que estamos falando de um dos arcos mais famosos da LJA, o que já tira grande parte das surpresas da trama. Plot-twists à parte, porém, a narrativa em questão é galgada na reação dos heróis ao descobrirem tais planos por parte de Batman, especialmente Clark que o considera um amigo próximo. Com isso em mente, a história ganha um ar mais intrigante a partir da terceira edição, quando passa a retratar a disposição de cada um em relação ao Homem-morcego.

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Sabiamente, Mark Waid mantém Wayne fora de cena na maior parte dos quadrinhos, aumentando o suspense da narrativa e gerando a dúvida no leitor: qual será a explicação, de fato, para aquelas contra-medidas? Dito isso, a metáfora proposta pelo título da obra, primeiramente referente aos planos de Ra’s se estendem para essa falta de comunicação entre Bruce e seus aliados, nos levando para um último quadro que é, ao mesmo tempo, imprevisível e dramático, explorando as diferentes perspectivas do pensamento paranoico do Morcego e já prendendo o leitor nas histórias subsequentes.

O roteiro somente apresenta uma falha na resolução da problemática gerada pela Liga das Sombras. Além de ter sido fácil demais, ela se desenrola muito rapidamente, não dando espaço para uma maior tensão. Graças a isso, mais uma vez, o foco permanece nas relações interpessoais ao invés do típico “salvar o dia”.

O traço de Howard Porter e Steve Scott consegue transmitir todo o desconforto gerado no meio da Liga, explicitando as dúvidas de cada um em relação a Batman. Em um ou outro quadro acaba pecando pelo exagero nas expressões faciais, mas, em geral, cumpre sua função, agradando sem inovar, se mantendo dentro da estética moderna dos quadrinhos.

Torre de Babel é um arco curto e muito bem amarrado da Liga da Justiça. Apresenta uma interessante problemática que ganha ainda mais vida pelas repercussões bem retratadas por Mark Waid. Embora conte com seus deslizes no roteiro, estes não são o suficiente para estragar o bom andamento da trama, que certamente nos leva a ler de uma vez só, sem interrupções. É uma ótima prova de toda a paranoia de Batman, que não deixa de lado sequer seus amigos.

Liga da Justiça #43 a 46: Torre de Babel (Tower of Babel)
Publicação original: EUA, julho a outubro de 2000
Roteiro: Mark Waid
Arte: Howard Porter, Steve Scott
Arte-final: Drew Geraci, Mark Propst
Cores: John Kalisz