Apostas para o Oscar 2021 - Quem vai ganhar e quem deveria

O Oscar 2021 vai acontecer neste domingo (25), coroando uma das temporadas de prêmios mais incomuns de todos os tempos. Em tempos de pandemia, é até difícil se importar com a famosa premiação da Academia, e o estado do mundo claramente se reflete na qualidade dos indicados, mas ainda assim preparamos algumas previsões.

Abaixo, separamos nossas apostas e desejos pessoais para cada uma das categorias do Oscar.

Confira!

Melhor Filme

Quem vai ganhar: Nomadland

Em um ano bem prejudicado pela pandemia, a temporada de prêmios ficou todos esses meses gritando para Nomadland, o drama existencial de Chloé Zhao que conta com uma intimista visão do interior dos EUA. E não parece que isso será diferente, já que o longa da Searchlight faturou vitórias importantes no PGA, DGA, BAFTA e Critics Choice Awards. Apesar de uma possível ameaça de Os 7 de Chicago (pelo contexto político), Nomadland é o franco favorito.

Quem deveria ganhar: Meu Pai

Melhor Direção

Quem vai ganhar: Chloé Zhao - Nomadland

Não existe outra resposta para essa pergunta. O percurso de Zhao ao longo de toda a temporada foi quase que invicto, com a cineasta faturando o DGA, BAFTA e incontáveis prêmios com a crítica desde o final do ano passado. É um trabalho competente, e que colocará Chloé Zhao como apenas a segunda mulher a vencer o Oscar de Direção, e a primeira mulher asiática a fazê-lo. Ninguém tira essa estatueta de Nomadland.

Quem deveria ganhar: Emerald Fennell - Bela Vingança

Melhor Ator

Quem vai ganhar: Chadwick Boseman - A Voz Suprema do Blues

Uma das grandes tragédias de 2020 no mundo do entretenimento foi a morte prematura de Chadwick Boseman, justamente quando o ator entregaria seu trabalho mais poderoso com A Voz Suprema do Blues. É argumentável que Boseman não seja a melhor atuação entre os indicados, vide o estrondoso trabalho de Anthony Hopkins em Meu Pai, mas a Academia certamente homenageará o ator com uma vitória póstuma.

Quem deveria ganhar: Anthony Hopkins - Meu Pai

Melhor Atriz

Quem vai ganhar: Viola Davis - A Voz Suprema do Blues

Esta certamente é a categoria mais imprevisível da noite. Não existe uma atriz favorita, todas as indicadas ganharam prêmios importantes ao longo da temporada e seja lá quem abrir o envelope neste dia 25, será uma surpresa. Porém, pela força do SAG, a aposta aqui vai para Viola Davis, que se tornaria apenas a segunda mulher negra a vencer na categoria.

Quem deveria ganhar: Vanessa Kirby - Pieces of a Woman

Melhor Ator Coadjuvante

Quem vai ganhar: Daniel Kaluuya - Judas e o Messias Negro

Se a categoria de Atriz promete ser uma surpresa, a de Ator Coadjuvante oferece um caminho bem mais claro. Interpretando o revolucionário Fred Hamtpon em Judas e o Messias Negro, Daniel Kaluuya oferece um trabalho notável, e que foi reconhecido com vitórias no SAG, Globo de Ouro, BAFTA e Critic's Choice. Uma vitória fácil para Kaluuya.

Quem deveria ganhar: Leslie Odom Jr. - Uma Noite em Miami

Melhor Atriz Coadjuvante

Quem vai ganhar: Yuh-jung Youn - Minari: Em Busca da Felicidade

Uma categoria que começou cheia de possibilidades no começo da temporada, e até abriu um sorriso para uma possível vitória de Maria Bakalova em Borat, mas que agora está bem direcionada para que Yuh-jung Youn seja coroada. Ela venceu o SAG e o BAFTA na categoria, e é certamente o maior destaque de Minari.

Quem deveria ganhar: Maria Bakalova - Borat: Fita de Filme Seguinte

Melhor Roteiro Original

Quem vai ganhar: Bela Vingança

Quando vemos o nome de Aaron Sorkin entre os indicados, é sempre bom apostar na máquina de escrever humana! E até parecia que Os 7 de Chicago seria o favorito nessa categoria, mas a força de Emerald Fennell com Bela Vingança foi crescendo exponencialmente, com vitórias no BAFTA e WGA. Será uma vitória bem merecida para aquele que, talvez, seja o texto mais original da temporada.

Quem deveria ganhar: Bela Vingança

Melhor Roteiro Adaptado

Quem vai ganhar: Meu Pai

Aqui, o favorito Nomadland pode faturar mais um Oscar para Chloé Zhao (que além de dirigir, escreveu e montou o longa todo), mas há uma curiosa competição. Borat: Fita de Cinema Seguinte venceu o WGA nessa categoria, enquanto o excelente Meu Pai saiu coroado no BAFTA. Creio que a Academia não vai deixar o trabalho de Florian Zeller sem nada na estante, então a aposta fica para essa maravilhosa adaptação teatral.

Quem deveria ganhar: Uma Noite em Miami...

Melhor Filme de Animação

Quem vai ganhar: Soul

Se a categoria de Melhor Filme sofreu com a ausência de outros lançamentos, a de animação é quase uma raspada de fundo de balde. Porém, o ótimo Soul se destaca e deve garantir mais uma vitória fácil para a Pixar, apesar da campanha forte da Apple TV+ pelo belo Wolfwalkers.

Quem deveria ganhar: Soul

Melhor Filme Internacional

Quem vai ganhar: Druk: Mais uma Rodada

O Brasil ficou fora da lista mais uma vez, e ainda que não tenhamos uma força da natureza como Parasita, a corrida está bem apontada para a Dinamarca. Druk: Mais Uma Rodada foi bem aclamado em festivais e ganhou prêmios importantes, e o grande fator está na categoria de Direção: a indicação de Thomas Vinterberg ali já sela a vitória do filme aqui.

Quem deveria ganhar: Druk: Mais uma Rodada

Melhor Documentário

Quem vai ganhar: Meu Professor Polvo

A categoria de documentários sempre apronta algumas surpresas ao longo da temporada, e o favorito As Mortes de Dick Johnson acabou ficando de fora. Ainda assim, a Netflix ainda deve sair vitoriosa aqui, seja por Crip Camp: Revolução por Inclusão (que tem o peso da família Obama na produção) ou o premiado Meu Professor Polvo. A aposta fica no segundo.

Quem deveria ganhar: Collective

Melhor Design de Produção

Quem vai ganhar: Mank

Quando Mank foi anunciado, parecia que finalmente teríamos um grande campeão do Oscar para David Fincher a própria Netflix. Porém, agora parece que essa vitória técnica será a única estatueta que o longa sobre Cidadão Kane vai faturar, visto as vitórias no BAFTA, Art Directors' Guild e outros sindicatos. Uma vitória expressiva.

Quem deveria ganhar: Meu Pai

Melhor Fotografia

Quem vai ganhar: Nomadland

A rapa de Nomadland vai se estender até o trabalho de fotografia de Joshua James Richards, que capturou belas imagens com luz natural no interior dos EUA, sendo reconhecido no BAFTA. Porém, há uma possibilidade do trabalho preto e branco belíssimo de Mank ser reconhecido aqui, já que o longa venceu um prêmio importante no American Society of Cinematographers.

Quem deveria ganhar: Mank

Melhor Figurino

Quem vai ganhar: A Voz Suprema do Blues

Uma categoria que sempre se beneficia de filmes de época, como os indicados indicam. Apesar de Emma ter o trabalho mais tradicional e que geralmente atrai prêmios, A Voz Suprema do Blues impressionou na temporada, tendo colecionados prêmios no BAFTA, Costume Designers Guild e Critics' Choice Awards.

Quem deveria ganhar: Mulan

Melhor Maquiagem & Cabelo

Quem vai ganhar: A Voz Suprema do Blues

Assim como na categoria anterior, temos um caminho bem apontado para a vitória de A Voz Suprema do Blues, especialmente pela caracterização de Viola Davis na personagem titular de Ma Rainey. Se há algum filme que poderia surpreender é Era Uma Vez um Sonho, pela ótima transformação de Glenn Close.

Quem deveria ganhar: Pinóquio

Melhor Montagem

Quem vai ganhar: O Som do Silêncio

Uma categoria que realmente está muito bem preenchida. Qualquer um dos vencedores é digno de levar a estatueta, mas os sinais apontam para um reconhecimento de O Som do Silêncio, que venceu no BAFTA. Na lanterna, Os 7 de Chicago pode sair vitorioso mesmo que não seja para ficar de mãos vazias (algo que a caríssima campanha da Netflix certamente não quer).

Quem deveria ganhar: Meu Pai

Melhores Efeitos Visuais

Quem vai ganhar: Tenet

O mesmo pensamento dos filmes de animação se aplica aqui: literalmente tivemos sobras, já que a maioria dos filmes blockbusters acabaram adiados. Assim, o caminho para que os efeitos impressionantes de Tenet vençam fica ainda mais livre, apesar da pesada campanha da Netflix para reconhecer O Céu da Meia-Noite. Essa uma categoria onde os filmes de Christopher Nolan costumam se dar bem.

Quem deveria ganhar: Tenet

Melhor Som

Quem vai ganhar: O Som do Silêncio 

Pela primeira vez, agora temos apenas uma categoria para reconhecer o trabalho sonoro no cinema (o que é uma decisão bem infeliz, sinceramente). Aqui, teremos uma vitória extremamente merecida de O Som do Silêncio, um dos poucos filmes (ao lado da mixagem em mono de Mank) que realmente usa o som de forma criativa para contar sua história.

Quem deveria ganhar: O Som do Silêncio

Melhor Trilha Sonora

Quem vai ganhar: Soul

Essa é uma das vitórias mais fáceis da noite toda. A maravilhosa trilha sonora de Trent Reznor, Atticus Ross e John Baptiste para Soul ganhou praticamente tudo ao longo dos últimos meses (Globo de Ouro, BAFTA, Critics Choice) e se destaca como uma das mais fáceis previsões desse Oscar.

Quem deveria ganhar: Tenet, que nem foi indicada?!

Melhor Canção Original

Quem vai ganhar: "Speak Now" - Uma Noite em Miami...

Entre bons candidatos na mistura, talvez a mais belíssima seja a simples e intimista canção de Leslie Oddom Jr. para Uma Noite em Miami, capturando bem o estilo de Sam Cooke no ótimo filme de Regina King. Ainda assim, o apelo popular de "Husavik" em Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit & Lars é forte (e merecido!) assim como a possibilidade de premiar Diane Warren por “Io Sí (Seen)”, de Rosa e Molmo.

Quem deveria ganhar: "Speak Now" - Uma Noite em Miami...


Crítica | The Mandalorian: 2ª Temporada - A ressurreição de Star Wars

2019 foi um ano complexo para o Star Wars da Disney. Ao mesmo tempo em que J.J. Abrams falhava em trazer uma conclusão satisfatória para a nova trilogia nos cinemas, com o medíocre A Ascensão Skywalker, a história de ficção científica ganhava uma nova roupagem no streaming do Disney+, com a espetacular primeira temporada de The Mandalorian, que colocava a saga de volta às suas raízes de serials, matinês e faroestes. Se o cinema falhou, Jon Favreau e Dave Filoni acertavam em cheio com a versão seriada de Star Wars.

Esse sucesso, tanto de público quanto de crítica (até mesmo o Emmy se rendeu à fofura de Baby Yoda), claramente dita um padrão de qualidade altíssimo para o futuro da franquia no streaming. E esse caminho começa a ser seguido, e agora em níveis ainda mais superiores, com a segunda temporada de The Mandalorian, que pode ser marcada pela expansão do universo do protagonista de Pedro Pascal para diversas outras áreas conhecidas pelos fãs, seja do cinema ou das séries de animação. No papel, parece a receita para o desastre e o fan service descarado, mas o resultado é absolutamente incrível.

A trama destes novos 8 episódios segue o fio deixado pela temporada anterior, onde o caçador de recompensas Din Djarin (Pascal) precisa cruzar a galáxia para levar a preciosa Criança para se reunir com algum Jedi, na esperança de treiná-lo. Ao longo de sua jornada, onde é constantemente perseguido por bandidos atrás do bebê e também por forças imperiais, representadas pelo imponente Moff Gideon (Giancarlo Esposito), o Mandaloriano descobrirá mais sobre sua própria crença, assim como figuras icônicas do universo de Star Wars.

Chegando nesta segunda temporada, não temos uma mudança radical na estrutura da narrativa. Assim como no ano anterior (e isso foi erroneamente criticado por muitos como filler) temos uma série de aventuras isoladas, com começo, meio e fim, que o Mandaloriano precisa participar para continuar avançando a trama da história principal. É uma tática divertida, e que - novamente - diz respeito ao material base onde George Lucas se inspirou para criar a saga, e que parece muito mais confortável nesse tipo de linguagem. As referências a faroeste continuam correndo soltas, com o primeiro episódio lidando com a clássica premissa de uma cidade dominada por um xerife (aqui, um carismático Timothy Olyphant que precisa se unir para enfrentar um grande monstro.

O gênero se expande até mesmo para o cinema de Akira Kurosawa, com o capítulo 13, onde Filoni cresce muito como diretor e bebe da fonte de Yojimbo para trazer uma das personagens mais queridas das animações para uma empolgante aventura em live-action. É uma forma classuda e elegante de se produzir conteúdo de Star Wars, e que é facilmente superior (e mais inventiva) do que a maioria das tentativas recentes que foram realizadas no cinema. Star Wars raramente teve um visual tão cinematográfico quanto em The Mandalorian, e a segunda temporada só melhorou isso.

E se os fãs das animações já devem ter ficado animados com a presença de diversos personagens de algumas das produções de Dave Filoni (sempre preenchendo uma necessidade narrativa), os espectadores dos filmes tiveram um prato cheio com o antepenúltimo episódio. Trazendo seu melhor trabalho em mais de uma década, Robert Rodriguez garante uma das cenas de ação mais brutais e empolgantes de toda a franquia para fazer jus ao retorno de Boba Fett, vivido com frieza e fúria pelo excelente Temuera Morrison. É o tipo de ação bruta e inventiva que certamente só alguém que brincava com bonequinhos quando criança seria capaz de realizar nas câmeras.

Há também, claro, uma participação especial no último episódio da temporada que levou os fãs loucura. Pessoalmente (e sem querer entrar em spoilers aqui), é uma ideia interessante e fascinante para os rumos da história e da mitologia da franquia, mas que acaba um tanto prejudicada pela péssima execução dos efeitos visuais envolvidos na... criação de um rosto digital, por assim dizer. Porém, tal escolha só mostra que a série do Disney+ não terá mais limites do que pode ou não acontecer no cânone da saga.

Mas o grande destaque de The Mandalorian segue sendo aquele que ajudou a tornar a série tão bem sucedida: a relação de seu protagonista sem rosto e o adorável Baby Yoda, que aqui teve seu nome revelado. Não deixa de ser impressionante como o apego emocional entre uma figura de capacete e um fanchote consegue ser tão envolvente e poderoso, e que Favreau e Filoni têm coragem de levar a um desfecho melancólico, mas cheio de potencial para os futuros episódios da saga.

A segunda temporada de The Mandalorian representa uma perfeita expansão de seu primeiro ano, seja na qualidade do trabalho de direção, nas histórias simples que ganham impacto pelos detalhes e o universo bem aproveitado de Star Wars, que soa mais vivo e fascinante no streaming do que nas telas do cinema. Mesmo depois de alguns tropeços, o futuro da saga volta a ser promissor.

The Mandalorian - 2ª Temporada (EUA, 2020)

Criado por: Jon Favreau e Dave Filoni, baseado nos personagens de George Lucas
Direção: Jon Favreau, Peyton Reed, Bryce Dallas Howard, Dave Filoni, Carl Weathers, Robert Rodriguez, Rick Famuyiwa
Roteiro: Jon Favreau, Dave Filoni, Rick Famuyiwa
Elenco: Pedro Pascal, Carl Weathers, Gina Carano, Timothy Olyphant, Tempera Morrison, Ming Na Wen, Rosario Dawson, Sasha Banks, Katee Sackhoff, Giancarlo Esposito, Bill Burr, Michael Biehn
Gênero: Aventura
Episódios: 8
Duração: 30-40 min

https://www.youtube.com/watch?v=eW7Twd85m2g


Crítica | Fargo: 4ª Temporada - Uma história de crime e imigração na América

Quando os historiadores e analistas da televisão voltarem os olhos para a década de 2010 em alguns anos, o destaque no ramo das séries de ficção provavelmente ficará em obras como Game of Thrones, Stranger Things, Better Call Saul e outros dramas de alto prestígio, seja no cabo ou no streaming. Mas, na opinião deste que vos escreve, nada foi tão gigante e perfeito quanto a série de antologia Fargo, do FX.

O projeto começou como uma simples adaptação/reinvenção do filme homônimo dos irmãos Joel e Ethan Coen, mas graças à genialidade do showrunner Noah Hawley, evoluiu para uma das séries mais originais, bem escritas e desafiadoras que a televisão americana viu em anos recentes. Foram 3 temporadas absolutamente magistrais, que contavam histórias diferentes dentro do mesmo universo, mas sempre com um olhar diferenciado - mantendo o humor satírico e outrora surrealista dos Coen, mas com seu próprio toque de originalidade. Uma quarta temporada nem estava nos planos de Hawley, que tem carta branca na emissora, então ao ver seu anúncio finalmente concretizado, eu já esfregava as mãos na expectativa de mais uma grande narrativa.

Porém, esta nova temporada de Fargo mostra que o raio não cai no mesmo lugar quatro vezes (já sendo algo admirável por se contar as três anteriores), sendo facilmente a coleção de histórias mais fraca e menos memorável que Noah Hawley já produziu na caixa de areia dos Coen. Ainda que, no fundo, ainda seja uma temporada sólida.

Mais uma vez retrocedendo no tempo, a nova temporada coloca a ação na Kansas City de 1959, onde a máfia italiana representada por Donatello Fadda (Tommaso Ragno) mantém uma trégua delicada com o sindicato afro-americano liderado pelo gângster Loy Cannon (Chris Rock). Quando o patriarca italiano é assassinado, seus imaturos e ambiciosos filhos, Josto e Gaetano (Jason Schwartzman e Salvatore Esposito) iniciam uma disputa para assumir o poder, ao passo em que uma guerra com a organização de Cannon se torna cada vez mais próxima. 

Um ano irregular, um elenco acertado

Adicione aqui uma inteligente escritora prodígio que mora na funerária dos pais e uma enfermeira psicopata absolutamente caricata, um policial mórmon com delírios de grandeza e um casal de foras da lei lésbico e temos uma ideia do que esperar do ano quatro de Fargo. No papel, parecem os ingredientes perfeitos para mais uma narrativa de erros e monólogos profundos, até mesmo porque o experimento anterior de Hawley com famílias mafiosas (na brilhante segunda temporada) havia sido um sucesso. Porém, Hawley demora para mostrar suas cartas dessa vez, deixando a impressão de que, ao longo dos mais de 10 episódios, não ter uma resolução em mente para a história.

A estreia da nova temporada ocorreu com um episódio duplo, onde somos apresentados de forma minuciosa e até um tanto arrastada para toda a dinâmica dos personagens e seus conflitos. E, desde o início, é uma proposta que parece demorar demais para entender seu próprio potencial. O vai-não-vai do conflito entre os Cannon e os Farda carece do mesmo texto rebuscado das temporadas anteriores, e ainda que eu saúda Hawley por tentar criar uma trama nova que não envolva “criminosos acidentais” e “forças da lei idealistas”, colocando aqui uma exploração bem-vinda sobre questões raciais na América; simplesmente não garante a empolgação e o estudo inteligente dos anos anteriores. Pode-se dizer que Hayley estava olhando mais para Ajuste Final do que Fargo dessa vez, onde a lenta tensão de uma escalada é o destaque, mas o resultado ficou abaixo do esperado.

As tramas em paralelo com a narrativa principal parecem correr em seu próprio ritmo e universo, tendo pouco em comum com o motte principal da série. A trama toda da enfermeira Oraetta Mayflower (Jessie Buckley, uma ladra de cenas) é divertida pelo carisma da atriz, e também pela circunstância mais intensa - principalmente quando se cruza com a inteligente personagem de Emyri Crutchfield, mas sempre surge como uma distração da narrativa principal, e que no final parece pouco justificado; especialmente com a bizarra presença de um "fantasma".

Quando estamos lidando com os irmãos italianos, Jason Schwartzman mostra-se uma escolha equivocada, por trazer um ar de extrema imaturidade para Josto (por mais que seja a proposta, o resultado destoa demais dos demais personagens), ganhando mais fôlego quando o ótimo Salvatore Esposito, na pele da figura detestável que adoramos odiar. E por falar em antagonistas com essa característica, Timothy Olyphant personifica com gosto uma das inversões mais bem sacadas dessa nova temporada: o policial mórmon Dick Wickware, que assume uma postura muito mais clara de vilão, ao contrário dos heróis das temporadas anteriores.

Mas se havia um nome que certamente atraía atenção nesta temporada é o de Chris Rock, naquele que talvez seja seu papel mais desafiador e complexo. É um ótimo personagem, mas que infelizmente demora cerca de 3 ou 4 episódios para realmente mostrar a que veio, ficando mais à sombra do parceiro Doctor Senator (Glynn Turman, excelente) durante essa metade inicial. Quando a história permite que Loy Cannon brilhe, Rock certamente faz um bom trabalho, principalmente com momentos mais dramáticos e longos monólogos de negociação. Ainda assim, fica a impressão de que o ator poderia ter sido muito melhor aproveitado, assim como seu personagem.

Maestria técnica

Em termos técnicos, porém, a quarta temporada de Fargo talvez seja a mais bem resolvida. Adotando uma paleta de cores mais quente, mesmo tratando-se de um período de inverno, todos os episódios garantem soluções de câmera elegantes e sequências que vão desde homenagens a Os Intocáveis até a alguns filmes dos Coen, sendo divertido ver o plano onde um dos agentes de Cannon enforca um de seus inimigos da mesma maneira que o Anton Chighurn de Javier Bardem fez em Onde os Fracos Não Têm Vez.

E se há um episódio que merece destaque aqui é aquele que claramente podemos rotular como filler. Lá pelo final da temporada, o nono episódio, chamado East/West, impressiona pela fotografia em preto e branco melancólica e pelo tom fabulesco; acompanhando a fuga de Rabbi Milligan (Ben Whishaw) com seu protegido, o pequeno Satchel Cannon (Rodney L. Jones III) pelas estradas rurais do interior dos EUA. É um capítulo que foge totalmente das maquinações frágeis da trama mafiosa para se dedicar a um ótimo estudo de personagem e propor questões profundas com o humor nonsense dos Coen. Foi apenas ao longo desses 50 minutos, tivemos um episódio realmente à altura da reputação magistral de Fargo.

No fim, é difícil negar o sentimento de desapontamento em relação ao quarto ano de Fargo. Ao longo de suas 10 horas, temos uma trama competente e com um nível relativamente aceitável de surpresas e reviravoltas, mas nada que chegue aos pés da genialidade de Noah Hawley nas três primeiras temporadas.

Fargo - 4ª Temporada (EUA, 2020)

Showrunner: Noah Hawley
Direção: Noah Hawley, Michael Uppendahl, Dearbhla Walsh, Dana Gonzales, Sylvain White
Roteiro: Noah Hawley, Enzo Mileti, Scott Wilson, Francesca Sloane, Lee Edward Colston, Stefani Robinson
Elenco: Chris Rock, Jason Schwarztman, Jessie Buckley, Emyri Crutchfield, Ben Whishaw, Salvatore Esposito, Jack Huston, Andrew Bird, Anji White, Timothy Olyphant, Glynn Turman, Rodney L. Jones III
Gênero: Drama/Comédia
Episódios: 11
Emissora: FX
Duração: 40-50 min