Crítica | Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um mostra sinais de cansaço e repetição
Ao longo de quase 30 anos em atividade, a franquia Missão: Impossível trilhou um caminho curioso para se estabelecer como uma das joias do cinema de ação contemporâneo. Abandonando algumas convenções do século passado, a saga de espionagem agora é ancorada na habilidade impressionante de Tom Cruise em arriscar a própria vida para realizar cenas espetaculares, que empurraram a jornada de Ethan Hunt em seu sétimo capítulo; agora dividido em duas partes, ambas capitaneadas por seu braço direito, o diretor Christopher McQuarrie.
Porém, a ambição e escala de Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um começa, pela primeira vez, a demonstrar alguns sinais de esgotamento e repetição de fórmula, infelizmente representando um dos pontos menos inspirados da tão consistente franquia.
A trama coloca mais uma vez o agente secreto Ethan Hunt (Cruise) em uma missão perigosa para a IMF, agora pra recuperar duas peças de uma chave misteriosa. O artefato, disputado por agentes do mundo todo, seria crucial para barrar a ameaça exponencial de uma inteligência artificial rebelde, conhecida apenas como a Entidade.
Durante todos os filmes anteriores, a fórmula de Missão: Impossível nunca mudou. Sempre envolveu o implacável Ethan Hunt em busca de um objeto misterioso (o mcguffin) com alguma capacidade de destruição mundial, e geralmente sua jornada acaba indo de encontro com os interesses e protocolos da IMF, forçando o protagonista e sua leal equipe - formada por Simon Pegg, Ving Rhames e agora Rebecca Ferguson - a agirem de forma clandestina. Todos esses elementos se repetem no sétimo filme da franquia, que em Acerto de Contas Parte Um não parece ter nada de muito inovador ou interessante para desenvolver; ainda mais tratando-se de apenas metade da história completa.
A ideia da inteligência artificial é divertida e surpreendentemente contemporânea, mas o roteiro de McQuarrie e do autor Erik Jendrensen é dolorosamente enfadonho. Ao longo de inchados 160 minutos, Acerto de Contas sofre com problemas de exposição, uma enorme quantidade de personagens em cena e até algumas redundâncias narrativas - já que o mistério do que as chaves abrem é mantido para os personagens durante todo o filme, mas revelado para o espectador literalmente na primeira cena. Além da obviedade, ainda há a sobrecarga de subtramas, que além de brincar com a ameaça de IA, ainda aposta em vilões do passado de Ethan, perseguidores independentes da CIA e conexões com antagonistas dos filmes anteriores. Nunca ficou tão evidente quanto neste sétimo filme que a "trama" é um mero pretexto para amarrar as diversas cenas de ação, algo que o próprio McQuarrie já revelou em algumas entrevistas.
No que diz respeito à ação, Acerto de Contas Parte Um segue mantendo o bom padrão de espetáculo da franquia. McQuarrie aposta em mais perseguições de carro, lutas de espada e até mesmo uma longa e complexa sequência envolvendo um trem, onde Tom Cruise ainda realiza o já famoso salto de motocicleta de um penhasco. São todos momentos bem coreografados e fotografados (agora pelo competente Fraser Taggart), mas sem o fator de novidade ou impressão que os superiores Nação Secreta e Efeito Fallout (também de McQuarrie) deixaram com muito mais gosto. Há também, para uma franquia tão orgulhosa de seu uso de efeitos práticos, uma dependência em telas verdes e CGI que certamente saltam aos olhos de forma negativa.
O que garante o investimento positivo aqui é, mais uma vez, o elenco. Tom Cruise mostra-se intenso e carismático como de costume, mas é a britânica Hayley Atwell quem rouba a cena, despejando charme e humor como uma ladra que acaba se envolvendo na missão da IMF. Ainda que a personagem de Atwell também seja uma repetição do mesmo tipo de arquétipo brilhantemente representado por Rebecca Ferguson, é inegável que sua presença garanta uma energia formidável ao projeto. Vale destacar também que Pom Klementieff faz um trabalho divertidíssimo como uma assassina de aluguel que constantemente persegue os heróis, compensando imensamente pelo fraquíssimo vilão principal vivido por Esai Morales.
Ainda que mantenha o nível de entretenimento e grande escala de seus anteriores, Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um acende um alerta para a franquia da Paramount. Por mais que Tom Cruise permaneça esforçado, o esgotamento de fórmula e repetição de convenções começam a se tornar muito evidentes, e talvez não sobrem lugares altos o suficientes para Ethan Hunt poder saltar mais uma vez.
Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um (Mission: Impossible - Dead Reckoning Part One, EUA - 2023)
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Christopher McQuarrie e Erik Jendresen
Elenco: Tom Cruise, Hayley Atwell, Rebecca Ferguson, Simon Pegg, Ving Rhames, Esai Morales, Pom Klementieff, Vanessa Kirby, Henry Czerny, Shea Whigham, Greg Tarzan Davis
Gênero: Ação
Duração: 163 min
https://www.youtube.com/watch?v=N-dsoMpDvLs&t
Crítica | Oppenheimer é o filme mais experimental de Christopher Nolan
Uma das figuras chave do lado americano na Segunda Guerra Mundial, o físico J. Robert Oppenheimer é conhecido como o pai da bomba atômica. Trabalhando como diretor do Projeto Manhattan na década de 1940, Oppenheimer liderou um time de cientistas para desvendar os segredos do átomos e desenvolver a bomba atômica antes dos nazistas. Há quem diga que Oppenheimer é uma das figuras mais importantes da História, moldando o mundo contemporâneo e a assombrosa capacidade de autodestruição nuclear.
É certamente nisso que Christopher Nolan acredita. Tendo trabalhado com grandes produções de ficção científica, ação inovadora e heróis de quadrinhos, Nolan enxerga em Oppenheimer seu objeto de estudo definitivo, em uma de suas raras produções que leva como base um material publicado - no caso, a biografia Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin. É também seu segundo filme inspirado em eventos reais, após o também ambientado na Segunda Guerra Mundial Dunkirk.
A trama segue a vida de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) desde seus dias como professor universitário até o convite do governo americano para liderar o projeto Manhattan. O objetivo é desenvolver a bomba atômica para encerrar a Segunda Guerra Mundial.
Muito mais próximo de sua linguagem mais complexa e focada em personagens, que moveram obras como Following, Memento e O Grande Truque, Christopher Nolan está em contato próximo com seu passado em Oppenheimer. É uma execução fascinante que parece combinar as ferramentas mais complexas e intrincadas do diretor, que assina o roteiro e trabalha com a montadora Jennifer Lame para construir um intrincado mosaico que salta constantemente no tempo; e que em seus momentos mais frenéticos se esforça para colocar o espectador na mente de seu protagonista, que enxerga a e recebe o tempo e espaço de uma forma muito requintada.
A atenção dispersada se reflete em uma narrativa dividida em duas linhas do tempo principais: a jornada de Oppenheimer para se juntar ao Projeto Manhattan e desenvolver a bomba e um julgamento anos depois que investiga suas conexões com o partido comunista. É uma estrutura complexa e que, em seus primeiros minutos, demora para acostumar o espectador, mas cujo resultado parece aproximar Oppenheimer de grandes thrillers políticos do passado, em especial o excelente JFK: A Pergunta que Não Quer Calar e também de produções mais modernas, como A Rede Social, de David Fincher. Uma experiência que não é fácil o tempo inteiro - especialmente durante a narrativa do julgamento -, mas que sempre mantém a narrativa acelerada e interessante.
Naturalmente, tudo envolvendo o arco do Projeto Manhattan representa o ápice de Oppenheimer. São inúmeras discussões e diálogos sobre a natureza do átomo, os limites da ciência e, surpreendentemente para uma obra de Nolan, uma elegante discussão política sobre os impactos que uma arma de destruição em massa resultaria não apenas para a comunidade científica; mas todo o mundo. Esse arco se desenrola e culmina em uma das grandes sequências que Nolan já realizou em sua carreira, transbordando tensão pela tela ao registrar o teste Trinity, que detonou a primeira bomba atômica no deserto de Los Alamos. É uma sequência formidável e que fica praticamente angustiante graças à excelente trilha sonora de Ludwig Göransson, que brilhantemente transforma sons abstratos de medidores de radiação em uma sinfonia apavorante.
Nunca antes Nolan foi tão experimental ou curioso como em Oppenheimer. Além de trazer seu apreço por narrativas não-lineares e sequências em paralelo, o filme também aposta em imagens surrealistas e brutais que raramente se manifestaram em sua carreira; com um grande enfoque em drama, emoções e até mesmo sexualidade. Chega a ser realmente curioso ver Nolan e o diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema usando as pesadíssimas câmeras IMAX, sempre usadas para grandes paisagens e quadros, agora servindo para registrar grandes discussões e - em especial - closes impactantes do rosto de seu protagonista. É o casamento do cinema blockbuster de grande escala com um íntimo e complexo estudo de personagem.
O que nos leva ao gigantesco elenco de Oppenheimer, que garantiu uma infinitude de astros de Hollywood, espalhados a cada frame de filme. Naturalmente, Cillian Murphy domina grande parte do filme, enfim ganhando o merecido espaço para brilhar e apresentar um J. Robert Oppenheimer complexo, enigmático e outrora contraditório. Em especial, o trabalho de Murphy para retratar a culpa e o ressentimento de Oppenheimer após a detonação da bomba garante o grande investimento dramático do filme, cujos olhos profundos e esbugalhados parecem ainda mais enigmáticos na película enorme do IMAX.
Ao longo do grande elenco coadjuvante, é de se destacar o excelente trabalho de Robert Downey Jr. como Lewis Strauss, que garante o ponto de vista principal durante a segunda linha do tempo. Há temos não víamos o ator, eternizado pelo papel do Homem de Ferro, de fato experimentando e trabalhando com um material versátil. Em uma medida similar, Emily Blunt quebra qualquer expectativa ao viver Kitty Oppenheimer, a nada fácil e até grosseira esposa do protagonista; que garante um dos melhores e mais importantes monólogos da produção. Dentre todos os excelentes intérpretes, Matt Damon oferece um contraponto bem humorado como o general Leslie Groves, o ator e diretor Benny Safdie brilha como o complexo Edward Teller e Florence Pugh, mesmo que em curta duração, garante uma peça crucial ao quebra-cabeças ao viver Jean Tatlock, amante de Oppenheimer.
Ao longo de suas 3 horas de duração, Oppenheimer definitivamente não é um filme fácil. É longo, denso e sua narrativa intrincada deve apresentar alguns desafios, mas o resultado final garante uma experiência satisfatória e impressionante. Aliando o cinema de grande escala com um estudo íntimo e profundo, Christopher Nolan oferece seu filme mais experimental até o momento, oferecendo um forte sopro de vida para o cinema histórico em Hollywood.
Oppenheimer (EUA, 2023)
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan, baseado no livro de Kai Bird e Martin J. Sherwin
Elenco: Cillian Murphy, Robert Downey Jr., Emily Blunt, Matt Damon, Florence Pugh, Kenneth Branagh, Rami Malek, Josh Hartnett, Jack Quaid, Alden Ehrenreich, Dane DeHaan, Josh Peck, Tom Conti, David Dastmalchian, Dylan Arnold, Gary Oldman, Jason Clarke, Casey Affleck e Benny Safdie
Gênero: Drama
Duração: 181 min
https://www.youtube.com/watch?v=9-lJZ-r5XoU
Crítica | Barbie é uma jornada existencialista e fora da caixa
Após anos mergulhado no longo inferno de desenvolvimento de Hollywood, finalmente chega a hora da Barbie ganhar as telas do cinema em live-action. Certamente um dos brinquedos mais famosos do mundo, a boneca da Mattel ganhou uma infinitude de longas animados ao longo das décadas passadas, mas foi preciso o star power de Margot Robbie e a escolha nada óbvia de Greta Gerwig para dar vida ao projeto - que certamente é fora da caixa.
A história do filme começa na mítica Barbielandia, quando Barbie a vivida por Margot Robbie começa a questionar a artificialidade de seu mundo plástico, levando a uma série de acontecimentos estranhos. Para encontrar a verdade, ela embarca em uma viagem para o mundo real, acompanhada do atrapalhado Ken, vivido por Ryan Gosling.
Desde o início, o projeto de Barbie é literalmente fora da caixa. A ideia de recrutar Greta Gerwig, saída de um início promissor de carreira como diretora após os premiados Lady Bird e Adoráveis Mulheres, e seu marido Noah Baumbach, também elogiado e premiado por obras como História de um Casamento, desde já indica que Barbie não é um filme qualquer; ou uma mera peça publicitária para encher os cofres da Mattel - ainda que essa consequência seja inevitável.
O roteiro assinado por Gerwig e Baumbach é criativo e ousado, trilhando pelo caminho mais sábio ao abordar produtos famosos: a metalinguagem, praticamente seguindo a fórmula brilhantemente aperfeiçoada pela animação Uma Aventura LEGO. Todas as Barbies e Kens são versões reais de suas contrapartidas de brinquedo, garantindo uma imersão na artificialidade proposital de sua terra - garantindo um trabalho fenomenal de design de produção e a fotografia de Rodrigo Prieto - e as performances de seus intérpretes que contribui para o bem pontuado tom de humor do longa - que constantemente está quebrando a quarta parede, fazendo referências a si próprio e até mesmo comentando a indústria cinematográfica; mérito da hilária narração onisciente de Helen Mirren.
Gerwig também bebe da fonte de obras como O Show de Truman e Matrix, ao trazer sua protagonista questionando a realidade e apontando falhas na "perfeição" de seu pequeno mundinho. A referência logo joga Barbie em uma jornada de peixe fora da água, com a protagonista e Ken conhecendo os abusos e contradições do mundo real, com consequências surpreendentes em especial para o personagem de Gosling - que passa por uma reviravolta inusitada ao descobrir que os homens têm poder fora da Barbielândia.
Evitando entrar em spoilers, é uma reviravolta que certamente contribui para os temas abordados em Barbie, mas que podem soar repetitivos e até redundantes em sua abordagem; certamente evidenciando o quão livre Gerwig foi durante o processo de roteiro. Dentro desse núcleo, o humor excessivamente cartunesco também pode incomodar aqueles que não embarcarem 100% na galhofa, já que números musicais exageradamente cafonas podem cansar com o tempo.
Dito isso, Barbie consegue triunfar graças a uma jornada emocional forte e catártica com sua personagem principal. Ainda que dependa de arcos humanos pouco desenvolvidos com a personagem de America Ferrera, a Barbie de Margot Robbie atinge níveis de Toy Story ao atingir sua reta final, garantindo uma excepcional performance da atriz australiana - que combina o melhor de seu carisma explosivo e radiante com uma inesperada carga dramática.
Ainda que imperfeito, Barbie garante uma abordagem original e audaciosa para lidar com bonecos inanimados. Injetando boas referências e uma surpreendente dose de existencialismo, o filme de Greta Gerwig consegue o raro feito de apresentar uma obra absolutamente autoral em meio à maquina de produção hollywoodiana - e financiada por uma empresa de vender brinquedos, ainda por cima.
Barbie (EUA, 2023)
Direção: Greta Gerwig
Roteiro: Greta Gerwig e Noah Baumbach
Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera,Will Ferrell, Simu Liu, Issa Rae, Emma Mackey, Michael Cera, Kate McKinnon, Kingsley Ben-Adir, Alexandra Shipp, Ncuti Gatwa, Helen Mirren e Rhea Perlman
Gênero: Comédia
Duração: 114 min
https://www.youtube.com/watch?v=4diQ09nsY7E
Crítica | Sobrenatural: A Porta Vermelha é o capítulo mais fraco da franquia
Iniciada em 2010 de forma muito modesta pelo diretor James Wan e o roteirista Leigh Whannell, a franquia Sobrenatural é outra lucrativa criação do cinema de terror moderno. Após praticamente inaugurarem o torture porn em Hollywood com Jogos Mortais, a dupla ofereceu um olhar marcante para o clássico subgênero de casa mal assombrada, com um thriller instigante e que gerou uma saga que perdura até hoje.
Após alguns prelúdios e spin offs ao longo dos últimos anos, Wan e a Blumhouse trazem a história de volta para seu núcleo original com Sobrenatural: A Porta Vermelha, que volta a se concentrar na família Lambert, em especial o agora adolescente Dalton, vivido por Ty Simpkins e seu pai Josh, vivido por Patrick Wilson - que também faz sua estreia na direção.
Apesar do bom conceito e da promessa de retornar a saga às origens, o resultado em A Porta Vermelha é fraquíssimo. Nota-se que a ausência de Whannell no roteiro (trabalhando apenas no argumento), carece o longa de algo realmente inovador ou interessante, já que Scott Teems não oferece material o suficiente para desenvolver ou explorar seus personagens. Nenhuma nova característica ou criatura do "Further" é explorada, com apenas o passado misterioso envolvendo o pai de Josh surgindo como novidade.
Mas o grande problema infelizmente é Patrick Wilson. Diretor de primeira viagem, a inexperiência do ator mostra-se um fator realmente incômodo, já que até mesmo as mais simples cenas de diálogo e interação humana falham em provocar emoção, humor ou seriedade. Falta verdade e carisma a cada uma das entregas, onde até mesmo o próprio Wilson não surge com seu carisma e talento habitual, evidenciando que o astro não foi muito eficiente em dirigir a si próprio.
No lado do terror, Wilson faz o possível para simular a linguagem de James Wan, em atmosfera e antecipação, mas não faz muito além de oferecer jump scares baratos e sustos que são facilmente previsíveis. Há uma boa sequência envolvendo um exame de ressonância magnética (tirada diretamente de O Exorcista), mas definitivamente não há um terror forte o suficiente em A Porta Vermelha; além de um triste desperdício da criatura demoníaca vermelha vivida pelo compositor Joseph Bishara.
De longe, o resultado do quinto Sobrenatural se garante como o mais fraco da franquia até agora. O que era para ser uma conclusão digna de uma ótima franquia acaba sendo uma péssima despedida, que praticamente implora para um sexto filme a fim de amarrar melhor as pontas.
Sobrenatural: A Porta Vermelha (Insidious: The Red Door, EUA - 2023)
Direção: Patrick Wilson
Roteiro: Scott Teems
Elenco: Ty Simpkins, Patrick Wilson, Rose Byrne, Sinclair Daniel, Leigh Whannell, Angus Simpson, Lyn Shaye, Joseph Bishara
Gênero: Terror
Duração: 107 min
https://www.youtube.com/watch?v=6qLJdMzNGmM&t=3s
Crítica | The Flash é uma espetacular jornada pelo multiverso da DC
Poucas produções hollywoodianas foram tão amaldiçoadas quanto The Flash. Desde a ideia original da Warner Bros de produzir um longa-metragem do velocista escarlate no início dos anos 2000 até o lançamento do novo filme de Andy Muschietti, a jornada foi árdua e repleta de reviravoltas; dentro e fora das câmeras, com a mais recente envolvendo a polêmica figura pública do astro Ezra Miller.
Além dos problemas internos, The Flash ainda é lançado durante um período de incerteza da DC, que deve enfrentar mais um grande reboot de suas propriedades no cinema. Entre todas as questões enlouquecedoras a seu redor, ao menos é reconfortante atestar que o longa funciona sozinho como um grande filme.
Na trama, o corredor Barry Allen (Miller) segue trabalhando como o Flash ao lado da Liga da Justiça. Desenvolvendo sua habilidade para correr na velocidade da luz, ele planeja voltar no tempo para impedir o assassinato de sua mãe (Maribel Verdú), mas acaba criando uma perigosa nova linha do tempo sem a presença de outros heróis.
Analisando a premissa e a campanha de marketing do filme, que aposta no retorno do Batman de Michael Keaton e a introdução da nova Supergirl de Sasha Calle, havia o risco de o Flash ser um coadjuvante em seu próprio filme. Felizmente, o resultado é muito mais concentrado e sólido do que o esperado, graças ao ótimo roteiro de Christina Hodson (de Bumblebee e Aves de Rapina), que triunfa em reunir os diferentes tratamentos anteriores - de nomes como Joby Harold, Jonathan Goldstein e John Francis Daley - em uma história que é essencialmente sobre Barry Allen, e que ao mesmo tempo em que serve como uma aventura multiversal, também funciona perfeitamente bem como um filme de origem e introdutório à mitologia do herói.
Apoiando-se na clássica premissa de "Flash bagunça a linha do tempo", Hodson é hábil ao explorar um dos subgêneros mais consagrados da Sétima Arte: a viagem no tempo. A situação na qual Barry se mete é completamente derivada de clássicos como De Volta para o Futuro, e o texto se diverte ao colocar seus personagens discutindo e teorizando sobre paradoxos, mas especialmente na decisão brilhante de colocar Barry Allen para contracenar com uma versão mais jovem e ingênua de si mesmo.
Isso garante uma performance genuinamente espetacular do controverso Ezra Miller, que balanceia o papel duplo ao tentar fazer seu Barry "original" amadurecer às pressas diante da situação vulnerável; além de lidar com a tragédia envolvendo sua mãe. Ao mesmo tempo (literalmente), ele brilha como a hilária versão mais estúpida de Barry, que garante diversos momentos de humor bem aplicados e, assim como o protagonista, uma jornada de amadurecimento que culmina em reviravoltas muito interessantes; e que honram a fórmula da viagem no tempo.
E por mais que Miller seja o destaque absoluto, há espaço de sobra para que Michael Keaton brilhe em seu triunfal retorno como Batman. Ainda que bem mais ágil e atlético do que seu trabalho nos filmes de Tim Burton, Keaton se diverte e oferece um papel coadjuvante forte, especialmente pela reverência com a qual Muschietti retrata sua iconografia. De forma similar, a introdução de Sasha Calle como Supergirl surge de uma inversão de expectativas de O Homem de Aço que é surpreendente, e a jovem atriz latina garante uma boa presença e muito carisma como a prima mais velha de Kal-El.
Tendo dirigido as duas partes de It: A Coisa para a Warner Bros, Andy Muschietti é mais um diretor de terror que migra para o gênero de quadrinhos; seguindo os passos de Sam Raimi, James Wan e David F. Sandberg. O cineasta argentino apresenta uma visão dinâmica e rica, que parece olhar diretamente para a arte dos quadrinhos como principal inspiração, apostando em sequências que abrem mão do realismo mais prático de diretores como Christopher Nolan, mas que valoriza a grandeza e o senso de espetáculo de seus personagens poderosos: tudo envolvendo a hiper velocidade do Flash é visualmente espetacular, especialmente durante a sequência de abertura ao lado do Batman de Ben Affleck.
O único problema grave está mesmo nos efeitos visuais. Durante todo o filme, a impressão é de que The Flash é um filme não finalizado, seja pela renderização de seus cenários digitais ou até mesmo elementos mais simples, como a nítida cobertura digital que diversos dos trajes do herói têm; e eu apostaria seguramente que Ben Affleck jamais vestiu o traje do Cavaleiro das Trevas nesse filme, já que seu rosto parece "flutuar" por trás do capuz o tempo todo.
Há também um dos momentos que os fãs mais calorosos da DC já estão sonhando há tempos, onde Muschietti usa dos efeitos visuais para vislumbrar o vasto multiverso da editora. É uma sequência realizada inteiramente através de efeitos digitais, e que pessoalmente não me ofereceram nada além de um mero fan service - com uma ou duas participações genuinamente especiais. O filme em si é muito maior e mais aproveitável do que isso, felizmente.
Mas é um mero detalhe. O resultado final de The Flash é uma obra surpreendentemente coesa e divertida, que tem seus melhores momentos quando aposta nas infinitas discussões sobre viagem no tempo e paradoxos. Independente do que o futuro da DC possa ser nos próximos anos, The Flash certamente será lembrado como um dos pontos mais especiais de sua História.
The Flash (EUA, 2023)
Direção: Andy Muschietti
Roteiro: Christina Hodson
Elenco: Ezra Miller, Michael Keaton, Sasha Calle, Michael Shannon, Maribel Verdú, Ron Livingston, Kiersey Clemmons, Antje Traue, Ian Loh
Gênero: Aventura
Duração: 144 min
https://www.youtube.com/watch?v=u7RjQ3pyqLE&t
Crítica | Transformers: O Despertar das Feras joga muito no seguro
Após cinco filmes comandados pela visão megalomaníaca de Michael Bay e um spin-off surpreendentemente emotivo, a franquia Transformers busca formas de se reinventar. Os filmes de Bay não foram exatamente queridinhos com a crítica, mas encheram os cofres da Paramount Pictures com bilhões de dólares em bilheteira; enquanto o derivado Bumblebee, de Travis Knight, fez o oposto ao apresentar um filme muito elogiado, mas não tão lucrativo financeiramente.
16 anos após o lançamento do primeiro filme, o estúdio tenta combinar os dois modelos de negócio com Transformers: O Despertar das Feras, uma espécie de reboot que tenta balancear o espetáculo rentável de Bay com o olhar mais intimista de Knight. O resultado, infelizmente, não acrescenta muito de novo ao jogo.
Na trama, o jovem Noah (Anthony Ramos) precisa desesperadamente de um emprego estável para ajudar seu irmão doente. Quando ele aceita roubar um carro esportivo de uma empresa, Noah se surpreende ao descobrir que o veículo é um Transformer da raça Autobot, que pede sua ajuda para recuperar um artefato valioso que pode levar seus colegas de volta ao planeta natal.
Escrito por um batalhão de cinco roteiristas, O Despertar das Feras é consideravelmente melhor do que diversos de seus anteriores. Bebendo da fonte de Bumblebee, o filme tem um investimento emocional forte na relação familiar de Noah e seu irmão mais novo, o que garante um primeiro ato sólido e que permite ao espectador torcer para que o protagonista tenha sucesso; e toda a sequência com o primeiro contato com os Transformers, garantindo uma boa cena de perseguição, é realmente inspirada e divertida, assim como o carismático transformer Mirage, que tem voz de Pete Davidson.
É um bom ponto de partida, mas que se torna apressado demais para levar o filme o mais rápido possível para a ação: se Noah tem uma relação crível com sua família, toda a amizade e parceria construída com os robôs transformistas é bem artificial e forçada. A jornada para caçar o macguffin obrigatório, que traz a estagiária de museu vivida por Dominique Fishback, também não é das mais empolgantes, e acaba presa em uma das muitas variações que esse tipo de narrativa já ofereceu na franquia Transformers - com pistas, transformers ancestrais escondidos e locações remotas ao redor do mundo, mas agora com a categoria de "animais transformers".
E por falar em animais transformers, os chamados Maximals garantem excelentes criações digitais da sempre eficiente equipe de efeitos visuais. O líder Optimus Primal (sério) é uma das figuras mais expressivas e carismáticas que a franquia já ofereceu, e o cineasta Steven Caple Jr. parece se aproveitar muito mais das expressões mais humanizadas nos robôs.
Já na ação, Caple Jr. é um cineasta muito mais pragmático e consistente do que Michael Bay. Sua visão certamente carece da escala e espetáculo que tornavam os filmes anteriores - mesmo que incompreensíveis - ao menos visualmente impressionantes. Tudo na mise en scéne de Caple Jr. é fácil de acompanhar e seguir, mas pouco memorável ou inovador. De novidade, só a bizarra ideia envolvendo uma cena de ação com Noah e Mirage no clímax, que definitivamente nos faz questionar o que é um filme de Transformers - mas não no sentido positivo da coisa.
Sem grandes novidades ou riscos (ao menos desconsiderando a curiosa cena pós-créditos), Transformers: O Despertar das Feras é um filme extremamente seguro. Traz bons momentos de ação e personagens carismáticos, mas não o suficiente para tornar a experiência realmente especial ou memorável. Um pouquinho de megalomania Bay faria bem.
Transformers: O Despertar das Feras (Transformers: Rise of the Beasts, EUA - 2023)
Direção: Steven Caple Jr.
Roteiro: Joby Harold, Darnell Metayer, Josh Peters, Erich Hoeber e Jon Hoeber
Elenco: Anthony Ramos, Dominique Fishback, Pete Davidson, Peter Cullen, Peter Dinklage, Michelle Yeoh, Ron Perlman, Colman Domingo, Liza Koshy, Tobe Nwigwe, Cristo Fernandéz
Gênero: Ação
Duração: 127 min
https://www.youtube.com/watch?v=uEaHZpxeL4c&t=5s
Crítica | Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma sequência digna e ambiciosa
Enquanto o Homem-Aranha era explorado de diferentes formas em suas encarnações no cinema live-action, com um acordo inédito entre a Sony Pictures e a Marvel Studios incorporando o herói no universo dos Vingadores, o verdadeiro ouro estava nas animações. Em uma aposta livre da Sony na dupla Chris Miller e Phil Lord, o estúdio alcançou algo genuinamente especial com Homem-Aranha no Aranhaverso, célebre animação de 2018 que colecionou prêmios e elogios - entre eles, o Oscar na categoria.
Cinco anos depois, em uma indústria que literalmente passou a utilizar das ferramentas e estilos de Aranhaverso, a dupla Miller e Lord retorna com uma ambiciosa continuação em duas partes para a saga multiversal de Miles Morales, tendo início com Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, que segue o altíssimo padrão de qualidade do filme anterior.
A trama segue mais uma vez o jovem Miles Morales (voz de Shameik Moore), que tenta equilibrar sua vida adolescente com a responsabilidade de ser o Homem-Aranha de Nova York. Quando sua amiga Gwen Stacy (voz de Hailee Steinfeld) mais uma vez surge através de outra dimensão, os dois embarcam em uma jornada que envolve um grupo das melhores versões do Aracnídeo através do multiverso, liderados pelo enigmático Miguel O'Hara (Oscar Isaac), que investiga uma poderosa ameaça para a estrutura do universo.
Por mais que o primeiro filme do Aranhaverso seja uma obra que abraça o potencial da escala grandiosa, ao apresentar infinitas versões de seu personagem-título, seu charme reside justamente na simplicidade: a história de origem. Felizmente, por mais que a sequência de fato seja maior em escala e ambição, o roteiro da dupla Miller e Lord ao lado de Dave Callaham (de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis) segue com um foco preciso nas emoções humanas e relacionamentos entre os personagens - agora oferecendo uma atenção ainda maior à Gwen de Steinfeld, que é igualmente complexa como Miles.
Mais impressionante ainda é notar como o roteiro do trio aproveita inúmeras pontas soltas e elementos de história do anterior para conjurar sua trama central. Seja na ótima justificativa para a existência do desastrado vilão Mancha (dublado por Jason Schwartzman) ou na surpreendente mudança de perspectiva que toda a transformação de Miles no Homem-Aranha ganha a partir da visão complexa de Miguel O'Hara, que oferece uma inteligente puxada de tapete na própria jornada do herói - e também em toda a mitologia "canônica" estabelecida do Homem-Aranha em suas décadas nos quadrinhos e cinema.
Com um investimento narrativo sólido (mesmo que um tanto repetitivo em seu primeiro ato), Através do Aranhaverso mantém o fator inovador do original ao seguir surpreendendo com suas técnicas de animação. Agora sob o comando do trio de diretores Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson, a continuação ousa ainda mais no mix dinâmico de estilos, texturas e contagens de frame; agora com destaque para a visão próxima de uma pintura aquarela para o mundo de Gwen Stacy ou os movimentos derivativos de um recorte de papel para o hilário Spider-Punk (dublado por Daniel Kaluuya). A quantidade gigantesca de novas variantes do Aranha também possibilitam diversas brincadeiras estéticas inspiradas, além de participações especiais que certamente deixarão os fãs animados - e prontos para uma caçada infinita por easter eggs a cada frame.
Mantendo-se fiel ao estilo e cuidado do original, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma sequência digna e ambiciosa. Ainda que claramente esteja servindo como a primeira parte de uma história maior, a equipe criativa triunfa mais uma vez ao testar os limites da tela animada, e aumenta as expectativas para sua promissora conclusão.
Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (Spider-Man: Across the Spider-Verse, EUA - 2023)
Direção: Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson
Roteiro: Chris Miller, Phil Lord e Dave Callaham
Elenco: Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Oscar Isaac, Jake Johnson, Lauren Vélez, Brian Tyree Henry, Jason Schwartzman, Daniel Kaluuya, Karan Soni, Issa Rae, Shea Whigham
Gênero: Aventura
Duração: 140 min
https://www.youtube.com/watch?v=-d320RI4RGc
Crítica | A Pequena Sereia desperdiça potencial com visão limitada de Rob Marshall
Dentre todas as animações no vasto leque de joias preciosas da Disney, não há dúvidas de que A Pequena Sereia é uma de suas obras mais especiais. Lançada pela talentosa dupla Ron Clements e John Musker em 1989, a animação foi um tremendo sucesso e inspirou gerações, e a ideia de transformá-la em um live-action, como tem sido o modelo nos últimos anos, inspira medo: afinal, é uma história que exigiria um gigantesco domínio técnico, tratando-se de um projeto quase que inteiramente ambientado embaixo da água.
Seguindo o sucesso dos remakes de A Bela e a Fera, Aladdin e O Rei Leão, a Disney de Bob Iger ataca com força agora na reinvenção do clássico dos anos 1990, apostando na voz da novata Halle Bailey e do diretor Rob Marshall para o ambicioso novo projeto. Infelizmente, o resultado fica pela metade do caminho, justamente por conta da visão limitada de seu realizador.
Repetindo todas as etapas do filme de 1989, a trama do filme apresenta a sereia Ariel (Halle Bailey), que sonha em conhecer o mundo da superfície, mas é constantemente bloqueada por seu pai super protetor, o Rei Tritão (Javier Bardem). Quando Ariel salva o carismático Principe Eric (John Hauer-King) de um naufrágio, ela busca uma forma de se tornar humana e se juntar ao mundo terrestre.
A esta altura do campeonato, é bem evidente o modelo de negócios da Disney em torno dos controversos remakes live-action. É uma agressiva capitalização da nostalgia por animações populares da década de 1990, mas que normalmente costumam cair nos mesmos problemas: repetição sem brilho da história, poucas novidades e, no caso das obras mais fantasiosas, realismo exagerado para animais falantes - vide o desastroso Rei Leão de Jon Favreau, lançado nos cinemas em 2019. Quase todos esses elementos podem se aplicar à Pequena Sereia de 2023.
Em especial, o desafio técnico para criar mundos submarinos parece algo muito além dos talentos de Rob Marshall. Ainda que tenha dirigido o vencedor do Oscar Chicago, Marshall teve experiências desastrosas com filmes de grande orçamento (e todos para a Disney), com "destaque" para o fraquíssimo Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, cujo grande mistério reside em como o projeto conseguiu gastar mais de US$370 milhões no orçamento. Com A Pequena Sereia, Marshall tem dificuldade em criar ambientes que sejam visualmente interessantes ou coerentes em sua proposta ultra realista, já que o CGI para criar cabelos em movimento embaixo da água distrai bastante, e a escolha de reduzir as fontes luminosas nas profundezas (com exceção de um inspirado balé de águas-vivas) garante uma experiência escura e preguiçosa.
A procura pelo realismo também bate de frente com os elementos mais fantasiosos do universo de A Pequena Sereia: todos os peixes e animais marinhos abrem mão de caracterizações estilizadas para destacar seres realistas e, sinceramente, assustadores. Acompanhar longos diálogos, piadas e especialmente números musicais com criaturas empalhadas digitalmente rende uma experiência incômoda, e a beleza do número musical "Under the Sea" garante um espetáculo de "vale da estranheza" que será difícil de esquecer; capitaneado por um Sebastião (com voz de Daveed Riggs) que assombrará meus piores pesadelos com seus olhos vazios e profundos.
Toda essa primeira metade de A Pequena Sereia é dolorosa, e eu estava pronto para abandonar o navio e declarar este mais um remake fracassado. Porém, a situação muda drasticamente no momento em que Ariel se torna humana, com ajuda da feiticeira Ursula (uma inspirada Melissa McCarthy), e passa a maior parte do tempo na terra. Talvez seja o enfoque em personagens de carne osso e ambientes mais humanos, mas Rob Marhsall se torna muito mais interessante aqui, sendo eficiente em contar uma excelente história de amor entre Ariel e o Príncipe Eric.
Isso também porque a novata Halle Bailey mostra-se uma ótima atriz. Além de soltar a voz com maestria durante os diversos números musicais submarinos, Bailey tem uma presença típica do cinema mudo ao compor uma Ariel que, incapaz de falar, se expressa através de olhares, linguagem corporal e tiques que tornam sua personagem imediatamente carismática e interessante. Sua química com o expressivo John Hauer-King funciona, e o resultado consegue ser vastamente superior ao romance do casal na animação - já que o roteiro de David Magee é inteligente em expandir os eventos e criar mais situações que permitem a fluidez do romance dos dois, e que realmente eleva exponencialmente o resultado final.
Uma pena que toda essa porção seja apenas um elemento de A Pequena Sereia, que ainda precisa se concentrar em mais elementos fantasiosos em seu clímax, novamente prejudicado pela visão limitada de Marshall para o espetáculo (Não dá pra tentar fazer No Fim do Mundo tendo dirigido Piratas 4). O resultado acaba bem desequilibrado, mas que ao menos garante algum respiro graças à ótima história de amor, bem carregada por seu inspiradíssimo casal central.
Nas mãos de um James Cameron (ou até James Wan), o resultado poderia ter sido grandioso.
A Pequena Sereia (The Little Mermaid, EUA - 2023)
Direção: Rob Marshall
Roteiro: David Magee, baseado na obra de Hans Christian Andersen
Elenco: Halle Bailey, John Hauer-King, Javier Bardem, Melissa McCarthy, Daveed Diggs, Awkwafina, Jacob Tremblay
Gênero: Aventura, Romance
Duração: 142 min
https://www.youtube.com/watch?v=EwV8daDfvuM
Crítica | Velozes e Furiosos 10 não sabe a hora de parar
Em andamento nos cinemas desde 2001, é de se admirar a resiliência da franquia Velozes e Furiosos em tentar construir uma narrativa e linha do tempo coerente. Sem reboots, alterações temporais ou prelúdios, a saga dos corredores de Dom Toretto permanece uma das histórias mais fascinantes de evolução de franquia em Hollywood, que atinge agora a marca impressionante de um décimo capítulo em 2023 - sem contar o derivado Hobbs & Shaw.
Após algumas turbulências nos bastidores, que contaram com a substituição do diretor Justin Lin (responsável por cinco dos dez longas da saga) pelo francês Louis Leterrier, já acostumado com pancadarias e carros após o sucesso de Carga Explosiva 2. Mas se Velozes e Furiosos já virou uma grande festa de linchamento público das leis da Física há tempos, Velozes e Furiosos 10 deixa bem claro que a piada já está ficando sem graça.
Na trama, Dom Toretto (Vin Diesel) lida com os desafios da paternidade ao cuidar de seu filho Brian (Leo A. Perry) ao lado da esposa Letty (Michelle Rodriguez). Mas a paz de Toretto e sua família de corredores é quebrada quando o lunático Dante (Jason Momoa) ressurge das cinzas dos eventos de Operação Rio para obter vingança contra os heróis.
Não que Velozes e Furiosos já tenha sido um exemplo de lógica narrativa, mas é realmente decepcionante encontrar neste décimo filme um retcon tão preguiçoso e sem graça quanto a introdução de Dante. O filho de um vilão do passado que o público não sabia que existia, e que serve à desesperada tentativa da franquia em exacerbar o lore e a mitologia de seus personagens - onde o próprio Diesel já comparou com o trabalho de J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis. Isso só torna a experiência de Velozes 10 extremamente repetitiva e cansativa, já que todas essas situações e suas variações já foram experimentadas antes, onde o próprio Velozes 9 já lidava com temas de paternidade e figuras obscuras do passado.
O roteiro escrito por Dan Mazeau e Justin Lin ainda peca por suas ambições exageradas ao quebrar o núcleo da história em múltiplas partes: em seus 140 minutos, o espectador seguirá a missão de Dom, os demais integrantes da familia perdidos em Londres, a subtrama bizarra de Letty com a vilã Cipher (Charlize Theron), o ex-vilão Jakob (John Cena) agindo como tio legal em um road movie e toda a saga de vingança de Dante. É uma estrutura que exigiria muito mais peso e elementos interessantes para os demais personagens, mas que deixa bem evidente que o filme em si só se importa com Toretto e Dante, com o restante da "Família" servindo apenas como distrações descartáveis. Curiosamente, o que faz falta é o roteirista Chris Morgan, que reformulou e entendeu as dinâmicas de equipe a partir de Desafio em Tóquio, e abandonou o barco após Hobbs & Shaw.
O que se salva mesmo é a adição de Jason Momoa. Ainda que sua inserção na trama seja absurda, o astro de Aquaman se diverte horrores na pele de Dante, que age como a figura anárquica e descontrolada aos moldes do Coringa da DC. Momoa é exagerado, afetado e não poupa nos maneirismos, dando origem a uma figura que passa longe de ser ameaçador ou um verdadeiro perigo, mas que é sempre capaz de injetar humor e pulso ao filme - invalidando completamente a ideia descartável de outro vilão do governo perseguindo Toretto (no caso, o inexpressivo Alan Richson). Um vilão carismático e que definitivamente merecia mais tempo.
Mas o que realmente importa em Velozes e Furiosos são as cenas de ação, disso não há dúvida. Entrando de última hora em uma produção que escalonou seu orçamento para a casa dos US$340 milhões, Leterrier se sai de forma eficiente em apresentar boas sequências de perseguição, lutas corporais e toda a escala cartunesca que a franquia passou a adotar em seus últimos anos. Infelizmente, após confrontos com tanques de guerra, cofres gigantes, submarinos nucleares na Antártida e até viagens ao espaço, parece ter pouco que Velozes possa fazer para surpreender e divertir o espectador, e o décimo filme certamente carece de um grande momento aos moldes dos anteriores.
O destaque fica para uma boa sequência de perseguição em Roma, onde Leterrier abandona um pouco a montagem excessiva e os efeitos visuais de apoio para uma cena com efeitos práticos notáveis e uma boa geografia da capital italiana. De quebra, é nesta sequência que Velozes 10 é capaz de oferecer ao menos um momento estupidamente brilhante, que envolve Toretto, um guindaste e uma bomba redonda. Definitivamente um dos destaques.
No fim, realmente não parece haver mais ideias malucas para a turma de Vin Diesel com Velozes e Furiosos 10. As maquinações de história e personagens surgem mais cansadas do que nunca, e com exceção do vilão de Jason Momoa, nem o espetáculo parece ser capaz de surpreender. Vai ser difícil aguentar uma segunda (e talvez até terceira) parte do encerramento.
Velozes e Furiosos 10 (Fast X, EUA - 2023)
Direção: Louis Leterrier
Roteiro: Dan Mazeau e Justin Lin
Elenco: Vin Diesel, Michelle Rodriguez, Jason Momoa, Tyrese Gibson, Ludacris, Nathalie Emmanuel, Sung Kang, Jordana Brewster, John Cena, Charlize Theron, Jason Statham, Daniela Melchior, Brie Larson, Rita Moreno, Helen Mirren, Alan Ritchson
Gênero: Ação
Duração: 142 min
https://www.youtube.com/watch?v=2UMNQ-61Bg0&t=3s
Crítica | Guardiões da Galáxia Vol. 3 é o melhor filme do MCU
Ao longo da última década, o nome de James Gunn foi se tornando um dos mais interessantes e poderosos no cinema de quadrinhos. Saído do terror gore e satírico, Gunn encontrou seu espaço na Marvel Studios com o impopular grupo dos Guardiões da Galáxia, rapidamente transformando os heróis cósmicos em algumas das figuras mais aclamadas dos fãs de quadrinhos dos últimos anos.
A história do cineasta com os mercenários galácticos quase terminou de forma lamentável quando Gunn foi demitido da produção do terceiro filme, o que só possibilitou sua passagem para o lado da DC, onde dirigiu O Esquadrão Suicida e atualmente coordena toda linha de produção da empresa - com um novo Superman já em andamento.
Felizmente, a Disney deu a Gunn uma última chance de se despedir de seus personagens, eo cineasta entrega com Guardiões da Galáxia Vol. 3 um filme completamente fora da caixa e triunfal; que se destaca imediatamente como a melhor produção do estúdio até agora.
A trama do filme volta a seguir o grupo dos Guardiões da Galáxia, agora atuando como protetores da sociedade de Luganenhum. Quando Rocket (Bradley Cooper) é atacado pelo misterioso Adam Warlock (Will Poulter), o Senhor das Estrelas (Chris Pratt) organiza uma missão desesperada para salvar seu amigo, indo em confronto direto com o maligno Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji).
Seguindo uma estrutura convencional de grandes trilogias do passado, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é um capítulo muito mais sombrio e pessoal do que seus antecessores. O toque particular de Gunn em misturar humor cartunesco e escatológico serve bem posicionado como de costume, mas os traumas profundos de seus personagens são bem mais evidenciados aqui; em especial do guaxinim Rocket, que é o destaque absoluto da narrativa, que enfim apresenta os flashbacks que detalham sua aterradora história de origem.
Em uma série de cenas corajosas e perturbadoras, Gunn testa os limites de seu uso de CGI (e da classificação rigorosa da Disney) para contar como Rocket foi criado em um experimento cibernético do Alto Evolucionário. Intercalando-se com a narrativa central dos Guardiões, os clipes de Rocket ganham mais impacto graças à presença de um grupo de outros animais do mesmo experimento, o que resulta em algumas das sequências mais tristes e chocantes que um filme do gênero já apresentou, muito em prol da excelente performance de Chukwudi Iwuji como um dos vilões mais odiosos da história do MCU. Não há tantos riscos ou viradas mirabolantes de trama em Guardiões 3, mas sim um interesse gigantesco em aprofundar os sentimentos e relações de seus personagens; e o guaxinim falante de CGI desde já configura-se como uma das figuras mais complexas e empáticas que Hollywood apresentou nos últimos anos.
Não que Gunn deixe todo o restante de lado. Com uma missão mais pessoal e com um risco sombrio, todos os demais personagens surgem mais maduros e com seus próprios arcos a serem cumpridos: Chris Pratt nunca esteve tão bom quanto Peter Quill, ao passo em que as dinâmicas entre Mantis (Pom Klementieff), Drax (Dave Bautista), Nebulosa (Karen Gillan) e Groot (Vin Diesel) atingem novos níveis de dramaturgia, enfim amadurecendo o grupo. Há também o elemento brilhante de se trazer uma nova versão de Gamora, permitindo que Zoe Saldaña explore um lado muito mais grosseiro e antipático da guerreira, constantemente batendo cabeças com Quill - que ainda sofre de amor e luto por sua perda (em Vingadores: Guerra Infinita).
E além do excelente trabalho dramático, James Gunn faz de Guardiões da Galáxia Vol. 3 sua definitiva obra como cineasta. Ainda trabalhando com o diretor de fotografia Henry Braham, seu filme é consideravelmente mais rico visualmente do que outros exemplares lavados e genéricos do MCU, onde Gunn aproveita a variedade estética de seus múltiplos planetas e ambientes (onde uma instalação espacial formada por material orgânico causa grande fascínio), além de constantemente explorar possibilidades inventivas com sua câmera e design de produção.
A visível inspiração de Gunn também se reflete nas cenas de ação, com destaque para um plano longuíssimo que acompanha todos os Guardiões lutando contra inimigos em um corredor apertado. É sem sombra de dúvida o maior momento da carreira de Gunn como diretor, e também uma das poucas sequências de um filme de super-heróis que fizeram meu queixo cair no chão, tamanha a habilidade e maestria em tela - e que ainda se beneficia de ter Beastie Boys como sua canção central.
Habilidoso em seu ritmo mesmo com a longa duração, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é um filme completamente diferente dos demais do MCU. Graças à dedicação apaixonada de James Gunn, a conclusão da trilogia surge como uma empreitada emocionante, divertida e que sopra um pouco de vida para o tão desgastado gênero dos super-heróis. Definitivamente, James Gunn fará falta para a Marvel Studios, mas eu mal posso esperar para ver o que ele fará em seguida.
Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians of the Galaxy Vol. 3), EUA - 2023
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldaña, Dave Bautista, Karen Gillan, Bradley Cooper, Vin Diesel, Pom Klementieff, Chukwudi Iwuji, Sean Gunn, Will Poulter, Elizabeth Debicki, Maria Bakalova, Sylvester Stallone, Nathan Fillion
Gênero: Aventura
Duração: 150 min
https://www.youtube.com/watch?v=OP7hoPmIy6Q