Crítica | Blade Runner: O Caçador de Andróides (Versão Final) - A Obra-prima de Ridley Scott
São poucos os filmes realmente capazes de fazer o espectador se sentir dentro de seu universo. Seja através da fotografia, do design de produção ou do figurino de seus personagens, essa sensação de imersão é essencial para qualquer história, independente do gênero ou temática. Com Blade Runner: Caçador de Andróides, não só Ridley Scott talvez tenha concebido o filme mais atmosférico de todos os tempos, mas também um dos exemplares mais desafiadores, belos e poéticos do rico âmbito da ficção científica.
Baseado no conto Do Androids Dream of Electric Sheeps?, de Philip K. Dick, a trama se ambienta na Los Angeles de 2019, tendo início quando um grupo de Replicantes (máquinas virtualmente idênticas a humanos) escapa de uma colônia de escravos atrás da companhia que os criou, a fim de garantir um tempo de vida maior. Evitando criar pânico na população, a polícia envia o blade runner – um caçador de andróides – Rick Deckard (Harrison Ford) para localizar e eliminar o grupo antes que atinjam seu objetivo.
Já havia assistido a Blade Runner umas duas vezes em casa, até enfim ter a oportunidade de contemplá-lo na tela grande, graças à sessão dos Clássicos da rede Cinemark. Talvez tenha sido a qualidade da projeção, ou mesmo a imperdoável chuva que vem encharcando as ruas de São Paulo, mas me senti compelido a escrever sobre esta obra que cada vez mais cresce no meu conceito. Pelo que li, o roteiro de Hampton Fancher e David Webb Peoples passa longe do texto de Dick, adotando meramente termos e situações, partindo então para uma narrativa independente e que se beneficia imensamente de simbolismos e filosofia. O Replicante Roy Batty (o inesquecível Rutger Hauer) realmente é um sujeito mal apenas por desejar tempo a mais de vida, outrora limitada a meros 4 anos como um escravo numa colônia espacial? Não é irônico que Deckard lentamente começa a se apaixonar pela Replicante Rachael (Sean Young) mesmo tendo consciência de sua posição? Finalmente, não é a maior das hipocrisias se o grande caçador de andróides for, como apontam algumas hipóteses, um Replicante ele mesmo?
Todas essas questões Scott aborda com maestria, criando ao lado do diretor de fotografia Jordan Cronenweth (isso mesmo, pai do Jeff, habitual fotógrafo de David Fincher) algumas das mais lindas imagens já registradas no gênero. O visual da Los Angeles futurista, dominada por prédios faraônicos (o conglomerado da Tyrell é quase uma grande pirâmide, e faz sentido já que, se os Replicantes são escravos, seus fabricantes seriam os imperadores) e ruas com forte presença asiática, decadência e bueiros expelindo névoa constantemente é fortíssimo, sendo excepcional em criar um universo cyberpunk palpável e realista dentro de sua proposta de sci fi noir, além de fazer uso de todas as ferramentas que só o audiovisual é capaz de oferecer.
A cena em que Deckard persegue o primeiro andróide pela rua é um exemplo perfeito de elementos cinematográficos se combinando para criar algo realmente especial: a montagem de Marsha Nakashima e Terry Rawlings garante um ritmo de ação genuíno, enquanto a imperdoável chuva garante uma paleta fria pelas mãos de Cronenweth e, como poderia me esquecer, uma arrepiante música pelas mãos do compositor grego Vangelis, que rapidamente transforma a empolgante caçada numa tragédia catártica no momento em que Deckard dispara o primeiro tiro mortal. É altamente simbólico que a roupa de plástico da fugitiva pareça um par de asas enquanto corre, especialmente quando estraçalha uma vidraça, como uma espécie rara buscando a liberdade. E quando vemos a lágrima recém escorrida pelo rosto da Replicante sem vida? Gênio.
Mas entre inúmeros momentos memoráveis, aquele que certamente fixa-se na mente dos fãs é o diálogo final entre Deckard e Roy, o famoso monólogo de “Lágrimas na chuva”. Vale apontar que a direção de Scott ali é de um suspense de perseguição inigualável, fazendo jus aos tradicionais clímaxes de film noir, no qual o detetive durão persegue o vilão, mas o que Scott faz é reverter a situação: quando nosso blade runner está pendurado na beirada de um prédio, o andróide o resgata e compartilha seus pensamentos finais, onde entrega a constatação mais humana de toda a projeção, onde Roy deixa clara a tristeza que é a finitude da vida e a inevitabilidade do tempo. “Vi coisas que vocês… Nunca iriam acreditar” desabafa o robô moribundo sob a pesada chuva, numa amostra espetacular das habilidades cênicas de Hauer. E é ao mesmo tempo de partir o coração e empolgante, que nunca saibamos do que exatamente ele estava falando.
Bem, até a continuação chegar, mas algumas coisas são sagradas…
Blade Runner: O Caçador de Andróides é o impecável casamento entre ficção científica e film noir, que com tamanho apuro técnico, narrativo e cinematográfico, acaba rendendo uma obra que pode muito bem destacar-se como um dos melhores exemplares de ambos os gêneros. Um clássico que merece ser visto e revisto, para que nenhum momento seja perdido… Como lágrimas na chuva.
Blade Runner: O Caçador de Andróides (Blade Runner, EUA - 1982)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Hampton Fancher e David Webb Peoples, baseado na obra de Philip K. Dick
Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos, Daryl Hannah, M. Emmet Walsh, William Sanderson, Brion James
Gênero: Ficção Científica, Noir
Duração: 117 min
Crítica | Evereste - Não faz jus ao Monte
No vasto gênero de homem versus natureza, o diretor que se arrisca a contribuir com este encara o desafio de tentar superar uma fórmula batida e formada por um verdadeiro campo minado de clichês. Filmes como Vivos, 127 Horas e Até o Fim impressionam por seus diferentes estilos, elenco e linguagem, mesmo seguindo uma fórmula batida, o que nos sugere que uma boa direção é capaz de salvar qualquer filme. Infelizmente, Evereste se arrisca pouco e fica na linha do aceitável, ainda que seu elenco faça valer a presença.
O roteiro assinado por William Nicholson e Simon Beaufoy é inspirado em uma desastrosa expedição real que ocorreu em 1996, na qual diferentes grupos de alpinistas foram vítimas de uma violenta tempestade de neve que os deixou presos no Monte Evereste.
Talvez o principal problema esteja na distribuição de personagens. O ótimo elenco é carregado de grandes nomes, mas que infelizmente se perdem na montagem desequilibrada de Mick Audsley, que transita a atenção para um personagem ou outro de forma descontrolada: ora ficamos mais ao lado do personagem de Jason Clarke (de longe, a figura mais agradável da produção), ora acompanhamos o esforço de Josh Brolin para sobreviver, invalidando uma noção clara de protagonista e também a chance de desenvolvê-los apropriadamente.
Digo, alguém me explica o que aconteceu com Jake Gyllenhaal? Porque o filme praticamente o abandona depois de certo ponto, e prefiro nem comentar sobre a triste queda na promissora carreira de Sam Worthigton, que é reduzido para coadjuvante do coadjuvante sem dó. Há pouco espaço para as personagens femininas também, com Robin Wright desperdiçada e Keira Knightley não fazendo nada muito além de chorar, sobrando para Emily Watson segurar alguns momentos mais emocionantes.
Como experiência, Evereste se sai um pouco melhor. O diretor islandês Baltasar Kormákur sabe como valorizar o ambiente e transformá-lo ao mesmo tempo em algo belo e assustador, com sua câmera aproveitando movimentos digitais que circulam o topo do monte e seus arredores; ainda que isso revele a artificialidade de suas tomadas. Os momentos mais intensos de nevascas e condições brutais representam o ponto alto, ainda mais considerando que a primeira metade peca pela sonolência e o inevitável clichê de “introduzir todos os personagens e seus dilemas”, não conseguindo algo realmente original ou digno de nota. Triste, dado a quantidade de talento envolvido.
Ao menos não temos um melodrama irritante, mesmo que o filme caia nessa área diversas vezes. A química entre Clarke e Knightley funciona mais pelo contexto de suas situações, enquanto a bela trilha sonora de Dario Marianelli constrói uma tragédia de forma nada apelativa. Os últimos minutos do filme funcionam bem como uma facada emocional, sem forçar a barra na catarse ou no sensacionalismo, apenas pela objetividade.
Evereste é um filme competente que acaba prejudicado pelo excesso de personagens e uma narrativa inconstante que se entrega aos clichês do gênero. Certamente é uma experiência divertida nos cinemas, mas não deve sobreviver além disso.
Evereste (Everest, EUA - 2015)
Direção: Baltasar Kormákur
Roteiro: Simon Beaufoy e William Nicholson
Elenco: Josh Brolin, Jason Clarke, Jake Gyllenhaal, Sam Worthington, Robin Wright, Keira Knightley, Emily Watson
Gênero: Aventura, Drama
Duração: 121 min
https://www.youtube.com/watch?v=a4Ojd3qBsA8
Crítica | Aliança do Crime - Nada incendiário
Quem não adora um bom filme de máfia? Talvez seja, junto com o western, um dos mais característicos gêneros do cinema americano, que já nos rendeu obras como a trilogia Poderoso Chefão, Os Bons Companheiros, Scarface, Era uma Vez na América, Os Intocáveis e obras recentes como Os Infiltrados, O Gângster, O Homem da Máfia, O Ano Mais Violento e tantas outras. É sempre bom entretenimento observar sagas criminosas de figuras detestáveis que podem – ou não – criar curiosa empatia com o público. Quando anunciado que Johnny Depp largaria a excentricidade irritante de seus trabalhos com Tim Burton em Aliança do Crime, a empolgação é grande.
A trama é inspirada na história real do gângster Jimmy “Whitey” Bulger (Depp) e sua controversa aliança com o FBI, representado na forma do ambicioso John Connolly (Joel Edgerton) nas décadas de 70 e 80. Enquanto Bulger expande seu pequeno império no sul de Boston, é protegido por seu irmão senador (Benedict Cumberbatch) e ganha imunidade do FBI por entregar seus competidores.
É um material excelente para se trabalhar, e o roteiro de Mark Mallouk e Jez Butterworth consegue comportar uma vasta quantidade de eventos em uma narrativa concisa e que usa da função de flashfoward de maneira orgânica; com os antigos comparsas de Bulger prestando depoimento à polícia de forma que avance a trama sem exposição gritante.
O problema é que Aliança do Crime não é exatamente empolgante.
Tem todos os ingredientes e jogadores muito habilidosos, mas o diretor Scott Cooper realmente não consegue encontrar uma identidade para o longa. Não tem o carinho familiar que marcou O Poderoso Chefão (ainda que a história tente criar uma relação afetiva entre Bulger e seu filho pequeno), nem o humor ácido de Os Bons Companheiros, infelizmente limitando-se a uma experiência burocrática. Cooper até consegue compor bons enquadramentos (é curiosa a rima com o plongée do carro de Bulger com a visão de Connolly e sua esposa vistos atrás de uma porta) e o diretor de fotografia Masanobu Takayanagi utiliza bem das cores e do granulado para compor uma imagem que teria saído dos anos 70, mas não há nada de realmente memorável como cinema. Nem as súbitas explosões de violência impactam como deveriam.
Muitos irão assistir por Johnny Depp, e depois de ver o talentoso ator ser desperdiçado em tantas atrocidades, é confortante vê-lo bem encaixado na pele de Bulger. Sua fala mansa que logo revela-se ameaçadora é cativante, assim como o sutil trabalho do ator com os olhos, dominando todas as cenas em que aparece. É uma construção que felizmente não soa espalhafatosa, podendo muito bem ser posta lado a lado com seu ótimo trabalho em Inimigos Públicos, onde também deu vida a mais um notório criminoso da história dos EUA: John Dillinger. Porém, sua maquiagem excessivamente caricata o destoa de todo o restante da produção, como se fosse uma figura que, visualmente, não pertencesse àquele universo.
E mesmo com um elenco estelar em mãos, Cooper nunca consegue aproveitá-los. Joel Edgerton está excelente como Connolly, e sua jornada de corrupção é certamente o ponto mais interessante da narrativa (ainda que a transição de lado jamais seja verdadeiramente explorada, tendo uma cena de balada aqui e pronto), mas quando temos Benedict Cumberbatch, Kevin Bacon, Corey Stoll, Peter Sarsgaard, Juno Temple e Jesse Plemons todos reduzidos a participações especiais, é frustrante.
Aliança do Crime jamais atinge o grandioso status que poderia ter alcançado, limitando-se a uma narrativa mais segura e com medo de encontrar sua identidade. Funciona pontualmente pelo elenco e a progressão da história, mas é realmente um longa que não será muito lembrado.
Aliança do Crime (Black Mass, EUA - 2015)
Direção: Scott Cooper
Roteiro: Mark Mallouk e Jez Butterworth
Elenco: Johnny Depp, Joel Edgerton, Benedict Cumberbatch, Dakota Johnson, Kevin Bacon, Corey Stoll, Peter Sarsgaard, Juno Temple, Jesse Plemmons
Gênero: Drama
Duração: 123 min
https://www.youtube.com/watch?v=9E2wRy48i0g
Crítica | Entre Abelhas - Uma dramédia impressionante
Lá em abril de 2015, período no qual Entre Abelhas entrava no circuito de exibição nacional, confesso que era um hater. A cada cartaz e trailer em que aparecia a figura de Fábio Porchat com feições sérias, eu me pegava dando risada e me perguntando: como diabos Porchat, dono de um humor no canal Porta dos Fundos do qual particularmente não gosto (escrachado), teria a coragem de se arriscar em um papel dramático; e ainda levando consigo Ian SBF, responsável pela direção do canal. Pois bem, agora engolirei minhas palavras. O que Porchat e SBF conquistam aqui é algo que merece prestígio e reconhecimento.
Assinado pelos dois, o roteiro nos apresenta a Bruno (Porchat), um editor de imagens passa por um doloroso processo de divórcio com Regina (Giovanna Lancellotti), por quem ainda nutre sentimentos. Voltando a morar com a mãe (Irene Ravache) até restabelecer sua vida, Bruno estranhamente começa a parar de enxergar, sentir e ouvir as pessoas; seja na rua, em fotos ou gravações de vídeo. É um processo bizarro que vai ficando mais forte à medida em que ele tenta descobrir o que o causa.
É uma premissa que definitivamente poderia funcionar para ambos os gêneros: a comédia e o drama. O foco de Entre Abelhas é no drama, que através da condução hábil e segura de SBF, se desenrola com incrível sutileza e uma melancolia nada forçada ou pautada em clichês. É mesmo o humor não intencional e sutil que faz com que a história funcione tão bem: ver a reação histérica de Bruno quando um taxista "desaparece" subitamente com o carro em movimento é algo propício a arrancar risadas, mas ao mesmo tempo acompanhamos o real desespero do personagem ali. Isso pra não falar da incômoda cena na qual Bruno pode ou não ter atropelado uma pessoa na rua, demonstrando como sua "cegueira" vai tornando-se perigosa ao longo do filme.
Só esse exemplo já ilustra a impressionante capacidade de Porchat como ator dramático, que confesso nunca ter esperado. Bruno é uma figura palpável e crível, e as relações deste com Regina e o amigo Davi (Marcos Veras, excelente alívio cômico e dono de uma subtrama muito bem desenvolvida) são bem esboçadas através de ótimos diálogos que carregam uma irona e naturalidade que vi poucas vezes por aí - nada da artificialidade horrível e travada das telenovelas aqui. A presença de Irene Ravache como a mãe do protagonista é mais um exemplar de bom humor muito bem encaixado, especialmente pelas tentativas pouco ortodoxas de tentar reverter a situação de seu filho; incluindo abordar estranhos na rua e derramar tinta em cima da pobre cobaia Camillo Borges.
A sensação pesada e melancólica vai aumentando ao longo do filme, mesmo com todos os alívios cômicos. A fotografia de Alexandre Ramos abraça tons frios e uma profundidade de campo reduzida nos momentos certos (se tenho uma queixa universal com os vídeos do Porta dos Fundos, é o total descontrole quanto ao uso da ferramenta de desfoque), acertadamente isolando a figura de Bruno enquanto anda em uma multidão ou até mesmo uma rua vazia. Os planos abertos e silenciosos que nos colocam dentro do ponto de vista do protagonista são aterradores durante o último ato, e gosto muito de momentos sutis como aquele em que acompanhamos um longo monólogo de um psicólogo, apenas para no final deste sermos surpreendidos por um silêncio que indica seu "desaparecimento" aos olhos de Bruno.
À medida em que o isolamento de Bruno vai ficando mais intenso, a proposta do roteiro da dupla vai ficando mais clara, ainda mais com a presença recorrente de uma personagem que fora introduzida brevemente no primeiro ato. É uma metáfora muito simples e que emociona pela simplicidade, sendo a prova cabal de que é possível transmitir uma mensagem tão batida quanto a que vemos aqui se o método for eficiente, e SBF e Porchat merecem aplausos. Confesso que, por identificar-me com a situação do protagonista, peguei-me extremamente angustiado e, por fim, animado com a linda catarse final.
Acho incrível que um filme tão sensível e elaborado em sua proposta possa ser tão acessível e divertido quanto Entre Abelhas, ainda mais dentro da indústria cinematográfica nacional, onde comédias são excessivamente estúpidas e os bons dramas jamais cheguem ao alcance do grande público. O filme de Ian SBF é uma pérola, e simboliza um ótimo rumo para produções do tipo.
Entre Abelhas (Idem, Brasil - 2015)
Direção: Ian SBF
Roteiro: Ian SBF e Fábio Porchat
Elenco: Fábio Porchat, Irene Ravache, Marcos Veras, Giovanna Lancellotti, Marcelo Valle, Camillo Borges
Gênero: Comédia dramática
Duração: 100 min
https://www.youtube.com/watch?v=HspEMx-qyPo
Crítica | Quarteto Fantástico (2015) - Não foi dessa vez, de novo
Há uma década atrás, a Fox lançava sua primeira tentativa blockbuster (a versão de Roger Corman é trash demais para ser levada a sério) de lançar o Quarteto Fantástico nos cinemas. Ainda que de qualidade bem duvidosa, os dois filmes dirigidos por Tim Story conseguiam divertir com seu humor pastelão e trama macarrônica num adorável guilty pleasure, mas foram incapazes de sustentar uma franquia duradoura. Agora, seguindo uma linha mais dark e realista, o grupo da Marvel tenta se reinventar pelas mãos de Josh Trank.
A trama faz algumas mudanças na história original, trazendo os personagens da fase adulta para adolescente. Reed Richards (Miles Teller) trabalha com o amigo Ben Grimm (Jamie Bell) numa teoria para tornar possível o teletransporte e viagens interdimensionais. Com a ajuda de uma equipe formada pelos irmãos Sue (Kate Mara) e Johnny Storm (Michael B. Jordan), e o inescrupuloso Victor Von Doom (Toby Kebbell), o grupo consegue acesso a outra dimensão, onde ganham poderes bizarros que mudam suas vidas.
Depois de Josh Trank ter dirigido o ótimo Poder Sem Limites e um elenco realmente fantástico ter sido escolhido, é difícil de acreditar que este novo Quarteto consiga ser tão burocrático. O roteiro de Simon Kinberg, Jeremy Slater e o do próprio Trank empolga por se debruçar em uma abordagem mais científica do assunto, tanto que sua eficiente primeira metade funciona bem como uma ficção científica e até impressiona por algumas decisões visuais: o primeiro vislumbre dos poderes é quase amedrontador, com a imagem de um Johnny aparentemente morto sendo engolido por chamas ou o corpo de Reed sendo esticado à força em uma mesa cirúrgica. Porém, são apenas bons momentos encontrados numa narrativa sem vida, que pouco empolga e arrisca.
As relações entre cada membro do Quarteto falham ao provocar autenticidade, como se não houvesse química entre o elenco. Miles Teller se sai bem porque seu personagem tem o maior destaque, mas sua amizade com Jamie Bell é forçadíssima (aliás, o ator surge com uma imutável expressão cansada durante toda a projeção, e seu Coisa digital não é dos mais expressivos) e o pseudo romance com Kate Mara, nada convincente. Poxa, nem o carismático Michael B. Jordan tem a chance de brilhar aqui, já que seu Johnny é constantemente jogado em segundo plano, e me ficou a impressão de que o ator realmente se esforçava – mas parecia forçado a ficar no piloto automático. E mesmo que o Doom de Toby Kebbell seja muitíssimo bem introduzido e explorado, sua transição para vilão megalomaníaco é risível, e um dos grandes fatores que expõem os problemas de bastidores que assombraram seu pré-lançamento.
Se levar em conta o que vemos em tela, certamente a Fox teve problemas para concluir o filme, e não ficaria surpreso se os rumores de refilmagens fossem reais. Trank começa a narrativa muito bem, mas raramente vemos ali o mesmo cara que impressionou com a crueza e espetáculo em Poder sem Limites, trazendo cenas de ação tediosas (o clímax com o Dr. Destino é um dos mais apressados e sem energia que já vi na vida) e até uma montagem problemática que parece unir cenas desconexas: um tempo maior de silêncio entre um momento tenso para outro seria necessário aqui e ali, e é um claro sinal de problemas quando a trama salta 1 ano num momento crítico, ignorando desenvolvimento de personagens e a relação destes com seus poderes. A unica exceção é quando Dr. Destino acorda pela primeira vez, e seu violento e sangrento ataque ajuda a acordar o espectador... Mas isso quando já faltam 10 minutos para acabar o filme.
Nos quesitos técnicos, é competente, ainda que nada muito espetacular. É interessante observar como as chamas digitais cobrem com detalhes o uniforme do Tocha Humana, assim como o detalhe de preencher o traje do Sr. Fantástico de argolas e do Coisa surgir numa espécie de casulo de pedra. Aliás, as justificativas para cada um dos poderes são verossímeis, como as rochas que entram na cápsula de Ben ou o fogo que invade a de Johnny durante o teletransporte de ambos, e até o visual do próprio Destino; quase como uma versão mais controlada de A Mosca.
Mesmo que surja com nomes talentosos e boas intenções, o novo Quarteto Fantástico é um filme esquecível e que infelizmente não consegue fazer muito além do básico, se perdendo numa trama sem graça com personagens pouco carismáticos.
E aí Fox, quarta vez é a da sorte?
Obs: Esse filme não é em 3D. Glória, pelo menos isso.
Quarteto Fantástico (Fantastic Four, EUA - 2015)
Direção: Josh Trank
Roteiro: Simon Kinberg, Jeremy Slater, Josh Trank
Elenco: Miles Teller, Kate Mara, Michael B. Jordan, Jamie Bell, Toby Kebbell, Reg E. Cathey, Tim Blake Nelson
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 100 min
https://www.youtube.com/watch?v=WdkzdYfnwlk
Crítica | Wolverine: Imortal - Conflitos Mutantes no Japão
“Go fuck yourself, preety boy!”, solta o mutante Wolverine em certo ponto de sua nova aventura-solo. A f-word sai novamente pelos lábios do personagem, o que é algo muito incomum de se ocorrer em um filme adaptado de quadrinhos (ainda mais um da Marvel) e também já define o tom de Wolverine: Imortal: a selvageria. Mesmo que seja um longa muito problemático, é algo muito mais digno para o Carcaju do que o nojento X-Men Origens: Wolverine.
A trama do filme é situada alguns anos após os eventos de X-Men: O Confronto Final, trazendo um Logan (Hugh Jackman, pela sétima vez!) andarilho e assombrado pela morte de sua amada Jean Grey (Famke Janssen). A situação muda quando ele conhece a misteriosa Yukio (Rila Fukushima), que o convida para ir ao Japão e aceitar o agradecimento de um veterano de guerra que Logan havia salvado há muito. Em Tóquio, o mutante é surpreendido com a repentina perda de seu fator de cura e os esquemas criminosos que envolvem uma poderosa família japonesa.
O Wolverine é sem dúvidas o personagem mais popular da franquia mutante nos cinemas. Já tendo entregado um retorno financeiro decente à Fox com o filme de 2009 (apesar das críticas negativas), mais uma aventura com Hugh Jackman foi encomendada e, dessa vez, por que não colocá-lo quebrando tudo no Japão? O eclético diretor James Mangold (de Johnny & June, Os Indomáveis e Garota, Interrompida) acerta na condução das mais variadas cenas de ação em solo asiático: luta insana em um veloz trem-bala, garras admantium chocando-se contra o metal de espadas samurais e até um exército ninja está no pacote, aliás nunca havia visto tanto sangue em um filme da Marvel.
Jackman também faz valer a visita, já que o australiano continua trazendo as mesmas características do personagem – aqui, com muito mais brutalidade – com seu habitual carisma, que se destaca em um elenco (predominantemente japonês) que carece de boas atuações; com exceção talvez da exótica Rila Fukushima, cujas feições estranhamente belas – aliado à força de sua personagem – lhe garantem forte presença em cena.
O roteiro assinado por Mark Bomback e Scott Frank é até eficaz ao criar uma história coesa e que prenda a atenção, mas não que valha pelos 137 minutos que parecem muito mais longos do que realmente são. Mesmo que seja interessante apresentar uma nova história de amor (?) para o herói, a narrativa é repleta de personagens com motivações confusas e uns um tanto… cartunescos demais para ver a luz do dia (isso mesmo, ver a russa Svetlana Khodchenkova cuspindo ácido, ou seja lá o que for aquilo, é vergonhoso), sendo desnecessário comentar a estúpida reviravolta envolvendo um dos antagonistas e um certo Samurai de Prata. E lembra que o Wolverine tinha o fator de cura enfraquecido? Isso não o impede de tomar tiros à queima-roupa e sair voando no teto de um trem e correndo pela rua minutos depois. Imortal, de fato.
Mesmo que a produção impressione, Wolverine: Imortal não passa de uma mera curiosidade. Não acrescenta e nem prejudica a franquia X-Men, tornando-se uma história isolada que não necessariamente precisa ser vista para acompanhar a história dos mutantes no cinema. Basta a matadora cena extra que é revelada durante os créditos finais…
Wolverine: Imortal (The Wolverine, EUA/Japão - 2013)
Direção: James Mangold
Roteiro: Mark Bomback e Scott Frank, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Hugh Jackman, Rila Fukushima, Famke Janssen, Tao Okamoto, Hiroyuki Sanada, Svetlana Khodchenkova, Brian Tee, Hal Yamanouchi
Gênero: Ação
Duração: 126 min
https://www.youtube.com/watch?v=g7kdUy5_WlI
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Crítica | Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum - A jornada de um perdedor
Os irmãos Joel e Ethan Coen costumam dizer que “já existem muitos filmes sobre o sucesso”, como a justificativa para apostarem em tantas histórias com personagens e desfechos… Pouco convencionais, sem a esperança de um final feliz. Mas os Coen não são derrotistas ferozes, nunca deixando de lado seu humor negro característico, presente até mesmo no sombrio Onde os Fracos Não Têm Vez, e a saga folk Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum revela-se mais uma eficiente adição à carreira peculiar dos dois mestres; concentrando-se na vida de um verdadeiro derrotado.
A trama é centrada no músico fictício Llewyn Davis (Oscar Isaac), que encontra-se em sua pior fase após o suicídio de seu parceiro. Vagando pelas ruas da Greenwhich Village dos anos 60 (ponto de partida de figuras como Bob Dylan e Dave Von Ronk, que serviu de inspiração para a criação do protagonista), acompanhamos Davis dormindo na casa de amigos e aceitando qualquer tipo de bico pela cidade a fim de receber alguns trocados e alcançar o almejado sucesso profissional.
Basicamente é isso, como o título sugere: um olhar por dentro de Llewyn Davis, sem uma trama definida especificamente. A decisão estrutural possibilita que os Coen teçam diversas situações isoladas e que surgem diferentes a seu modo, seja no completo nonsense (no melhor sentido da palavra) ao apostar no road movie com os estranhos personagens de John Goodman e Garrett Hedlund ou na subtrama que envolve o carismático gato (sem exageros, que animalzinho talentoso) encontrado pelo protagonista – que possibilita um sutil paralelo não só com o próprio Davis, mas também – vejam só – com A Odisseia de Homero e Bonequinha de Luxo. Outro elemento fundamental é a ciclicidade da narrativa, que oferece início e fim praticamente idênticos, deixando claro que a situação de Davis não só é preocupante; mas permanente.
O personagem sofre, até mesmo as paredes do corredor parecem dispostas a achatá-lo (excepcional decisão do designer de produção Jess Gonchor) e a fotografia sobrenatural de Bruno Delbonnel nos situa em mundo frio, dominado por tons cinzas e paletas de cor frias – além de seu toque característico que é favorecido pelo uso da escuridão de bares ou uma onírica rodovia que literalmente representa o sombrio estado mental do personagem em determinada situação; a névoa permeia o ambiente para demonstrar a incerteza, a sensação de se estar perdido no meio do nada e apenas torcer para que consiga encontrar a direção certa.
Ainda assim, é impossível não se divertir com Inside Llewyn Davis. Não só pelas figuras excêntricas descritas acima, mas também pelas canções produzidas originalmente por T-Bone Burrett para o longa. Vale apontar as performances de “Hang Me, Oh Hang Me”, “The Death of Queen Jane” e o uso genial de “Fare Thee Well” para a sequência que apresenta o cotidiano de Llewyn. Seria uma heresia deixar de citar a divertidíssima “Please Mr. Kennedy”, canção com uma letra hilária que traz as vozes de Oscar Isaac, Justin Timberlake e Adam Driver (da série Girls).
Servindo como um curioso estudo de personagem que leva seu objeto do nada ao nada, Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum é uma experiência única, proporcionada por duas das maiores mentes do cinema contemporâneo. Seja em sua maestria técnica, narrativa ou em sua vibrante trilha sonora folk, o filme é tragicômico no melhor sentido da palavra. E sua ausência em grandes categorias do Oscar é crueldade.
Obs: reparem na “participação especial” que se destaca nos últimos momentos do filme…
Obs II: Quando a tradução é ruim eu detono, mas preciso reconhecer quando as distribuidoras fazem um bom trabalho. O subtítulo do filme é acertadíssimo, parabéns.
Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum (Inside Llewyn Davis, EUA - 2013)
Direção: Joel Coen, Ethan Coen
Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Oscar Isaac, Carey Mulligan, Justin Timberlake, Adam Driver, John Goodman, Garrett Hedlund, F. Murray Abraham
Gênero: Comédia, Drama, Musical
Duração: 104 min
https://www.youtube.com/watch?v=eXMuR-Nsylg
Crítica | X-Men: Dias de um Futuro Esquecido - O melhor dos dois mundos
Já se passaram 14 anos desde que Bryan Singer assumiu a arriscada tarefa de levar os X-Men ao cinema, em Julho de 2000. Nesse longo espaço de tempo, o gênero de super-heróis se transformaria em uma mania mundial, e o grande responsável por encher os cofres dos grandes estúdios de Hollywood. A franquia mutante da Fox se saía bem, entre erros e acertos, mas é com X-Men: Dias de um Futuro Esquecido que Singer encara seu maior desafio como cineasta ao transportá-las ao próximo nível.
A trama é inspirada livremente em uma das mais celebradas HQs dos X-Men, e envolve o grupo lutando contra as mortíferas Sentinelas, robôs gigantes especializados em destruir mutantes, em um futuro devastado. Na esperança de impedir que a guerra comece, o professor Charles Xavier (Patrick Stewart) envia Wolverine (Hugh Jackman) de volta para seu corpo dos anos 70 a fim de reajustar a situação ao reencontrar as versões jovens da equipe e evitar que um evento decisivo para a criação das Sentinelas ocorra.
Um filme dessa escala, com um elenco que mal cabe no pôster é um perigo por natureza. Pode ser muito inchado, incoerente ou desconcentrado, riscos típicos de produções assim. Felizmente, Bryan Singer e seu roteirista Simon Kinberg encontram um perfeito ponto de equilíbrio para contar a mais grandiosa história dos X-Men até agora. Ambientada tanto no passado quanto no futuro distópico, a montagem de John Ottman (que também assina a excelente trilha sonora) navega com fluidez entre as duas linhas temporais, ainda que se concentre mais naquela ambientada na década de 70 – considerando a aceitação popular de X-Men: Primeira Classe, é uma decisão sábia.
Já a ideia de viagem no tempo permanece até hoje como um dos elementos mais complexos não apenas do cinema, mas também de nossos conhecimentos científicos. O próprio Singer declarou que teve encontros com ninguém menos do que James Cameron para compreender melhor o conceito (e é divertido ver como Singer claramente se inspira em O Exterminador do Futuro ao retratar o futuro sempre à noite, sombrio e o fato de Wolverine despertar sem roupas quando acorda em seu corpo jovem) de realidades alternativas e paradoxos temporais. Aí reside o maior problema da produção, que opta por teorias um tanto confusas (aliás, qual teoria de tempo é usada aqui? Simultâneo? Imutável?) e que trazem certos problemas em sua linearidade, especialmente nos conceitos da Teoria do Caos. É uma confusão que se dá durante o terceiro ato, mas que não prejudica seu resultado; que pende mais para o positivo.
A começar pelo elenco dos sonhos de qualquer fã do gênero, que se sai bem com o habitual carisma de Hugh Jackman na liderança, mas também oferece muito espaço para os ótimos Michael Fassbender e James McAvoy, que continuam reinventando brilhantemente seus personagens, (Magneto nunca esteve tão radical, e Xavier surge inacreditavelmente desolado e selvagem) ao mesmo tempo em que aproveita na medida do possível a presença do elenco original. Temos lá a presença de ouro de Ian McKellen e Patrick Stewart, rápidas participações de Halle Berry, Anna Paquin (piscou, perdeu), Ellen Page, entre outros. O time ainda acrescenta alguns mutantes carismáticos – a Blink interpretada pela chinesa Fan Bingbing é minha preferida – que, ainda que não tenham tanto destaque ou desenvolvimento, rendem ótimas cenas de ação.
E como Singer entende disso. Sem embalar um sucesso de verdade desde sua última incursão na franquia, o diretor comanda com maestria as cenas de ação que envolvem múltiplos mutantes, distribuindo tarefas específicas e fazendo-os combinar seus poderes na luta contra as ameaçadoras Sentinelas. Vale também mencionar a espetacular cena envolvendo o mutante velocista Mercúrio (o carismático Evan Peters) em uma fuga de prisão, que, ao som de “Time in a Bottle”, é desde já uma das sequências mais bem feitas e impressionantes que o gênero já ofereceu. Também elogio a decisão do diretor em trazer diversas câmeras-dentro-da-história para cenas com multidões, algo que oferece um caráter de urgência e também ajuda com a ambientação de época (já que são câmeras super 8).
Mas ainda que seja preenchida por espetáculo e não perca tempo algum, a trama jamais esquece aquilo que sempre deu um diferencial a X-Men: suas questões sociais. Aqui essa temática ganha ainda mais força ao tornar a Mística de Jennifer Lawrence um elemento fundamental no desenrolar de ambas as linhas temporais, o que faz sentido considerando a posição que a personagem assumia no longa anterior (Primeira Classe). Não deixa de ser irônico como a grande ameaça física do longa – as Sentinelas – tenha sido criada por um sujeito com o porte físico de Peter Dinklage. Ainda na ala de poderio visual, o filme traz imagens altamente simbólicas, vide o momento em que corpos de mutantes são empilhados (remetendo diretamente ao Holocausto), ou a cena em que a Casa Branca é cercada por um estádio de beisebol; uma forma gritante de conciliar política e esporte, que curiosamente surge mais poderosa para os brasileiros neste ano de Copa do Mundo.
Dado o tamanho da aposta, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido era um filme que poderia ter dado perigosamente errado. Felizmente, isso foi em alguma realidade alternativa obscura, já que o retorno de Bryan Singer à franquia é eficiente, divertido e mesmo que não seja o melhor filme desta, certamente é o maior. E o melhor de tudo é perceber como sua conclusão oferece aos produtores novos rumos para essa franquia tão admirável.
Obs: Há uma cena após os créditos que vai deixar os fãs de X-Men malucos.
Obs II: Participações especiais e uma revelação mutante que você NUNCA imaginaria. Fiquem ligados.
X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (X-Men: Days of Future Past, EUA - 2014)
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Simon Kinberg, baseado nos quadrinhos da Marvel Comics
Elenco: Hugh Jackman, Jennifer Lawrence, James McAvoy, Michael Fassbender, Nicholas Hoult, Patrick Stewart, Ian McKellen, Halle Berry, Evan Peters, Ellen Page, Anna Paquin, Fan Bingbing, Peter Dinklage
Gênero: Aventura
Duração: 151 min
https://www.youtube.com/watch?v=pK2zYHWDZKo
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Crítica | O Espelho - Milagres da montagem
Inteligente não é a denominação que normalmente se espera de um filme de terror, já que seu propósito é justamente fugir do racional e perturbar a plateia com sustos um atrás do outro, mas realmente não vejo como classificar O Espelho de outra forma. Vai certamente decepcionar quem esperava um terror mais tradicional ou óbvio, mas os interessados em uma história mais complexa vão se deliciar com a competente obra de Mike Flanagan.
A trama acompanha os irmãos Kaylie e Tim (Karen Gillan e Brenton Thwaites, competentes) que lidam com a tragédia da morte de seus pais, sendo o pai responsável pelo assassinato da esposa e o irmão mais novo pelo de seu pai, em uma medida desesperada para impedi-lo de matar sua irmã. Anos depois, Tim é libertado de um reformatório juvenil e sua irmã tenta convencê-lo a ajudá-la a destruir um misterioso espelho, onde ela acredita viver uma entidade sobrenatural que teria influenciado seu pai a cometer as atrocidades.
O gênero do terror é – ao lado da comédia – o mais difícil de se acertar. No ano passado, o sucesso surpreendente de Invocação do Mal, uma obra eficiente e bem sucedida ao explorar com maestria os elementos do terror, deu gás a o cada vez mais esgotado gênero. O Espelho não é um filme impactante quanto o de James Wan, mas surpreende justamente por colocar os sustos em segundo plano, dando força ao bom roteiro de Jeff Howard e do diretor Mike Flanagan (que já havia comandado um curta-metragem que serviu como base para o projeto) e servindo mais como um suspense psicológico; ainda que os elementos sobrenaturais cumpram seu papel de arrancar calafrios.
O aspecto mais forte aqui certamente é o brilhante trabalho de montagem de Flanagan, que oferece um jogo narrativo inteligente e que raramente encontraríamos em um longa do gênero. Tendo como plano de fundo duas histórias em espaços temporais distintos, a montagem brinca com as mais diversas elipses e transições, chegando até mesmo ao ponto de compartilharem o mesmo espaço: a versão adulta e jovem de Kaylie e Tim “interagem” diversas vezes, quase transformando o passado no verdadeiro antagonista – um fantasma, por assim dizer. E como o espelho é um objeto central, não deixa de fascinar como as duas tramas vão cada vez mais se assemelhando, quase como um reflexo uma da outra. A fotografia digital de Michael Fimognari contribui nesse quesito ao tornar o ambiente mais ameaçador nas cenas do passado, mas sem jamais alterar paleta de cores para algo muito irreal.
Contando também com um desfecho em aberto que provavelmente irritará grande parcela do público, O Espelho talvez seja um dos filmes de terror mais inteligentes dos últimos tempos, ainda que leve na categoria de realmente assustar. É mais uma obra que incomoda pela atmosfera pesada, que explora as expectativas e surpreende ao revelar-se algo mais complexo do que o prometido.
Bom ver que o mais gasto dos gêneros ainda é capaz de surpreender.
O Espelho (Oculus, EUA - 2013)
Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan e Jeff Howard
Elenco: Karen Gillan, Brenton Thwaites, Katee Sackhoff, Rory Cochrane, Annalise Basso, Garren Ryan, Kate Siegel
Gênero: Terror
Duração: 104 min
https://www.youtube.com/watch?v=1dchNZhN5p4
Crítica | Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo - A banalidade humana
Bennett Miller é um nome que não deve ser esquecido. Mesmo tendo comandado apenas três longas, o diretor vem se mostrado um dos mais interessantes e habilidosos da nova leva, sempre adotando uma abordagem engajante com seus diferentes tema. O crime em Capote, o beisebol em O Homem que Mudou o Jogo e agora, a luta olímpica com Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo. Nenhum desses filmes é unicamente sobre os respectivos temas, claro, e é com seu novo trabalho que Miller mira mais alto do que nunca.
Roteirizada por E. Max Frye e Dan Futterman, trama é inspirada em eventos reais ocorridos na década de 80. O lutador Mark Schultz (Channing Tatum) treina duro para ser o melhor do mundo, mas não consegue sair da sombra de seu irmão Dave (Mark Ruffalo), não só melhor lutador, como também um chefe de família atencioso. A situação se transforma quando Mark é convocado pelo milionário John du Pont (Steve Carell) para liderar seu time, Foxcatcher, e ser campeão mundial na modalidade.
Ao contrário do que o subtítulo nacional sensacionalista possa sugerir, Foxcatcher é um filme quieto e que leva o tempo que julga necessário para engatar suas ações. O silêncio já virou quase que uma marca registrada de Miller, que opta por uma presença pontual de trilha sonora (mas quando surge, Mychael Danna e Rob Simonsen oferecem o tom sombrio apropriado) e muito destaque para ruídos e as próprias vozes de seu elenco. O primeiro ato do filme realmente demora a engatar, e de nem de longe é a tensão constante vendida pela campanha de marketing do longa, mas o silêncio é um fator decisivo para as performances principais.
Steve Carell, por exemplo, depende muito de pequenos suspiros e nuances em sua controlada performance como o complexo du Pont. Se eu temia que o ator fosse aparecer cartunesco aqui, fiquei tranquilo ao vê-lo adotando um tom de voz baixo e jamais pendendo para o overacting – ajuda também a decisão de Miller de jamais explorar a figura do sujeito (o nariz, ou a silhueta que este poderia projetar), sempre tratando-o como mais um personagem, como fica evidente logo em sua discreta primeira aparição; algo que um diretor mais escandaloso seria incapaz de alcançar.
Carell está bem e o papel realmente é um novo estágio de sua carreira, mas é realmente Channing Tatum quem rouba o show. O ator prova aqui todo o seu potencial dramático e, como Carell, se sai bem ao apostar na sutileza. Quase sempre com a cabeça baixa e uma expressão séria que sempre coloca Mark como um sujeito infeliz e até mesmo fracassado (mas ambicioso), o ator protagoniza intensos momentos físicos e psicológicos, impressionando também com sua química curiosa com Mark Ruffalo. Este, aliás, também está excelente como aquela que é a figura mais pura da projeção, convencendo quando aparece para auxiliar seu irmão. Uma cena em especial nos ilustra com perfeição a diferença entre os dois, quando Dave explica a técnica para um determinado golpe para a equipe, enquanto Mark surge no canto oposto malhando suas pernas, como se acreditasse que a capacidade física é o único fator relevante na modalidade.
Mas como falei lá atrás, o filme carrega muito mais do que uma mera história esportiva. Em Foxcatcher, encontramos temas que vão desde a manipulação da câmera até, principalmente, a fragilidade da filosofia americana do self made man. A cena final do filme é crucial para que a mensagem atinja em cheio, especialmente com os gritos eufóricos de “USA”, completamente irônicos no momento em questão.
A câmera também chama muito a atenção, especialmente na forma como ela se reflete nos personagens principais: Dave não assiste ao vídeo trazido por seu irmão (por estar ocupado com a família) e não sabe como se comportar durante a realização de um documentário idealista sobre du Pont; Mark é completamente hipnotizado e convencido da superioridade de du Pont ao assistir, colado na frente da televisão, um vídeo sobre a dinastia da família. E, finalmente, du Pont realiza sua decisão fatal após assistir ao dito documentário sobre sua figura, quase como se motivado por este.
Sutil e inquietante Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo impressiona por seu elenco poderoso e a execução cuidadosa adotada por Bennett Miller, que certamente vai afastar boa parcela do público. E novamente fica a prova de que se é possível abordar temas complexos a partir de uma premissa aparentemente fechada.
Mais um ponto para Miller.
Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (Foxcatcher, EUA - 2014)
Direção: Bennett Miller
Roteiro: E. Max Frye e Dan Futterman
Elenco: Steve Carell, Channing Tatum, Mark Ruffalo, Sienna Miller, Vanessa Redgrave, Anthony Michael Hall
Gênero: Drama
Duração: 134 min