Crítica | House of the Dragon troca batalhas por fofocas em seu quarto episódio
Contém spoilers
Logo no plano de abertura de "King of the Narrow Sea", quarto episódio da primeira temporada de House of the Dragon, já é possível antecipar o principal conflito dramático do episódio. Isso representa uma elegância visual gigantesca da diretora Clare Kilner, e se ramifica por toda a duração desta excelente nova hora da derivada de Game of Thrones.
Como ficou bem estabelecido pelos 3 episódios anteriores, o novo capítulo da série começa após um salto temporal, agora com a jovem princesa Rhaenyra (Milly Alcock) analisando uma longa lista de pretendentes de todos os Sete Reinos que almejam se tornar seu esposo. Na cena em questão - marcando o plano que abre o episódio - a princesa está acariciando o colar presenteado por seu tio Daemon (Matt Smith), que enfim retorna para King’s Landing após sua triunfal vitória contra o Engorda Carangueijo no Mar Estreito.
Esse basicamente representa o grande e polêmico conflito do episódio: a relação entre Rhaenyra e Daemon, que sempre teve sugestões de incesto, e que se concretizam em King of the Narrow Sea. Após uma sequência imersiva que, mais do que qualquer episódio de Game of Thrones, apresentam com eficiência a ambientação e a visão do “povo comum” da cidade sobre os eventos da realeza, a princesa cede às investidas de seu tio durante uma interação intensa no bordel local. É uma cena que garante impacto não só pelo conteúdo em si, mas pela forma como Kilner intercala a vertiginosa ação com a igualmente incômoda cena em que Alicent (Emily Carey) atende aos desejos do Rei Viserys (Paddy Considine); mais um exemplo do formidável trabalho de montagem de House of the Dragon.
O que se revela ainda mais interessante é justamente o ponto que tem tornado a série tão envolvente: as intrigas políticas. As ações de Rhaenyra logo garantem grande repercussão e fofocas pelo reino, armando assim um jogo sutil entre Otto Hightower (Rhys Ifans) e Viserys, dedicado a desmentir qualquer falácia negativa em torno de sua herdeira. Todos os diálogos e disputas verbais, assinados nesta semana pela roteirista Ira Parker, mantém o alto nível das semanas anteriores e agradam pelo uso rebuscado de termos medievais e fantasiosos; ver Rhaneyra e Alicent enfim retomando contato, em momentos de ternura e também disputa, garantiram alguns dos momentos mais memoráveis do quarto episódio.
A direção de Kilner também é minuciosa nos detalhes e reações de seus personagens, especialmente durante o aguardado confronto entre Viserys e Rhaenyra. A cena em questão é particularmente empolgante por expandir a relação entre pai e filha para algo mais próximo de dois generais em uma sala de guerra, ainda mais considerando que Rhaenyra oculta a informação importante de que, mesmo não tendo tido relações com Daemon, seduziu o guarda Sir Criston Cole (Fabien Frankel) para uma noite calorosa de sexo. A sutileza de Kilner fica ainda mais elegante durante a cena final, em que Rhaenyra recebe um chá abortivo de seu pai - que não parece interessado em saber se as acusações de fato foram reais, mas mostra-se precavido.
Mais impressionante ainda foi ver que Viserys realmente demonstra lealdade à sua filha, que sabiamente aponta como Otto Hightower é tão sedento pelo poder quanto Daemon. Já enxergando o que apenas o espectador havia visto, o rei garante uma entrega formidável graças à ótima performance de Paddy Considine, que enfim entende a estratégia de sua Mão para entregar a própria filha para seduzi-lo, e acaba por demitir seu principal aliado em King's Landing. Isso sem mencionar que Considine ainda protagonizou um ótimo embate contra Daemon, muito bem encenado durante a ameaçadora sala do Trono de Ferro, com o irmão ambicioso literalmente largado no chão durante toda a sequência.
Mesmo sem ter ação, batalhas ou até mesmo muitos dragões, King of the Narrow Sea representa mais um ponto alto para House of the Dragon. Assim como já havia mostrando há algumas semanas, o seriado realmente tem seu ápice ao explorar os dramas e intrigas de seus personagens, que só ficam mais divertidos de acompanhar a cada nova semana.
House of the Dragon - 01x04: King of the Narrow Sea (EUA, 2022)
Showrunner: Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Direção: Clare Kilner
Roteiro: Ira Parker
Elenco: Paddy Considine, Matt Smith, Rhys Ifans, Milly Alcock, Emily Carey, Fabien Frankel, Graham McTavish, Sonoya Mizuno
Emissora: HBO
Gênero: Drama
Duração: 62 min
Crítica | O Segredo do Abismo é o filme mais subestimado de James Cameron
Após o sucesso de O Exterminador do Futuro e Aliens: O Resgate, James Cameron ganha seu primeiro cheque em branco para fazer o que bem entendesse. Uma posição de prestígio e extremamente rara em Hollywood, e que o cineasta aproveita para fazer seu longa mais ambicioso até aquele momento: O Segredo do Abismo.
O filme de 1989 explora uma das grandes paixões de Cameron: o fundo do mar. Na trama, acompanhamos a união de uma equipe de pesquisadores com um grupo de uma plataforma de petróleo, que partem para investigar o sumiço de um submarino americano nas profundezas do mar caribenho. Lá, descobrem a presença de uma civilização alienígena.
Apesar de ser um filme consideravelmente mais inchado de Cameron, O Segredo do Abismo ganha força à medida em que sua narrativa vai abraçando os elementos mais fantásticos e próximos da ficção científica. Tecnicamente falando, talvez seja a produção mais impressionante da filmografia do diretor, tanto pelos efeitos visuais revolucionários quanto pela fotografia submarina.
No centro de tudo, também há o ótimo arco emocional dos personagens de Ed Harris e Mary Elizabeth Mastrantonio, garantindo uma catarse gigantesca no clímax realmente especial.
Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.
https://www.youtube.com/watch?v=nlCG9ytp5J4
Crítica | Men: Faces do Medo é um dos filmes mais estranhos do ano
Após se firmar como um dos nomes mais interessantes do mundo audiovisual com Ex Machina: Instinto Artificial e Aniquilação, Alex Garland mergulha de cabeça em seu novo terror da produtora A24, chamado simplesmente de Men: Faces do Medo.
A história do filme acompanha Harper (Jessie Buckley), que aluga uma casa de campo no interior da Inglaterra para tentar superar o suicídio de seu marido abusivo. Lá, ela se depara com uma situação bizarra ao notar que todos os homens da cidade têm a mesma aparência (do ator Rory Kinnear) e parecem determinados a persegui-la.
O filme traz uma premissa tentadora e que facilmente se adequa ao gênero do terror, especialmente pela construção primorosa de Garland como diretor, aproveitando uma paisagem idílica para trazer momentos de real pavor.
Porém, Men: Faces do Medo certamente vai se mostrar muito divisivo em seu ato final, oferecendo algumas das imagens mais repulsivas e bizarras que o espectador verá em 2022.
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https://www.youtube.com/watch?v=8-LbV2YHsKs
Crítica | Versão estendida de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é pura enganação
Um dos filmes mais bem sucedidos de todos os tempos, e um dos responsáveis por reacender a chama dos cinemas durante a pandemia da COVID-19, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa está retornando às telonas com uma versão estendida. Já.
A Sony Pictures apostou em um novo corte com míseros 11 minutos de cenas adicionais e estendidas, oferecendo muito pouco para justificar uma nova exibição nos cinemas; e que basicamente soa como desespero para ocupar as salas durante o feriado - tanto no Brasil quanto nos EUA, onde também encontrou público.
Porém, a experiência não é afetada nem um pouco pelas novas cenas. São, em sua maioria, novas piadas e sequências no primeiro ato do filme, oferecendo só uma sequência estendida com a presença de Andrew Garfield e Tobey Maguire.
A versão estendida de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa definitivamente não precisava existir, já que simplesmente adiciona algumas cenas que tranquilamente poderiam ter sido conferidas no lançamento em Blu-ray ou DVD do longa. Puro e simples caça-níquel.
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https://www.youtube.com/watch?v=8kKALWcQOgA
Crítica | Aliens, O Resgate faz de Sigourney Weaver a melhor heroína do cinema
É inegável a importância de Alien, O Oitavo Passageiro na história do cinema. Foi um forte veículo para as carreiras do diretor Ridley Scott e da atriz Sigourney Weaver, que em 1979 ainda caminhavam lentamente e também para a ficção científica no cinema que ganha um sólido exemplar de como se fazer horror dentro do gênero. Foi um sucesso marcado por seu minimalismo e pelo silêncio da trama, rendendo um longa verdadeiramente apavorante.
Quando a Fox anunciara que um até então semi-desconhecido James Cameron (ele havia acabado de lançar o primeiro Exterminador do Futuro) fora contratado para escrever e dirigir uma continuação, haveríamos mais um marco gigantesco no gênero. Há exatos 30 anos, Cameron lança Aliens, O Resgate, uma continuação que reinventa o conceito do original e o transforma em algo novo e mais expansivo, sendo um exemplo crucial que toda continuação deveria seguir.
A Grande Heroína
A trama começa 56 anos após o embate entre Ellen Ripley (Weaver) e o alien xenomorfo a bordo da nave Nostromo. Encontrada à deriva no espaço em estado criogênico, a tenente é logo levada para uma instalação das indústrias Weyland-Yutani e se surpreende com as mudanças durante sua longa ausência: além da morte de sua filha, Ellen se espanta ao descobrir que o planeta LV-426, onde sua tripulação fez o primeiro contato com a criatura alienígena, está sendo colonizado. A fim de comprovar a veracidade de sua árdua história de sobrevivência, Ripley e uma tropa de marines são enviados para inspecionar o planeta e recuperar o contato perdido com os colonos.
Só pela premissa já vemos que se trata de algo muito diferente do anterior. Toda a claustrofobia de Ridley Scott dá espaço a uma aventura de ação com fortes toques de suspense, sendo uma obra-prima dentro de seu próprio gênero, ao mesmo tempo em que se mostra um perfeito sucessor para o original. A começar, claro, pela personagem de Ripley. O roteiro de Cameron oferece um insight poderoso para a tenente, que se vê forçada a confrontar seus pesadelos novamente e ainda recuperar uma forte relação maternal ao encontrar a sobrevivente Newt (Carrie Henn), em um ótimo paralelo com todo o horror que se desenrola - a motivação vinda através de um arrepiante pesadelo que toma conta do primeiro ato é muito eficiente.
E o melhor de tudo: Ripley agora é uma badass. Já era interessante observar o crescimento da personagem no anterior, com Ripley lentamente adquirindo alguma força e poder entre a desconfiada tripulação da Nostromo. Aqui, Ripley é a mais experiente entre um grupo de marines armados, e a excelente performance de Sigourney Weaver (merecidamente indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 1987) cria uma mulher realista e cheia de camadas; sendo a retomada de um senso de maternidade com Newt a mais forte delas. Não tenho dúvidas de que, ao vê-la surgindo com um imponente exoesqueleto de metal gritando o agora imortal "Get away from her, you bitch!" foi a confirmação de que tínhamos ali a melhor heroína de ação da história do cinema americano.
Tropas Estelares
Vemos muitos elementos aqui que viriam a ser explorado em longas futuros de Cameron, principalmente suas experiências com paletas azuis e laranja em O Exterminador do Futuro 2: Julgamento Final e o conceito de militarização de tropas espaciais em Avatar. O núcleo dos marines é agradavelmente preenchido de diversos estereótipos de personagens típicos de gênero, como o comandante ranzinza (Al Mathews), o líder imponente (Michael Biehn) e o piadista (Bill Paxton, uma perda imensa), responsável por alguns dos melhores bordões do longa graças à sua sagacidade e covardia :"Game over, man! Game Over". Isso sem falar que ainda temos o andróide Bishop (Lance Henriksen), que revela-se um dos mais interessantes e gentis personagens de toda a projeção, e a durona Velazquez (Jenette Goldstein) - seguindo a escola de Cameron de personagens femininas fortes.
A exploração entre essas figuras tão distintas garante um apego humano palpável - arrisco a dizer, até maior do que aquele entre a tripulação do original - e até mesmo um bem-vindo alívio cômico que se equilibra muito bem com os momentos de tensão, além de Cameron trabalhar bem a evolução do personagem de Biehn, que vai construindo uma relação de amizade (e até um possível interesse romântico) com Ripley. De forma similar, isso também de forma discreta entre Ripley e Bishop, já que a protagonista é incapaz de confiar em um andróide após sua experiência traumática com Ash no anterior; mas para sua surpresa, e do espectador, Henriksen faz dele uma figura verdadeiramente leal e por qual torcemos.
Utilizando a mesma estratégia, mas com um efeito inverso, o roteiro do diretor é habilidoso em enganar o espectador das intenções do simpático burocrata Burke (Paul Reiser), personagem que desde o início mostra-se o único companheiro e apoiador das ideias de Ripley naquele ambiente, apenas para sutilmente inverter o jogo e fazer do sujeito o vilão mais frio de todo o longa. É uma reviravolta espetacular, e que Cameron extrai o máximo de suspense quando Burke prende Ripley e Newt em uma sala com dois facehuggers, revelando o interesse do personagem em levar a criatura de volta para a Terra e transformá-la em uma espécie de arma biológica. Em certo momento, até a própria protagonista questiona se as criaturas alienígenas são realmente piores do que a ganância do Homem.
E quando chegamos no quesito terror, vemos que Cameron aprendeu a escola de suspense com Scott. A icônica cena em que acompanhávamos luzes de radar que indicavam a localização de personagens retorna agora com uma escala muito maior (afinal, este filme se chama ALIENS), e Cameron explora esse mundo maior com um design de produção aterrador que nos leva dentro dos casulos dos xenomorfos e uma fotografia que abraça muito mais as sombras e tons azulados do que o original. A condução de Cameron em cenas em que antecipamos certos eventos é poderosa, com o uso mínimo da trilha sonora agitada de James Horner e uma montagem paralela inteligente, também funcionando quando as cenas de ação entram em jogo, já que o suspense o pavor que os personagens - e o espectador - têm pelas criaturas são um fator essencial, e é um sentimento de empolgação e vibrância ver as cabeças dos xenomorfos sendo atingidas por tiros sem comparação, pois a mise en scène de Cameron nos coloca junto aos marines, colados no confronto.
Sua Alteza
O design das criaturas é outro ponto alto. Temos muito mais criaturas do que anterior, e o visual criado pelo artista plástico H.R. Giger permanece quase que o mesmo, mas com algumas modificações para tornar os aliens mais ágeis e animalescos, o que garante sequências grandiosas, como aquela em que as criaturas surpreendem os marines pela tubulação ou quando em um longo plano acompanhamos um dos marines vasculhando o casulo, cujas paredes sinuosas e melequentas revelam-se um ótimo dispositivo de camuflagem para os xenomorfos.
Porém, o grande destaque da produção, a jóia da impecável carreira do supervisor de efeitos especiais Stan Winston, é a antagonista principal: a Rainha Alien. É uma versão jumbo do xenomorfo que representa um dos pilares do trabalho de bonecos e marionetes no cinema, sendo assustadora e incrível de se ver em cena mesmo 30 anos depois; colocando no chinelo até o melhor dos trabalhos CGI da Industrial Light & Magic ou Weta. O nível de detalhes para seus múltiplos braços, a "boca interna" maior do que o comum e sua icônica cabeça que traz um apropriado formato de coroa, caindo como uma luva para sua posição de realeza, é um trabalho primoroso.
O confronto entre Ripley, armada de uma empilhadeira mecânica, e a Rainha é de ficar tatuado na memória, sendo ainda mais poderosa pelo fato de termos ali duas "mães" lutando para proteger suas proles e por Cameron oferecer uma briga lenta e pesada, onde cada golpe e movimento é sentido pelo espectador, frisado pela ausência de música e a precisão dos efeitos sonoros. Além disso, a força dessa briga é ainda maior por Cameron já ter nos apresentado a empilhadeira no começo do filme, sendo usada para uma função operacional simples, respeitando assim uma valiosa regra de roteiro, que é introduzir justamente uma ferramenta tão poderosa e crucial para a resolução da história - que homenageia o filme original ao trazer Ripley se livrando da Rainha da exata mesma forma como o fez anteriormente no primeiro filme, pelo uso de uma câmara de vácuo.
Aliens, O Resgate é sem dúvida alguma uma das melhores continuações já feitas, podendo até mesmo dizer que se equipara ao original em praticamente todos os aspectos, sem nunca limitar-se a uma cópia de estrutura ou ritmo. James Cameron transformou o terror em ação e a figura de Sigourney Weaver em um de seus mais icônicos representantes da História do gênero no cinema. Um filme inesquecível.
Aliens, O Resgate (Aliens, EUA - 1986)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron
Elenco: Sigourney Weaver, Michael Biehn, Bill Paxton, Carrie Henn, Al Mathews, Lance Henriksen, Jenette Goldstein, Paul Goldstein, William Hope, Mark Rolston, Ricco Ross, Colette Hiller
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 137 min
https://youtu.be/TMmK1Cpdz8E
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Crítica | O Exterminador do Futuro é James Cameron fazendo História
Imaginem um homem. Durante uma viagem para divulgação de seu primeiro trabalho, que enfim veria a luz do dia após um verdadeiro inferno para finalizá-lo, esse mesmo homem tem um pesadelo. Por consequência da experiência frustrante desse primeiro trabalho, o sonho em questão lida com o homem tentando ser morto por uma criatura muito específica, e acaba inspirando-o a criar uma história, que ele lutaria para transformar em seu próximo trabalho. Depois de um longo processo, diversos "nãos" e favores de colegas da profissão, esse homem, que é ninguém menos do que James Cameron, transforma seu pesadelo de uma máquina assassina vinda do futuro em um dos mais eficientes clássicos da História da ficção científica americana: O Exterminador do Futuro.
A trama nos informa de uma guerra futurista. A Humanidade luta contra máquinas assassinas após uma rebelião promovida pelo sistema operacional da Skynet, que fez todas as formas de inteligência artificial do planeta se revoltarem contra seus criadores. Quando a Skynet sofre uma derrota importante, sua última cartada é enviar um Exterminador (Arnold Schwarzenegger) de volta no tempo, para assassinar Sarah Connor (Linda Hamilton), que tornaria-se a mãe do líder da Resistência humana: John Connor. Visando impedir as máquinas e manter a linha temporal intacta, a Resistência envia o soldado Kyle Reese (Michael Biehn) para proteger Sarah do androide.
Perspectiva de Slasher
A produção de O Exterminador do Futuro é uma das histórias mais inspiradoras para aspirantes a cineastas. Com um conceito original e fortemente ligado a um gênero, Cameron usou toda a sua experiência coletada como aprendiz do lendário produtor/diretor Roger Corman (para quem havia dirigido o desastroso Piranhas 2: Assassinas Voadoras) para fazer um filme de ficção científica barato e de qualidade, algo que fica evidente na execução magistral. O fato de que todas as cenas de ação se passam à noite ajudam a esconder limitações técnicas, e por trazer diversas sequências nessa hora escura, acaba por criar uma atmosfera mais imprevisível e ameaçadora para o longa, que valoriza bem os becos e vielas encardidas da Los Angeles oitentista. Dessa forma, é ainda mais significante que a mãe do salvador da humanidade esteja escondida ali, nessas ruas perigosas e anônimas e temos uma história de riscos gigantescos sendo contada através de uma perspectiva menor.
A mistura de gêneros é crucial para a execução dessa perspectiva. Com um conceito gigantesco de ficção científica por trás, Cameron adota uma estrutura similar à do slasher, tomando inspiração do mestre John Carpenter, que despontara essa variante do terror com Halloween: A Noite do Terror; outro grande filme produzido com um orçamento baixíssimo. É o clima de perseguição perfeito, e que se desenrola bem no visual noturno descrito no parágrafo acima. Assim como o clima e o antagonista aparentemente indestrutível, Cameron também traz o estereótipo da final girl na forma da Sarah Connor de Linda Hamilton, uma simples garçonete que acaba tendo um dos arcos mais formidáveis que uma mulher já teve no cinema de gênero: com seu futuro literalmente batendo à porta, Sarah entra na metamorfose que a transforma em uma mera vítima até uma das figuras de ação mais imponentes do gênero; algo que é melhor explorado na continuação, mas que ganha vislumbres aqui graças à ótima performance de Hamilton.
Mas, ainda que seja eficiente no terror e em seus diferentes elementos, o grande truque do roteiro de Cameron reside justamente em como sua história lida tão bem com a viagem no tempo e o paradoxo de simultaneidade; e que as inúmeras continuações sempre respeitam religiosamente. Ao voltar no tempo para proteger Sarah, Kyle Reese acaba se apaixonando e tornando-se o pai de John Connor, criando um paradoxo fascinante: como Kyle existe em primeiro lugar, se ele necessita que seu filho inexistente o envie de volta ao passado para engravidar sua mãe? É desses conceitos que são feitos os melhores exemplares da ficção científica, e esse arco tão conhecido hoje é desenrolado de forma sutil e surpreendente no filme, com o espectador ligando os pontos sozinho a respeito dessas conexões: nunca é explicitamente dito, apenas ilustrado e sugerido pela montagem e os quadros. A própria Skynet é ligada a um paradoxo desses, com o braço do T-800 sendo encontrado por uma equipe de pesquisadores, que futuramente desenvolverão a tecnologia dos androides - apenas porque a viagem no tempo ocorreu.
A criação de um ícone
Para o personagem-título, que hoje é um dos ícones indiscutíveis do cinema americano moderno, Cameron se lança com outros dois nomes que tornariam-se históricos. O primeiro deles, claro, é o do então fisioculturista austríaco Arnold Schwarzenegger, que até então havia estrelado a impagável comédia Hércules em Nova York e dois filmes de Conan, O Bárbaro, onde aparecia como protagonista. Aqui, Cameron usaria a presença física de Schwarzenegger para criar uma figura amedrontadora, e cujas limitações em seu sotaque garantiriam uma performance silenciosa e fria, com o Exterminador atirando e levando golpes sem demonstrar muitas emoções; o próprio confronto em que chega sem roupas para enfrentar um grupo de punks é uma excelente inversão de expectativa, com um homem nu assassinando um grupo que parece muito mais perigoso e hostil. É um papel desafiador para Schwarzenegger, mas o ator é capaz de encontrar essa presença diferente, e que nunca deixa de atrair nossa atenção quando entra em cena.
O segundo nome é de um dos maiores monstros dos efeitos especiais do século XX: Stan Winston. Responsável também pelos animatronics de Jurassic Park, Aliens e o primeiro Homem de Ferro, Winston chamou a atenção pelos efeitos inovadores para o Exterminador, especialmente para o complicado dispositivo que criava a ilusão de termos Schwarzenegger arrancando e consertando seu próprio olho. O clímax é outro momento de brilho, onde a execução de Winston se alinha com a inspiração de Cameron em outro grande mestre do cinema: Ray Harryhausen, o maior especialista na arte do stop motion, principal técnica utilizada para criar o confronto entre Sarah, Kyle e o Exterminador em sua forma natural de exoesqueleto metálico, saído diretamente do pesadelo de Cameron.
Uma das histórias mais inspiradoras para fãs do cinema, O Exterminador do Futuro mostra que uma grande ideia pode ser realizada e executada com criatividade. Contando com a ajuda de colaboradores que se tornariam tão importantes quanto ele, James Cameron cria uma pérola inestimável que lançou uma das franquias mais adoradas e originais da ficção científica, oferecendo um tipo de narrativa coeso e surpreendente à sua própria forma.
Realmente, devemos prestar mais atenção em nossos próprios sonhos.
Ou pesadelos.
O Exterminador do Futuro (The Terminator, EUA - 1984)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron e Gale Anne Hurd
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Michael Biehn, Linda Hamilton, Paul Winfield, Earl Boen, Lance Henriksen
Gênero: Ficção Científica
Duração: 107 min
https://www.youtube.com/watch?v=WPgMY9e8Z8M
Leia mais sobre O Exterminador do Futuro
Crítica | Era Uma Vez um Gênio apresenta o épico intimista de George Miller
Após recolocar seu nome nos holofotes de forma espetacular com o seminal Mad Max: Estrada da Fúria, o cineasta George Miller não se acomodou. Apesar de ter confirmado um novo derivado da franquia de ação focado na heroína Furiosa, o diretor australiano logo embarcou em um projeto radicalmente diferente de tudo o que já havia produzido: Era Uma Vez um Gênio.
Baseando-se no conto The Djinn in the Nightingale's Eye da autora britânica A.S. Byatt, a trama do filme acompanha uma especialista em narrativas (Tilda Swinton) que inesperadamente liberta um gênio ancestral (Idris Elba) de seu aprisionamento. Ele lhe oferece 3 desejos mágicos, além de contar diferentes histórias sobre seu passado.
Em seu núcleo, Era Uma Vez um Gênio é essencialmente sobre o valor e a necessidade de histórias. Seja para entender sentimentos, conceitos complexos ou lições de moral, narrativas estão presentes por toda a parte, e o roteiro de Miller e Augusta Gore é afiado ao colocar essa discussão metalinguística durante os diálogos da protagonista com o Gênio, flertando bastante também com a atmosfera de um conto de fadas.
Ainda que claustrofóbico e quase teatral durante maior parte, já que a maior parte da história se passa em um quarto de hotel, o longa se transforma para ilustrar os contos do Gênio, com George Miller apostando em uma escala gigantesca, um valor de produção notável e um trabalho de fotografia primoroso de John Seale - além de uma trilha sonora bem discreta do outrora barulhento Tom Holkenborg.
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https://www.youtube.com/watch?v=0isjS_PtOG0
Crítica | House of the Dragon fica ainda melhor em seu segundo episódio
Contém spoilers!
Após uma estreia arrasadora e que culminou na maior audiência de um novo projeto da HBO, House of the Dragon tinha um desfio muito mais relevante em sua segunda semana de exibição: não deixar o fogo apagar. A série prelúdio de Game of Thrones começou muito forte com o piloto The Heirs of the Dragon, um episódio eficiente em ambientar mundo, personagens e diferentes possibilidades de conflito - além de muito sexo, violência e efeitos visuais de alto escalão da televisão contemporânea. Poderia a série manter o padrão de qualidade? Felizmente, The Rogue Prince consegue ser ainda melhor do que seu antecessor.
A trama do episódio começa seis meses após os eventos do anterior, e mesmo tendo terminado de forma bombástica com a nomeação de Rhaenyra (Milly Alcock) como sucessora do Rei Viserys (Paddy Considine), os eventos seguem rotineiros. Isto até o ponto em que a pressão para que o rei tome uma nova esposa começa a se alastrar pelo reino, ao mesmo tempo em que um feroz rebelde conhecido das Cidades Livres desatabiliza a força dos Targaryen; que ainda sofre pelas ameaças do vingativo príncipe Daemon (Matt Smith).
Curiosamente, o segundo episódio de House of the Dragon é muito maior do que o primeiro, apesar de sua escala consideravelmente menor. Sem muitas batalhas, embates ou grandes orgias, a direção de Greg Yaitanes (veterano de bons episódios de Lost e Heroes) consegue ser mais incisiva e com mais nuances do que a de Miguel Sapochtnik no anterior, sendo muito inteligente ao captar pequenos movimentos, reações e detalhes durante os muitos diálogos e conflitos verbais dos personagens.
Por mais que seja um episódio mais voltado em conversas, Yaitanes é habilidoso em suas composições, especialmente o confronto direto entre Daemon e as forças do rei em uma ponte, banhada por um lindíssimo sol escondido entre nuvens foscas de um céu saído de uma pintura. Se o primeiro episódio tentava demais se manter dentro da forma estética de Game of Thrones, The Rogue Prince dá os primeiros passos para assumir uma identidade muito mais própria para House of the Dragon, o que definitivamente é um ponto positivo.
Quanto aos conflitos em si, o roteiro de Ryan J. Condal mantém a inteligência dos diálogos e maquinações políticas que funcionaram tão bem no anterior. A trama acerca do novo casamento do Rei garante uma participação muito mais ativa do Lorde Corlys Velaryon de Steve Toussaint, que oferece sua filha assustadoramente mais jovem para se casar com Viserys. É uma situação desconfortável e que rende ótimos momentos de todo o elenco, especialmente na crescente de Toussaint para se tornar um possível novo antagonista no arco de Viserys.
Quanto a Rhaenyra Tagaryen, a jovem Milly Alcock continua sendo o centro das atenções durante a maioria de suas cenas. Adotando ecos com o arco de Daenerys Targaryen da série original, Rhaenyra navega por uma narrativa de empoderamento e feminino muito mais evidente, especialmente pelo fato de sua personagem também ser mais jovem. Além das delicadas cenas em que tenta conversar sobre a morte da mãe com seu pai, o destaque fica para a interação passivo-agressiva que compartilha com sua prima Rhaenyra (Eve Best, cada vez mais interessante), onde ambas parecem determinar o grande conflito da série: a posição de uma mulher no Trono de Ferro, algo que também era um ponto chave de Game of Thrones.
E Rhaenyra é remanescente à sua futura descendente também no que diz respeito à ação. Seu embate diplomático com Daemon na ponte de Dragonstone garante um momento de grande força e presença para Rhaenyra, que só é melhor graças à condução habilidosa de Yates, tratando o confronto com a tensão de uma guerra fria - algo irônico considerando a presença de dragões no momento.
Ainda que a virada de história que encerra o episódio fosse esperada, com Viserys escolhendo se casar com Alicent Hightower ao invés da filha de Valeryion, é de se admirar a elegância do roteiro de Condal. Há quem diga que previsibilidade é fruto de uma escrita ruim, mas o caso de The Rogue Prince é mesmo resultado de uma construção atenciosa e que se beneficia de uma direção inteligente e que encontra os pontos de interesse apropriados.
A julgar pelo nível de qualidade de seu segundo episódio, o acerto inicial de House of the Dragon não foi mera sorte de principiante.
House of the Dragon - 01x02: The Rogue Prince (EUA, 2022)
Showrunner: Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Direção: Greg Yatanes
Roteiro: Ryan J. Condal
Elenco: Paddy Considine, Milly Alcock, Rhys Ifans, Matt Smith, Steve Toussaint, Emily Carey, Eve Best, Graham McTavish, Sonozoya Mizuno, Gavin Spokes
Gênero: Drama
Duração: 53 min
Crítica | Piranhas 2: Assassinas Voadoras marca a estreia de James Cameron nos cinemas
Com o lançamento iminente de Avatar: O Caminho da Água, enfim teremos o retorno do cineasta James Cameron para as telonas do cinema. É um dos nomes mais criativos e bem sucedidos de Hollywood, e tem uma filmografia repleta de grandes clássicos e pérolas de gêneros diferentes.
Todo mundo começa em algum lugar, e Cameron fez sua estreia nos cinemas com um trabalho inesperado em Piranhas 2: Assassinas Voadoras, filme trash do qual ele foi subitamente promovido de técnico de efeitos especiais para diretor após a demissão de Miller Drake do set.
O resultado do filme é exatamente o que se poderia esperar de um longa que promete piranhas voadoras em seu título. É de uma qualidade muito duvidosa e uma trama absurda, e que só fica pior quando os efeitos usados para fazer os peixes voarem se mostra extremamente limitado.
Porém, Piranhas 2: Assassinas Voadoras já traz diversos vislumbres do tipo de cineasta que James Cameron iria se tornar, destacando o apreço por mulheres fortes no protagonismo e, claro, uma obsessão pela fotografia submarina.
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https://www.youtube.com/watch?v=Z5o63ZMhYCw&t
Crítica | Samaritano desperdiça potencial de Sylvester Stallone como super-herói aposentado
Com o crescente investimento de Hollywood em super-heróis e franquias de quadrinhos, é sempre divertido ver como astros do passado se adequam às novas tendências do mercado. É o caso de Sylvester Stallone, um dos grandes nomes da década de 80, que agora embarca no universo dos heróis mascarados.
A premissa de Samaritano, novo filme original da Amazon Prime Video em parceria com a MGM, explora um mundo marcado pelo combate do super-herói Samaritano (Stallone) e seu maléfico irmão, Nêmesis. Trinta anos depois de ambos supostamente terem morrido, o esperançoso Sam (Javon Walton) segue em sua própria investigação para encontrar o herói desaparecido, e descobre que seu vizinho, o simpático Joe, é o vigilante aposentado e melancólico.
É uma ideia formidável que imediatamente remete a obras como Watchmen e Os Incríveis, abordando a melancolia e o cotidiano ordinário de seres fantásticos. Infelizmente, o filme de Julius Avery não é muito eficiente em abordar todo esse potencial, carecendo de uma história mais envolvente.
Apesar de Stallone estar confortável e à vontade no papel de Joe, a performance de Javon Walton acaba prejudicando o filme inteiro, especialmente por seu personagem ter uma participação consideravelmente maior do que a de Stallone.
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https://www.youtube.com/watch?v=ArhcXJTCBNw&t=1s