Crítica | Desperate Housewives: 7ª Temporada - O Princípio do Fim

Desperate Housewives teve uma trajetória interessante em sua longa vida na televisão norte-americana. Além de nos surpreender com uma narrativa de grande qualidade e personagens que sem dúvida ficariam marcadas para a história – fosse pelas personalidades contrastantes ou pelas múltiplas tramas que se fundiam num delicioso misto de suspense e comédia. Agora, com a chegada da sétima temporada, nos deparamos com o súbito fim que nossa querida série teria no próximo ano. E, como já era de se esperar, Marc Cherry prenunciaria o adeus a Wisteria Lane logo no primeiro episódio do novo ciclo, resgatando elementos práticos e envolventes utilizados nas iterações anteriores para recuperar uma glória perdida.

Para aqueles que não se recordam, a sexta temporada do show falhou em quase todos os aspectos e conseguiu se tornar uma esquecível aventura novelesca de Fairview. Como sempre, Cherry buscou trazer novos personagens, uma nova família atraída pelos segredos obscuros da pitoresca vizinhança, mas não alcançou seu objetivo – muito pelo contrário: as visíveis falhas foram rapidamente cortadas com resoluções apressadas e que pavimentaram o caminho para a chegada de umas das personas mais cômicas e complexas da televisão contemporânea: Renee Perry (Vanessa Williams).

Em uma perspectiva mais abrangente, Renee é apenas uma das incríveis adições que trazem o respiro de originalidade para as tramas intrincadas das desesperadas donas de casa e, devido à atuação impecável de Williams, a nova femme fatale caiu no gosto popular e tornou-se personagem regular com aplaudível credibilidade. Renee é uma das amigas mais antigas de Lynette (Felicity Huffman), e volta para sua vida após terminar o casamento com um famoso jogador de basquete Doug Perry (Reggie Austin) – e, como todas as outras moradoras de Wisteria Lane, sua superficialidade oculta quem é de verdade (e os segredos que carrega de um passado longínquo, mas que poderia acabar com um casamento).

Renee não é a única a roubar nosso foco; Paul Young (Mark Moses) faz um comeback de tirar o fôlego no season finale predecessor ao alugar a casa de Susan (Teri Hatcher) após ela se mudar para um pequeno apartamento no centro da cidade. Paul foi liberado de sua prisão após os policiais descobrirem que Felicia Tilman (Harriet Sansom Harris) estava viva e se escondia esse tempo todo para dar a impressão de ter sido assassinada pelo taciturno homem. Agora que voltou para seu lar, ele deixa bem claro desde o princípio que pretende se vingar de tudo o que aconteceu e de todas as coisas que seus vizinhos fizeram contra ele – inclusive não estarem ao seu lado quando mais precisou.

A princípio, podemos encarar as storylines do sétimo ano como pesados o suficiente para que sejam explorados na profundidade que merecem – isso sem contar as subtramas que concernem às personagens principais. Entretanto, o showrunner tem vinte e três episódios e uma equipe competente o bastante para que nada ceda às fórmulas extenuantes dos dramas televisivos. O resultado final é competente e aprazível na medida certa para nos manter enganchados para a temporada final: Cherry não se restringe apenas em arquitetar algo com o que já estávamos acostumados, mas constrói sequências agonizantes que incluem uma tentativa de assassinato, uma traição e um protesto que acaba em tumulto e em vários feridos.

O que mais nos chama a atenção é a inteligência e a sagacidade com a qual os arcos se erguem em meio a um cenário não tão promissor assim. O roteiro é cautelosamente escrito e se envolve com uma progressão narrativa que reflete o melhor que a série poderia ter nos entregado – talvez alcançando o mesmo patamar que as iterações originais. A ideia aqui é manter o nível de desconstruções das protagonistas e colocá-las em uma atmosfera bem diferente da que já estavam, obrigando-as a sair da zona de conforto e cultivando certas nuances que foram ofuscadas pelos equívocos artísticos e técnicos dos últimos dois anos.

Conforme nos aproximamos do season finale, percebemos que o criador não perde a chance de utilizar alguns gatilhos importantes apenas mencionados em episódios anteriores, e mais uma vez muda os holofotes para uma subtrama que já deveria ter sido explorada, mas foi guardada para o final. Gabrielle Solis (Eva Longoria), já tendo recomposto seu império do zero e se afastado da superficialidade extremamente consumista, é jogada em um último arco de redenção, no qual enfrenta demônios que julgava estarem exorcizados: seu padrasto, Alejandro (Tony Plana), não estava morto e a reencontrou para continuar seu reinado de caos e medo a que sempre lhe infligira. Isso é, até ser brutalmente morto por Carlos (Ricardo Chavira) e enterrado na floresta.

Desperate Housewives basicamente volta à sua boa forma e preconiza um triste fim que, ao certo, deixará muitas saudades. Agora, caminhamos numa certeza impalpável ao fim, que transborda com ainda mais segredos e que também dá início a um dos momentos mais obscuros das nossas heroínas.

Desperate Housewives – 7ª Temporada (Idem, EUA – 2010)

Criado por: Marc Cherry
Direção: Charles McDougall, Larry Shaw, Arlene Sanford, Jeff Melman, Fred Gerber, John David Coles, David Grossman
Roteiro: Marc Cherry, Oliver Goldstick, Tom Spezialy, Alexandra Cunningham, Tracey Stern, John Pardee, Kevin Murphy, Jenna Bans, Patty Lin, David Schulner, Chris Black, Bob Daily
Elenco: Teri Hatcher, Marcia Cross, Eva Longoria, Felicity Huffman, Brenda Young, Doug Savant, Ricardo Chavira, Andrea Bowen, James Denton, Kathryn Joosten, Vanessa Williams, Mark Moses, Kevin Rahm
Emissora: ABC
Episódios: 23
Gênero: Drama, Comédia, Mistério
Duração: 45 min. aprox.


Crítica | Desperate Housewives: 6ª Temporada - Cedendo às Fórmulas

Desperate Housewives tornou-se um grande sucesso da ABC por reformular as histórias tragicômicas do suspense e do drama familiar. Afinal, o título enganoso poderia facilmente nos levar para uma esquecível fórmula que teria como foco donas de casa desesperadas com seus problemas superficiais e seus arcos tão profundos quanto uma colher de sopa. Entretanto, a brilhante mente de Marc Cherry, na verdade, nos apresentou a personagens fortes, com narrativas envolventes e chocantes que cultivaram um espaço considerável em nossos corações e transformaram Wisteria Lane em uma espécie de segunda casa – mesmo com todas as suas mentiras e os seus condenáveis habitantes. Mas, no final das contas, Cherry joga nas nossas caras a premissa “atira a primeira pedra quem não tem pecados” e arquiteta personas tão reais quanto nós.

De qualquer forma, o show nunca esteve livre de deslizes. Os primeiros erros começaram a dar as caras já na segunda iteração que, apesar de ser esteticamente competente, falhou em nos comover do mesmo modo que fez em seu ano de estreia - talvez pela quantidade absurda de personagens, ou talvez até mesmo pela repetição inusitada das subtramas. Conforme os anos se passaram, a obra recuperou a sua glória, pelo menos até 2009: com a chegada do sexto ciclo, Cherry parece demonstrar mais uma vez um prematuro cansaço que até mesmo explica a duração de Desperate por apenas mais dois anos antes do chocante e vindouro series finale.

Como já é de se esperar, os novos capítulos se valem bastante de mais mudanças para a vida de cada uma das protagonistas. Lynette (Felicity Huffman) enfrenta as consequências de sua nova gravidez; Bree (Marcia Cross) tenta ao máximo terminar seu casamento com Orson (Kyle MacLachlan), que se transformou em uma das pessoas mais odiosas de todo o seriado, mergulhando em um vicioso ciclo de egolatria e chantagem; Gabby (Eva Longoria) "ganhou" mais uma filha, Ana (Maiara Walsh), introduzia ao público como uma rebelde adolescente nos episódios passados; e Susan (Teri Hatcher), após passar por mais um evento de quase morte, finalmente voltou para os braços de Mike (James Denton).

O problema é que, desde a estreia de seu piloto, o show provou para sua audiência que nenhuma ação fica sem seu respectivo corolário. Afinal, para aqueles que não se recordam, Mike estava em um relacionamento com Katherine (Dana Delany) e prestes a pedi-la em casamento antes de se reentrelaçar com seu primeiro e único amor da conturbada Wisteria Lane. Era apenas natural que, após salvá-la, os dois se reconectassem - mas ninguém poderia imaginar que Katherine se transformaria em uma lunática e tentaria por um fim ao casal. Cherry acerta em cheio junto a seu time de roteiristas à medida que delineia duas perspectivas diferentes, levando-nos dentro de um frenesi que nos impede de torcer apenas para um lado.

A dramédia logo se transforma num pano de fundo trágico que culmina em sua internação - mas essa resolução não chega aos pés de mais uma chocante iteração que envolve uma festa de Natal e uma queda de avião. De fato, a entrada intitulada Boom Crush não apenas sacrifica mais um de seus personagens (algo que o showrunner parece gostar de fazer sumariamente), como também causa mudanças ainda mais irreversíveis na vida de todos, sendo capaz de inverter os papéis do tóxico relacionamento entre Bree e Orson - afinal, este fica paraplégico e aquela se sente culpada pela condição do marido.

Porém, seguindo parâmetros predecessores, a série introduz também uma nova família e um novo mistério que deveria reger, ao menos em teoria, a atmosfera principal da temporada. Entretanto, as presenças de Drea de MatteoJeffrey Nordling como Angie e Nick Bolen, respectivamente, não encantam e constroem-se de forma fragmentada dentro de um escopo já bastante sólido. A personalidade sarcástica e durona de Angie nos dá uma impressão artificial, afastando-se de qualquer enlace químico com qualquer outras das personagens - até mesmo de Gabby, com a qual detém uma proximidade muito maior.

De Matteo e Nordling, todavia, entregam-se o máximo que conseguem a uma performance razoável. É Beau Mirchoff que nos rouba o foco por todos os motivos errados, dentro de uma atuação que não chega aos pés dos outros artistas. Ao encarnar Danny, filho do casal Bolen, ele se esforça para alcançar um patamar dramático considerável; o resultado é risível, culminando, no final das contas, em uma espécia de adolescente problemático com tiques nervosos presos em um beco sem saída - não é surpresa que, em seus momentos de "ápice" sentimental, ele sempre recorra ao copioso choro e se transforme na vítima mais patética de todas.

É triste observar a decadência de Desperate Housewives; mais triste ainda é perceber como nossas adoradas donas de casa, na verdade, não têm culpa mesmo perdendo lugar em prol de uma tentativa falha de alcançar um patamar desnecessário. O desfecho extremamente apressado nem mesmo se configura como o principal problema: afinal, os alicerces principais já haviam mergulhado em uma profunda inércia, preferindo ceder a saídas formulaica a buscar originalidade.

Desperate Housewives – 6ª Temporada (Idem, EUA – 2009)

Criado por: Marc Cherry
Direção: Charles McDougall, Larry Shaw, Arlene Sanford, Jeff Melman, Fred Gerber, John David Coles, David Grossman
Roteiro: Marc Cherry, Oliver Goldstick, Tom Spezialy, Alexandra Cunningham, Tracey Stern, John Pardee, Kevin Murphy, Jenna Bans, Patty Lin, David Schulner, Chris Black, Bob Daily
Elenco: Teri Hatcher, Marcia Cross, Eva Longoria, Felicity Huffman, Brenda Young, Kyle MacLachlan, Doug Savant, Ricardo Chavira, Andrea Bowen, James Denton, Dana Delany, Kathryn Joosten, Drea de Matteo, Maiara Walsh, Jeffrey Nordling
Emissora: ABC
Episódios: 23
Gênero: Drama, Comédia, Mistério
Duração: 45 min. aprox.


Crítica | Aladdin (2019) - As Modernizações Afetadas de Alan Menken

Nota: as faixas analisadas serão apenas aquelas acompanhadas por um performer.

Alan Menken é, sem sombra de dúvida, um dos maiores compositores de sua geração. Para aqueles que não estão familiarizados com o nome em questão, Menken é simplesmente responsável por dar vida a algumas das músicas mais famosas do panteão Disney – como a trilha sonora de A Pequena SereiaO Corcunda de Notre-Dame e Hércules. Logo, foi quase automático ficarmos com as expectativas lá em cima quando ele anunciou seu retorno para o aguardado remake em live-action de Aladdin (recuperando as glórias da animação original, pela qual também ficou responsável). Entretanto, sua proposta de chamar outros artistas para lhe ajudar, inclusive na composição de duas novas faixas, falhou em diversos aspectos, criando um infeliz e perceptível anacronismo.

A proposta aqui é bem simples: abraçar as memoráveis versões originais e repaginá-las com construções sonoras modernizadas, aproximando-se da cultura pop contemporânea com força e envolvência. Tal premissa já mostra suas caras na canção de abertura, “Arabian Nights”, interpretada por Will Smith. De fato, a melódica e sedutora flauta árabe brevemente nos transporta para as areias de Agrabah, porém não ganha protagonismo o suficiente, visto que a linear voz de Smith já nos invade os ouvidos poucos segundos depois. É visível a tentativa do ator em entregar algo mais sombrio, apesar de não alcançar o que promete até a chegada do refrão, em que os violinos e violoncelos acham terreno fértil para explodirem, acompanhados do bem-vindo alaúde e o qanun.

No geral, a construção da track traz um dinamismo quase assustador que é aprazível dentro de suas restrições. Os equívocos mantêm-se concentrados na unidimensionalidade do cantor principal, que confunde-se com os backing vocals em uma amálgama amorfa. E esses erros se alastrariam para o restante da trilha. “Friend Like Me”, que marca o retorno de Smith como o divertido Gênio da Lâmpada, traduz numa deliciosa releitura o instrumental à la Cab Calloway, trazendo elementos de um híbrido do jazz e do pop, nunca perdendo sua essência (os agudos trompetes que dividem claramente os blocos da música são incríveis, sem mais nem menos). Porém, mesmo que Smith busque por uma espontaneidade que emule Robin Williams (o Gênio original), ele nos passe, novamente, uma impressão limitada.

A música em questão carrega complicadas quebras de fluidez sonora que atiram para todos os lados. A complexidade aqui insurge devido aos deslizes e, num esforço artificial de aglutinar as faixas em um conceito único, não lapida os excessos. É nesse contexto que “Prince Ali”, a declaração aclamatória que introduz Aladdin para a Princesa Jasmine, também se materializa. Seguindo os passos da arquitetura original, os múltiplos coros acompanham trombetas epopeicas, a volta cíclica da flauta e o qanun – com uma mescla moderna arrepiante: na sequência musical em questão, é possível ver que Menken faz bom uso até mesmo de alguns excertos da adaptação teatral do conto, permitindo que o anacronismo funcione e integre o próprio personagem.

Porém, Smith repetitivamente força-se a entregar algo para o qual não está preparado. A trackrecua para uma parada desnecessária, depois mergulha numa correria extenuante que, mais uma vez, culmina na ofuscação do Gênio e na sobrevalorização de todas as outras vozes. Nem mesmo a esperada conclusão alcança a nota prometida, descendo um degrau e abandonando a última chance de alçar voo.

Felizmente, Mena Massoud e Naomi Scott, que respectivamente dão vida a Aladdin e Jasmine, parecem encontrar uma sintonia brilhante em seu momento romântico. Em “A Whole New World”, os vocais tenores de Massoud parecem transpostos de Brad Kane (o personagem-título original) e emulam-no extremamente bem ao ponto de serem nostálgicos. Scott, por sua vez, já é conhecida por uma potente voz (ouvida no longa Lemonade Mouth, por exemplo), mas prefere manter-se em uma timidez musical durante seus primeiros versos até nos maravilhar dentro de uma fluida harmonização que faz ótimo uso de sua extensão. Mais uma vez, o compositor principal encontra espaço o suficiente para reinventar a si mesmo, ainda que não perceba certas redundâncias.

Scott, em seu solo intitulado “Speechless”, se engolfa em sua zona de conforto em uma balada pop de empoderamento e autoafirmação que seria ainda mais interessante em outro lugar. Porém, a track em questão não tem sentido algum quando comparada com a conjuntura do filme, esbarrando em uma peça fragmentada e alheia às outras. Não há um único tom que converse com a ambiência arábica e épica, assemelhando-se a um single que estranhamente dialoga com a independência de outra performance da cantora – “She’s So Gone”. Porém, Scott se joga de corpo e alma e brevemente nos faz esquecer dessa gritante discrepância.

Os erros, por sua vez, carregam o nome da dupla Pasek & Paul, que ganharam reconhecimento ao trabalharem com Justin Hurwitz no musical La La Land e, depois, pelo trabalho em O Rei do Show. O duo, conhecido por transformar o classicismo de época em uma adaptação contemporânea e dialógica com os espectadores e ouvintes – é só nos recordarmos da canção “This Is Me” -, continua a deixa sua marca na indústria cinematográfica. Todavia, seus últimos trabalhos já tinham características propositalmente atemporais; aqui, as lyrics que delineiam despedaçam a atmosfera tão arduamente lapidadas por Menken e, em uma perspectiva abrangente, falham em sua completude.

Duas das composições retornam em mais duas versões: “Prince Ali” une-se com um bizarro remix estrelado por Smith e DJ Khaled que não tem uma gota de coerência; e uma conceitual recriação de “A Whole New World” por ZAYN e Zhavia Ward. O único problema, ofuscado pelos potentes e surpreendentes vocais, é que os dois cantores em questão fundem-se em harmonia apenas na transição do segundo para o terceiro ato: em outras palavras, suas entregas demoram para se separar quanto à caracterização individual.

A trilha sonora principal de Aladdin emula a si mesma de forma mediocramente satisfatória, carregando consigo pouca mágica da original. Algumas faixas fogem do convencional, mas esbarram em outros obstáculos; outras, em uma tentativa de acrescentar algo, tornam-se desnecessárias. Mas, ao menos, a instrumentalização permanece a mesma – e Scott insurge como a principal estrela do longa-metragem.

Nota por faixa:

  • Arabian Nights - 3,5/5
  • One Jump Ahead - 3/5
  • Speechless (Full) - 2,5/5
  • Friend Like Me - 3/5
  • Prince Ali - 2,5/5
  • A Whole New World - 4,5/5
  • A Whole New World (End Title - ZAYN & Zhavia Ward) - 4/5
  • Prince Ali (End Title - Will Smith & DJ Khaled) - 1/5

Crítica | Lemonade - O Melhor Álbum de Beyoncé

Beyoncé Knowles-Carter tornou-se bastante conhecida no final da década de 1990 ao integrar o grupo conhecido como Destiny’s Child. Desde então, a cantora norte-americana construiu uma carreira marcada por diversos sucessos, consagrando-se como uma das maiores artistas da indústria musical de todos os tempos. Entretanto, não seria até 2016 que Beyoncé entregaria a seus fãs e ao público de todo o mundo o melhor álbum de sua carreira: Lemonade, cuja construção, desde sua pré-produção até a chegada nos serviços de streamings, louva a cultura negra e o empoderamento feminino de forma impecavelmente envolvente e numa fusão de diversos gêneros musicais que o transformou em um lançamento necessário e memorável para os anos que virão.

A priori, é ímpar tem em mente que o disco é inteiramente visual; ainda que as poderosas letras, delineadas com maestria pela cantora em colaboração com nomes importantes da esfera fonográfica (incluindo The WeekndKendrick Lamar e James Blake), perpassem por dias de luta e dias de glória e resgatem sua belíssima e aplaudível herança, os videoclipes não funcionam como produções à parte, e sim com extensão de algo inovador e renovador ao mesmo tempo. Afinal, é justamente aqui que Beyoncé abre portas para canções declarativas ao R&B, ao soul, ao jazz e ao folk, gêneros historicamente datados da cultura afrodescendente que encontrou uma expressão única ao serem marginalizados na sociedade estadunidense, bom, desde sempre.

A estética visual, por exemplo, fala muito alto quando nos restringimos aos vídeos de “Hold Up”“Formation”. O primeiro, de forma deliciosamente contemporânea, traz a lead singerencarnando Oxum, deusa da água iorubá do amor, da sensualidade e da fertilidade – ora, não é nenhuma surpresa que a artista declare no refrão “eles não te amam como eu te amo”, partindo de um escopo bastante pessoal para uma universalidade incrível que já se provou próprio de sua identidade musical. A canção, por sua vez, traz batidas próprias de um delicioso reggae, além de fazer claras referências de bandas que a influenciaram para construir o CD em si – como Soulja Boys. Aqui, Knowles-Carter abre espaço para explorar timbres vocais sem qualquer peso artificial, fluidamente escorrendo em uma sutileza categórica e emocionante.

Já “Formation”, buscando elementos de um vanguardista R&B, borbulha com referências imagéticas e sonoras que ganham vida e nos levam através de uma história apagada pelo egocentrismo branco. É aqui que a cantora abraça de vez sua herança provinda de “meu pai, [do] Alabama; minha mãe, [de] Louisiana”, além de cutucar com sarcasmos deliciosos as múltiplas teorias da conspiração que insurgiram nos últimos anos para renegar a importância que trouxe para a valorização da cultura afro-americana. Em outras palavras, a track em questão alcança níveis de perfeição que sarcasticamente grita “eu tenho orgulho de ser quem eu sou”.

De qualquer forma, essas não são as únicas composições a roubarem nossa atenção – muito pelo contrário: fica bastante claro os esforços de Beyoncé em transformar cada uma das produções pelas quais fica responsável em um discurso de “mais amor e menos ódio”, sem perder a força de seus solilóquios. Ora, não é à toa que ela traga samples de todas as pessoas que já lhe inspiraram na vida, incluindo a própria avó, Agnéz Deréon, e a avó de seu marido Jay-ZHattie White (bem como nomes como Malcolm X e Frank Ocean, este último com quem já trabalhou diversas vezes). A primeira faixa, “Pray You Catch Me”, é uma balada desconstruída que reflete as dores de um eu lírico marcado por dores, mais uma vez, passando do particular para o universal.

Passando por arranjos ainda mais cínicos com “Sorry” e por obscurantismos muito bem-vindos com a joia “6 Inch”, Knowles-Carter alcança mais um ápice em seu álbum com “Daddy Lessons”, que é diferente de tudo o que já ouvimos até hoje. Com a música em questão, a lead singer eleva as expectativas de sua própria sonoridade, iniciando com os primórdios do jazzapenas para cultivar um terreno propício à insurgência de um country texano que louva, como preconiza o título, as lições que seu pai lhe ensinou: “ele me disse para não chorar; meu pai disse ‘atire’”, repetindo o refrão inúmeras vezes como forma de encontrar as forças necessárias para seguir em frente; tudo isso incluso em um escopo paradoxalmente nostálgico e modernizado.

Enquanto “Love Drought” e “Sandcastles” unem-se em uma narrativa com início, meio e fim – focando principalmente em mentiras e na consequente reconciliação -, “Freedom” volta com uma atmosfera quase gospel, marcada por um coro enérgico que vai ao encontro da instrumentalização própria do hip-hop, incluindo as batidas demarcadas de uma jovem banda colegial, ramificando suas mensagens de louvor para as gerações atuais. Lamar, que instantaneamente é reconhecido conforme entra na transição entre o segundo e o terceiro atos logo antes do último refrão, acrescenta ainda mais dinamismo à track.

Lemonade é nada menos que necessário. Uma nova e ocultada perspectiva de uma história que se repete há séculos e que, mais que nunca, reflete a importância do “conhecer a si mesmo”. Como já reafirma a premissa principal dessa obra-prima, se a vida lhe dá limões, faça uma limonada; e, bom, foi exatamente isso o que Beyoncé resolveu fazer.

Nota por faixa:

  • Pray You Catch Me – 4,5/5
  • Hold Up – 5/5
  • Don’t Hurt (feat. Jack White) – 4,5/5
  • Sorry – 5/5
  • 6 Inch (feat. The Weekend) – 5/5
  • Daddy Lessons – 5/5
  • Love Drought – 4/5
  • Sandcastles – 5/5
  • Forward (feat. James Blake) – 4,5/5
  • Freedom (feat. Kendrick Lamar) – 5/5
  • All Night – 4,5/5
  • Formation – 5/5
  • Sorry – Original Demo – 5/5

Lemonade (Idem, EUA – 2016)

Label: Parkwood, Columbia
Lead: Beyoncé Knowles-Carter
Composição: Beyoncé Knowles-Carter, Kevin Garrett, James Blake, The Weeknd, Emile Haynie, Jack White, Arrow Benjamin, Thomas Wesley Pentz, Ezra Koenig, Kendrick Duckworth 
Gênero: R&B
Faixas: 13
Duração: 49 min.


Crítica | Love + Fear - A Jornada Psicológica de Marina Diamandis

Depois de sua declaração de amor às décadas do pop clássico com Froot, Marina Diamandis resolveu deixar de lado o complemento The Diamonds e deu início a uma nova era, marcada pelo que a cantora sabe fazer de melhor: criar. Love + Fear já traz uma simbologia pelo título e nos promete o que vem a ser um de seus melhores trabalhos, criando dois escopos totalmente diferentes e canalizando-as em um proposital maniqueísmo musical cujo respaldo conversa diretamente com o memorável Donnie Darko.

Para Marina, o mundo está dividido em dois. A primeira metade dele fala sobre o amor em suas múltiplas variações, seja no relacionamento não correspondido, seja num entrelace à prima vista que acabou não dando certo, mas jamais será apagado da memória. Isso já é explorado na música de abertura e também single inicial de seu quarto álbum de estúdio: “Handmade Heaven” resgata um pouco de sua identidade primária – vide Family Jewels e Electra Heart -, mas entrega uma estrutura mais dialógica para os fãs que a acompanham desde sempre. Não é surpresa que a melódica e sutil construção já busque o melhor de seus vocais, culminando em algo que pode não ser seu trabalho mais ousado, mas abre portas para tentativas interessantes que se concretizam ao longo das dezesseis faixas.

“Superstar”, por sua vez, ganha um patamar mais aplaudível e original por nos transportar com força para uma época quase medieval, ainda sem perder seus traços contemporâneos. Na segunda faixa, fica bem claro que Marina voltou com força e não decepcionou: o que nos envolve sobre a cantora é a sua capacidade de arquitetar surpresas track após track. Esse brilho é o que a mantém em sua consagração, por mais que não tenha a visibilidade de suas conterrâneas. Talvez “Orange Trees” não seja tão bem composta, mas até a obviedade de sua fórmula não é o bastante para impedir que a lead singer dê alguns passos ousados na direção de um zouk desconstruído, uma dançante e campesina balada cuja mensagem é bem simples: nos confortar com uma história de amor que beira as estéticas românticas.

Ela até mesmo arrisca um saturado reggaeton ao lado de Luís Fonsi. “Baby”. É estranho pensar que, dentro do conceito prometido pelo disco, uma canção dessas tenha espaço. Porém, apesar das ressalvar pré-existentes, a música é funcional e prática, com uma harmonização impecável entre as duas vozes que, infelizmente, termina numa abrupta e esquecível conclusão. É a partir daí que outros convencionalismos começam a se materializar, manchando de forma concentrada faixas como “Enjoy Your Life” “True” e, com menos presença, na finalização iniciada por “To Be Human” e completada por “End Of The Earth”.

Mas é Fear, a segunda metade do mais novo cosmos de Marina, quem nos rouba a atenção já com a belíssima introdução existencial e nostálgica “Believe In Love”. Mesmo quando emula iterações predecessoras do final da década de 1990 e início dos anos 2000, a artista não perde a mão e faz um uso envolvente e emocionante de versos reflexivos. “Eu preciso acreditar no amor” preconiza o restante de suas investidas. “Life Is Strange” rouba nossa atenção por iniciar com um sample interessante com violinos que logo recebe o acompanhamento de sintetizadores e, mais uma vez, reafirma uma personalidade única ao mesmo tempo que serve de análise para o medo que ela sentiu, sente e continuará sentindo até morrer – e talvez para muito além.

Fear é uma jornada psicológica que, além do supracitado longa-metragem, busca referências em emoções primitivas que nos ajudam a sobreviver. A sensação de medo é responsável pela liberação de uma grande quantidade de adrenalina que cultiva terreno para impressionarmos a nós mesmos. Marina, desde que se lançou na indústria musical por conta própria, é movida por esse sentimento – cujo complexo e trágico ápice é refletido na obra-prima “Valley of the Dolls”, na qual seus fantasmas agora fazem parte de uma montanha-russa identitária e explosiva. A segunda parte de seu novo álbum, pois, entra como uma explicação complementar a todos os âmbitos que já explorou – não é surpresa, dessa forma, que a instrumentalização das tracks fuja do que esperávamos e renda-se a sutis e catárticas melodias.

“Karma” dá uma pista por seu próprio título da irônica aula lecionada por Diamandis. A premissa “um ciclo vicioso quando se vive numa doce negação” sintetiza o significado da música e até mesmo a ressignifica ao ser acompanhado com batidas propositalmente repetitivas e a entrada surpreendente de linhas sinfônicas, incluindo violoncelos que quebram nossas expectativas. Porém, o mesmo não acontece “Emotional Machine”, em que o potencial se perde com a chegada de um refrão estranho demais para ser apreciado sem um ouvido mais atento. É inegável que dizer que aqui, a conexão do público com a canção melhora gradativamente.

“No More Suckers” tem um brilho próprio e diferente de tudo que Diamandis apresentou até agora. Todavia, não é o chorus que merece enfoque maior, e sim o escopo musical lúdico cujas forças são canalizadas para o pré-chorus. É através dessa declaração que Marina cansa de todas as sanguessugas que tentaram arrancar sua vontade de continuar em frente, colocando um ponto final de modo teatral e até um pouco caricato, mas que não perde sua praticidade dentro do disco. “Soft To Be Strong”, desse modo, encontra um paralelismo com “To Be Human”, ainda que ganhe ares mais concretos de uma balada confessional.

Love + Fear prova, através de uma aventuresca crise, que o oposto do amor não é o ódio, e sim o medo. A rejeição de algo não correspondido por nos colocar em um ciclo de pura angústia – nós não nos aceitamos. “Alguém me machucou há muito tempo, e agora eu me escondo” talvez seja o verso que acompanha a breve explicação do álbum. E, mais uma vez, Marina pavimenta seu novo caminho sem abandonar a si mesma no trajeto.

Nota por faixa:

  • Handmade Heaven - 4/5
  • Superstar - 5/5
  • Orange Trees - 3,5/5
  • Baby (feat. Luis Fonsi) - 3/5
  • Enjoy Your Life - 3,5/5
  • True - 3,5/5
  • To Be Human - 4/5
  • End Of The Earth - 4,5/5
  • Believe In Love - 5/5
  • Life Is Strange - 4/5
  • You - 4/5
  • Karma - 4/5
  • Emotional Machine - 3/5
  • Too Afraid - 3,5/5
  • No More Suckers - 4/5
  • Soft To Be Strong - 5/5

Love + Fear (Idem, EUA – 2019)

Label: Atlantic
Lead: Marina Diamandis
Composição: Marina Diamandis, Benjamin Berger, Ryan McMahon, Ryan Rabin, Kaj Hassle, Oscar Görres, Jack Patterson, Camille Purcell
Gênero: Pop, Dance-pop
Faixas: 16
Duração: 34 min.


Crítica | Samantha!: 2ª Temporada - Quando Samantha Quase Cresceu

Em 2018, Samantha! foi lançado na Netflix e imediatamente nos entregou uma história aprazível, recheada de humor e que, ao mesmo tempo, criticava a cultura do culto à televisão e às subcelebridades de forma tão sutil que tangenciou a inexistência. E é claro que nada disso seria possível caso a narrativa não fosse também carregada por competentes personagens, incluindo a anti-heroína egocêntrica que empresta seu nome ao título da obra – Samantha Alencar (Emanuelle Araújo). A trama principal gira em torno da ex-celebridade mirim que ganhou imenso sucesso na década de 1980 e que perdeu sua relevância nos dias de hoje, fazendo o inimaginável e o absurdo para recuperar parte de sua glória.

A primeira temporada, seguindo o padrão de produções similares, abriu portas para seus protagonistas e fomentou um tour-de-force interessante para a nossa estrela apagada. É claro que, desde o episódio piloto, Samantha mergulhou em sua própria jornada de amadurecimento, retomando – ou tentando retomar – laços com seus antigos colegas ao mesmo tempo que lutava para manter sua família unida e retornar com força para o show business. Agora, ela deverá enfrentar outros obstáculos que concernem à sua reputação, seja como criança, seja como adulta, além de provar para o mundo que ela não é a pessoa que todos conheciam, e sim uma mulher independente, que tem a capacidade de tomar as próprias escolhas sem interferência externa.

No novo ano, o criador Felipe Braga arquiteta dois blocos diferenciados: no primeiro, a personagem encarnada por Araújo lida com o fato de que seus supostos amigos, Tico (Rodrigo Pandolfo) e Afonso/Bolota (Maurício Xavier) estão produzindo um filme sensacionalista baseado no romance não-ficcional Samontra!, perscrutado por memórias deturpadas cuja única finalidade era colocar Samantha como a vilã de uma interminável epopeia. Esses breves episódios, que ocupam quase metade da iteração, servem como respaldo para que a própria anti-heroína perceba que precisa crescer e agir como a mulher que sempre se mostrou para os outros – ao mesmo tempo em que nutre um sentimento vingativo por aqueles que mentiram a ela. Em outras palavras, ela se mete nas confusões mais inesperadas para provar seu ponto.

O segundo bloco recebe uma roupagem mais dramática. Aqui, Araújo abandona alguns estereótipos propositais de sua persona para lidar com traumas muito bem-vindos e que, apesar de serem resolvidos em um piscar de olhos, oferecem uma outra perspectiva para o público sobre uma narrativa muito conhecida – a ascensão e queda de uma estrela movida por seu passado e cega no presente. Eventualmente, os telespectadores descobrem que Samantha teve uma infância mascarada pelo “sorriso mais bonito do Brasil”, maquiando-a como a criança perfeita que todo mundo queria ter. Entretanto, a jovem estrela sempre sofreu por ter sido abandonada por sua mãe, deixada em um cesto à porta dos estúdios que a acolheram – e essa subtrama que também oferece respostas sobre seu relacionamento com o falecido Zé Cigarrinho (Ary França).

A protagonista encontra seu momento de brilhar quando se entrega para uma obscuridade totalmente oposta do que representava algumas décadas atrás, supervisionada pela excêntrica diretora de teatro Carmem Vecino (Alessandra Maestrini em uma adorável performance), a qual a vê como a pessoa certa para encarnar um monólogo bielorrusso proferido por uma órfã – ou seja, extensão metalinguística de si mesma. É claro que, levando em consideração que a série é uma construção cômica, o roteiro não abre mão de abandonar alguns diálogos sarcásticos e propositalmente autoexplicativos que quebram nossa expectativa. Em alguns momentos, porém, a hilaridade parece datada e sofre para ganhar um brilho próprio, sendo carregado mais pela química do elenco que pelo desenrolar dos episódios em si.

Braga também cultiva um terreno para outras entradas: Cindy (Sabrina Nonata) continua a se envolver com diversas vertentes feministas, sempre lutando pelo que deseja e percebendo um obstáculo considerável quando seus dois mundos acabaram por colidir; Brandon (Cauã Gonçalves) finalmente percebe que é uma criança e não precisa crescer antes da hora; e Dodói (Douglas Silva) lida com o retorno de sua mãe, Socorro (Zezeh Barbosa), com quem não conversava há doze anos e que, mesmo mantendo um relacionamento tênue, insiste em controlar o filho e os netos para se sentir útil novamente. O problema é que tais personagens, antes tendo um protagonismo maior, são enfiados nas limitações de cada capítulo, não expandindo-se para além do que esperávamos – isso sem falar em algumas rendições performáticas tão artificiais que se tornam execráveis.

De fato, Samantha e Dodói roubam a cena por sua naturalidade cênica. Mesmo nutrindo por diferenças gritantes, eles se completam e se ajudam nos momentos mais absurdos – na saúde e na riqueza, na alegria e na tristeza. E, conforme nos aproximamos do season finale, Dodói a observa ser levada pela polícia após um “sequestro forjado” que na verdade arrancou de Samantha seu maior esforço de humanidade, recuperando sua inocência infantil e, olhando para trás, percebendo que seus fãs ainda existem – portanto, a glória que achou que tivesse perdido há muito tempo.

Samantha! nos entrega mais uma aprazível temporada que termina em si mesma ao mesmo tempo que constrói um cliffhanger para um possível e esperado próximo ano. Araújo volta a brilhar como nunca e é agraciada com uma fragilidade apaixonante, envolvendo-nos do começo ao fim – mesmo com a obviedade de equívocos técnicos.

Samantha! – 2ª Temporada (Idem, Brasil – 2019)

Criado por: Felipe Braga
Direção: Luis Pinheiro, Júlia Jordão 
Roteiro: Roberto Vitorino, Patricia Corso
Elenco: Emanuelle Araújo, Douglas Silva, Sabrina Nonata, Cauã Gonçalves, Daniel Furlan, Ary França, Rodrigo Pandolfo, Maurício Xavier, Duda Gonçalves, Lorena Comparato, Zezeh Barbosa, Alessandra Maestrini
Emissora: Netflix
Episódios: 07
Gênero: Comédia
Duração: 25 min. aprox.


Crítica | My Happy Place - Emma Bunton Renascida

E nossa eterna Baby Spice está de volta!

Depois de treze anos desde seu último lançamento, Life In MonoEmma Bunton voltou às plataformas de música de todo o mundo com uma reestreia inesperada e sem muita cerimônia – o breve e nostálgico My Happy Place. E talvez seguindo o passado de sua última produção, que trazia composições respaldadas nos clássicos anos 1960 sem perder sua personalidade Spice Girl, seu quarto álbum de estúdio resolve emular alguns nomes bastante famosos da indústria fonográfica, mais precisamente do clássico pop iniciado décadas atrás. Porém, ao ouvir as poucas faixas que o CD nos traz, é quase imediato sentir que Emma parece estagnada em um passado remoto, preferindo reviver os dias de glórias que seguir em frente.

O disco já começa com um delicioso pop intitulado Baby Please Don’t Stop, cuja rendição explora os melhores vocais da cantora e cria uma atmosfera envolvente, sexy e de tirar o fôlego. O início sutil já apresenta sua porção de criatividade apenas para explodir em um dançante chorus que, por mais nostálgico que se mostre, ainda é carregado de uma personalidade aplaudível e não se assemelha a nenhuma outra produção criada por Bunton. Inclusive, a artista fica responsável pela composição de uma letra que se rende às declarações de amor mais sedutoras possíveis, nos deixando animados para o restante da obra.

E é exatamente aí que as coisas se perdem. Àqueles com certeza absoluta de que o álbum se manteria no escopo pop sofrem com uma queda brusca de I Wish I Could Have Loved You More, uma contraposição que deixa a desejar por não explorar todo o potencial que promete. A presença da guitarra nos arremessa direto para as últimas décadas do século passado – e, no caso, são os instrumentais que ganham nossa atenção. As lyrics trazidas para essa track são repetitivas e culminam em uma produção nem um pouco coesa, alheia a qualquer sentido que poderíamos buscar. Realmente, nem mesmo a procura mais minuciosa melhora nossa primeira impressão: o rock-pop transforma-se em uma construção orquestral pincelada por saxofones inexplicáveis e vocais que nem um pouco fluidos.

Ao longo das outras canções, Emma retorna para uma zona consideravelmente melhor, alcançando um ótimo ápice com Don’t Call Me Baby. De forma concisa, a insurgência de um sutil violão conversa com as entradas sintéticas e a guitarra elétrica e trilha um caminho que pode não prezar pelo crescendo plástico, mas que funciona em sua completude. É interessante analisar que, mesmo trazendo escopos musicais anteriores, é esta composição em questão que amarra a mensagem principal e até mesmo nos faz esquecer um pouco dos múltiplos equívocos que profusamente estouram.

O obstáculo que fala mais alto é o fato de Emma Bunton permanecer presa à época que lhe deu glória e fama: tudo bem, é compreensível que a artista não deseje abandonar trejeitos do grupo que fez parte de sua vida e faz até hoje, inegavelmente. Porém, quando ouvimos um novo álbum, ainda mais num tempo marcado por uma bolha industrial prestes a explodir, o primeiro foco de atenção é a singularidade – que, em My Happy Place, luta para ter voz. Além de emular o clássico de Candie Payton (I Wish I Could, que poderia ter permanecido em 2007 sem alterações ou reformulações), Don’t Call marca relações muito fortes com rendições de Kylie Minogue – e esse é o motivo por nos relacionarmos de imediato.

Essa possível homenagem aparece em outras faixas: “Too Many Teardrops” carrega um brilho próprio; entretanto, traz uma confusão anacrônica que resgata obras de Alanis Morissette e, mais indiretamente, de Shania Twain“I Only Want to Be with You”, recriação da conhecida performance de Dusty Springfield, abandona a conhecida de 1963 e emerge com uma roupagem mais contemporânea, uma balada construída em conjunta com Will Young que é aprazível, mas que, após a chegada do segundo bloco, entra em um contínuo melancólico e monótono demais até para os ouvidos menos experientes.

You’re All I Need to Get By, por sua vez, que também é homenagem à original de Marvin Gaye, traz um duo harmônico e com uma estruturação muito mais forte, que se perde apenas pelo inquebrantável ciclo. Porém, a adição dos instrumentos e da perspectiva contemporânea de Jade Jones tem uma praticidade adorável, cujos tons próprios do R&B são muito interessantes. Come Away with Me, todavia, é uma pura reciclagem mimética que dá uma sensação datada que se mantém até as últimas canções do álbum.

Emma resolve prestar menção às Spice Girls ao reviver o melódico 2 Become 1 ao lado de Robbie Williams. Mais uma vez, o reaproveitamento de algo que ajudou a criar não atinge uma plenitude envolvente o suficiente – contudo, não podemos tirar méritos dos acordes primários do violão e da fusão aplaudível de Bunton e Williams, que sabem o que estão fazendo com suas eloquências vocais ao mesmo tempo que deixam o fio da meada se perder. Um paradoxo que poderia ter sido previsto, mas infelizmente não o é.

My Happy Place é, com bastante clareza, um álbum repleto de homenagens, uma declaração de amor para suas influências e para aquilo que lhe dá conforto. Porém, considerando que Emma permaneceu mais de uma década sem retornar à música, era de se esperar que ela entregasse algo com um pouco mais de personalidade; porém, a cantora acaba nos entregando um álbum nada mais que divertido e nostálgico, perdendo a si mesma em meio a tantas emulações desnecessárias.

Nota por faixa:

  • Baby Please Don't Stop - 4,5/5
  • I Wish I Could Have Loved You More - 2,5/5
  • Too Many Teardrops - 2,5/5
  • I Only Want to Be with You - 3/5
  • Don't Call Me Baby - 4/5
  • You're All I Need to Get By - 3,5/5
  • Come Away with Me - 3,5/5
  • Emotion - 3/5
  • 2 Become 1 - 3/5
  • Here Comes the Sun - 3,5/5

My Happy Place (Idem, EUA – 2019)

Label: BMG
Lead: Emma Bunton
Composição: Emma Bunton, Patrick Mascall, Paul Barry, Candie Payne, Marvin Gaye, Norah Jones, Nickolas Ashford, George Harrison
Gênero: Pop, R&B, Soul
Faixas: 10
Duração: 34 min.


Crítica | O Mundo Sombrio de Sabrina: 2ª Temporada - O Inferno na Terra

No ano passado, O Mundo Sombrio de Sabrina excedeu todas as nossas expectativas ao insurgir como uma das melhores séries originais Netflix. Os novos contos envolvendo Sabrina Spellman se afastaram da clássica produção dos anos 1990 estrelada por Melissa Joan Hart e nos apresentaram a um cosmos recheado com suspense, obscuridade e um ácido humor que sem sombra de dúvidas alcançou um nível de envolvimento inexplicavelmente delicioso. É certo dizer que, agora, Kiernan Shipka tomou as rédeas como a adorável e conturbada bruxinha e, com a chegada da segunda temporada, recorreu às suas melhores performances para continuar a mística jornada contra as forças das Trevas que se tornam cada vez mais fortes.

É natural que Roberto Aguirre-Sacasa tenha mergulhado com profundidade na dinâmica dos múltiplos personagens desse cosmos, ambientado na amaldiçoada cidade de Greendale. Depois de ter aprendido com seus erros em sua outra obra, Riverdale, o showrunner abraçou com o máximo de cautela e exímia preparação os quadrinhos da Archie Comics para transcrever as aventuras para as telinhas – e o resultado mais uma vez se repete, trazendo mais elementos críticos para nove episódios originais cuja mensagem é-nos passada com força e com clareza, além de abrir espaço para reviravoltas surpreendentes. De fato, Aguirre-Sacasa arquitetou pequenas pérolas narrativas, culminando em um aprazível finale, ainda que convencional.

Sabrina agora pertence ao Senhor das Trevas, mais conhecido como Lúcifer, a Estrela da Manhã, após ter assinado o Livro das Sombras. E tendo se separado quase por completo de sua vida mortal, incluindo o término do relacionamento com Harvey (Ross Lynch) e seu engajamento com o bruxo Nick (Gavin Leatherwood), que se torna um grande aliado. Entretanto, conforme as tramas se desenrolam, a heroína percebe que as coisas são muito mais difíceis do que parecem – e que render-se completamente aos profanos desejos de Satã teriam drásticas consequências para todos à sua volta.

Os primeiros episódios do segundo ano movem-se através de certa fórmula, respaldando-se nos múltiplos dramas adolescentes dos últimos e marcando um diálogo preocupante com a série conterrânea mencionada acima. Porém, a delineação de todos os arcos e o modo como todos acabam por se entrelaçar mostra que as opções iniciais são compreensíveis, incluindo um inesperado filler que revela ao público os medos mais intrínsecos dos protagonistas – colocando uma camada de fragilidade para as personalidades mais fortes, e trazendo à tona uma força inesperada daqueles que considerávamos mais “fracos”, por assim dizer. É justamente nesse momento que o relacionamento entre Zelda (Miranda Otto) e Hilda (Lucy Davis) vira a página para um novo capítulo, recheado de mentiras, vinganças e atitudes que as unem ainda mais como irmãs.

O show não se contenta apenas em explorar as recém-adquiridas habilidades de Sabrina, mas mergulha também em sua luta para negar sua verdadeira identidade. Ao que tudo indica – e que nos é confirmado na última iteração -, ela não é filha de Edward e Diana Spellman, mas sim do próprio Lúcifer com Diana, e esse é o motivo que lhe dá forças para um enfoque necessário e chocante que ganha forma no sexto capítulo. Após enfrentar com todas as suas forças caçadores de bruxas angelicais que emulam seres humanos, ela ressurge de uma trágica morte, reascendendo como uma sombria fênix dotada de poderes inenarráveis – que são sadicamente comparados às habilidades de Jesus Cristo e do falso Deus católico.

A jovem bruxa é, como nos revelado de forma dinâmica e enérgica, Mensageira do Inferno, destinada a cumprir espécies de milagres sobrenaturais que desencadearão o retorno de Satã em sua forma real e divina e o início do Apocalipse como retratado nas histórias que conhecemos. O showrunner também encontra terreno fértil para explorar uma mitologia consagrada; todavia, não se utiliza de métodos óbvios para rechear essas histórias, preferindo delinear explanações mais sutis para fatos memoráveis, feitiços e até mesmo a desconstrução de tudo o que já existiu – cujo principal arauto é o Padre Faustus Blackwood (Richard Coyle). Blackwood se baseia em diversas manipulações e mentiras para fazer com que a Igreja da Noite pela qual é responsável e a própria Academia de Feitiçaria retorne a tempos medievais, misóginos e segregadores.

Em meio a tantas manipulações, desejos obscuros e uma rendição ao macabro aplaudível e que merece atenção do público, também não faz sentido deixar de mencionar alguns obstáculos enfrentados neste ano. Algumas subtramas, ainda que dentro de um escopo de aproximadamente sessenta minutos, parecem forçadas e artificiais demais, talvez como modo de tapar buracos no pano de fundo principal ou de dar uma continuidade mais palpável para a arquitetura que se ergue. É óbvio que os pontos positivos eventualmente falam mais alto, mas, em certos momentos, os deslizes expressam sua voz e quebram a sinistra atmosfera.

A série ganha ainda mais força quando procura fomentar, de modo sarcástico e diabólico, aspectos sociais resultado de reflexos do mundo em que vivemos. O embate entre bruxos e bruxas, dentro de uma perspectiva macrocósmica, é uma tradução da compulsória submissão à qual as mulheres são jogadas, em prol de uma política controlada majoritariamente por homens – Faustus representa o retrocesso, por exemplo. É nesse contexto que Mary Wardwell (Michelle Gomez), que na verdade é a mãe de todos os demônios, Lilith, une-se com Sabrina e seus amigos para lutar contra Lúcifer e coroar a si mesma como a nova regente do submundo, dando início a uma nova era.

O Mundo Sombrio de Sabrina retorna para mais uma competente temporada, cheia de mistérios e acontecimentos incríveis e que aumentam nosso próprio relacionamento com os personagens desse universo mágico. Agora, ao que tudo indica, Sabrina está pronta para mergulhar em uma perigosa jornada para o Inferno para resgatar aquele que ama – e desestruturar o balanço do mundo mais uma vez.

O Mundo Sombrio de Sabrina – 2ª Temporada (Chilling Adventures of Sabrina, EUA – 2019)

Criado por: Roberto Aguirre-Sacasa
Direção: Kevin Sullivan, Michael Goi, Salli Richardson-Whitfield, Alex Garcia Lopez, Alex Pillai, Rob Seidenglanz, Antonio Negret
Roteiro: Roberto Aguirre-Sacasa, MJ Kauffman, Christina Ham, Oanh Ly, Ross Maxwell, Matthew Barry, Donna Thorland, Christianne Hedtke, Lindsay Calhoon Bing, Joshua Conkel, baseado nos quadrinhos da Archie Comics
Elenco: Kiernan Shipka, Richard Coyle, Miranda Otto, Lucy Davis, Tati Gabrielle, Michelle Gomez, Ross Lynch, Chance Perdomo, Bronson Pinchot, Jaz Sinclair, Gavin Leatherwood
Emissora: Netflix
Episódios: 09
Gênero: Fantasia, Terror, Drama
Duração: 60 min. aprox.


Crítica | Tell Me You Love Me - Das Declarações de Amor e Superação

Quando ouvimos o nome Demi Lovato, é quase automático nos lembrarmos de sua época no Disney Channel e nos diversos programas dos quais ela participou como atriz e cantora. Afinal, Lovato construiu sua carreira, assim como muitos outros nomes da indústria do entretenimento – Miley Cyrus, Selena Gomez, Ariana Grande – nos canais voltados para o público infantil. E, também seguindo os passos de suas conterrâneas, a artista amadureceu de forma exponencial, alcançando um estrelato aplaudível em meio a quedas e reviravoltas. Após reencontrar-se como pessoa e profissional, Demi também se viu em meio a um terreno fértil para colocar suas angústias no que sabia fazer de melhor: cantar e compor; e foi nesse panorama que ela entregou a seus devotos fãs e a uma saturada indústria fonográfica o que podemos considerar como a melhor obra de sua carreira.

Tell Me You Love Me, seu sexto álbum de estúdio, é acompanhado por uma triste história que há muito vinha se repetindo dentro do cotidiano da cantora. Um ano após o lançamento de Confident, Lovato anunciara que daria uma pausa na carreira e se afastaria dos holofotes, sobrecarregada com a toxicidade da mídia; felizmente, deu a volta por cima e canalizou suas renovadas energias para uma composição que traz o melhor do soul e do R&B sem se afastar do pop – marca de seus CDs. E, como se não bastasse, ela também trouxe um pouco de si para quase todas as faixas, encabeçando a produção e a escrita de pequenas pérolas que, indubitavelmente, insurgem como algumas das melhores tracks de sua vida profissional.

O disco já se inicia com uma memorável e enaltecedora canção, Sorry Not Sorry, no qual a mistura do envolvente baixo vai ao encontro de sutis sintetizadores, culminando em um discurso deliciosamente sarcástico, reafirmado pelo verso que empresta nome ao título. A animada música serve como base para as múltiplas versões de si mesma que a mezzo-soprano traz à tona, agregando experiências e declarações impiedosas para quem bem desejar ouvir – algo que ganha uma palpabilidade inegável na próxima faixa, homônima à obra. Aqui, o épico e orquestral prólogo nos engana, direcionando-nos para determinado lugar apenas para mudar de rumo e misturar os estilos de uma balada com um sedutor desabafo, cujo ápice se constrói no retumbante refrão.

A narrativa contada por Demi é uma alegoria a si mesma, desenrolando-se na forma de uma montanha-russa. Os altos e baixos perpassam por gritos de liberdade apenas para esbarrarem um desapego em relação àquele que quebrou seu coração – Lonely, por exemplo, delineia-se em uma vibrante ambiguidade na qual a artista faz um incrível uso de sua potência vocal e a casa com a do rapper Lil Wayne, uma parceria inesperada e que funciona em todos os sentidos. A track em questão entra em uma belíssima contradição com Concentrate, respaldada em um folk que transforma-se em um surpreendente rock, levando-nos em um crescendo que não explode – muito pelo contrário: retorna para os tons melódicos e apaixonantes de uma guitarra clássica que se aglutina ao perceptível baixo de forma impecável.

O álbum não apenas revela a tecedura inenarrável de Lovato, mas estrutura-se com grande poder, tendo ciência de como se montar e se mostrar para o público em prol de permitir que nos apaixonemos mais de uma vez. A explosão sinestésica própria do pop restringe-se propositalmente à primeira metade, reduzindo o frenético dinamismo com canções como Daddy Issues, Ruin The Friendship e Only Forever. Durante a transição de uma faixa para outra, percebemos como Demi se rende ao R&B e a um experimentalismo que, no escopo geral, funciona mais do que deveria. É refrescante e animador a forma como Demi pode até não prometer muita coisa, mas acaba por entregar uma joia que, nos últimos anos, é muito difícil encontrar em meio a um excesso de remodelagens e reciclagens musicais.

Os ápices espalham-se no disco, porém não de modo profuso. Temos o primeiro encarnado por Sexy Dirty Lover, uma sexy rendição da lead à sua própria beleza que traz uma nostalgia imediata, transportando-nos para o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 – ainda que dotado com sua própria personalidade. O segundo ganha força quando acompanhado de Lonely e se materializa em Cry Baby, que se inicia com uma vertente puramente country, evoluindo um catártico chorus que quebra qualquer monotonia aparente – e, na verdade, essa “monotonia” contribui para a surpresa que nos espera.

Conforme nos aproximamos da conclusão, o aspecto soul fica mais forte, mas sem ficar cansado. Concentrate, mencionado e analisado acima, também serve como um leve empurrão para que Hitchhiker feche o potente solilóquio proferido por Demi. E, fluidamente, percebe-se que ela volta a acreditar no amor que a tanto fez sofrer, talvez com um pé atrás, mas mostrando que, agora, ela tem uma maturidade suficiente para se entregar de corpo e alma quando o momento certo chegar.

Tell Me You Love Me apresenta ao mundo um conhecido nome através de uma nova perspectiva, uma visão incrivelmente empática que tem a capacidade de conversar com diversos aspectos cotidianos, desde o mais sombrio até o mais amável. E é por essa razão que Demi Lovato, com toda a importância que sua história carrega, é um nome que realmente deveria ser lembrado mais do que atualmente é.

Nota por faixa:

  • Sorry Not Sorry - 4/5
  • Tell Me You Love Me - 4,5/5
  • Sexy Dirty Love - 5/5
  • You Don't Do It For Me Anymore - 4/5
  • Daddy Issues - 3,5/5
  • Ruin The Friendship - 3,5/5
  • Only Forever - 4/5
  • Lonely - 4,5/5
  • Cry Baby - 5/5
  • Games - 3/5
  • Concentrate - 5/5
  • Hitchhiker - 5/5

Tell Me You Love Me (Idem, EUA – 2017)

Label: Island, Hollywood, Safehouse
Lead: Demi Lovato
Composição: Demi Lovato, Warren Felder, Sean Douglas, Trevor Brown, William Zaire Simmons, John Hill, Kirby Lauryen, Ashlyn Wilson
Gênero: Electro-pop, R&B, Soul
Faixas: 12
Duração: 43 min.