Crítica | When We All Fall Sleep, Where Do We Go? - Deliciosamente Perturbador
A indústria contemporânea musical funciona, na maior parte das vezes, em dois extremos: nos agradando bastante ou nos entregando a produtos mal-feitos, inacabados e que poderiam ser muito melhores caso fossem tratados com um pouco mais de cautela. E em meio a esses paralelos, residem as surpresas e os convencionalismos; as obras inesperadas costumam nos estranhar ao ouvido a priori, apenas para podermos degustar com um pouco mais de atenção antes de compreendermos o que reside por trás de um conceito tão bizarro, por assim dizer; as formulaicas, por sua vez, abarcam um público generalizado, mas sempre deixam a sensação de déja vu.
É nesse complexo contexto que Billie Eilish, a jovem cantora e compositora de apenas dezessete anos, resolveu lançar seu primeiro álbum de estúdio. Eilish já era bastante conhecida devido ao seu muito bem-recebido EP, Don’t Smile At Me, resgatando um âmbito interessante para o saturado pop atual e, de forma brilhante, trazendo sua identidade única para When We All Fall Asleep, Where Do We Go?. Produzido em colaboração entre a Interscope e a Darkroom, o CD se respalda em um pesado eletro-pop, misturando construções nostálgicas com pontuais baladas melódicas e uma pitada de perturbação intimista que transforma essa investida musical em uma rara joia.
Eilish já nos mostra sua grandiosa irreverência ao se unir com o irmão Finneas O’Connell, ambos responsáveis pela composição de todas as quatorze faixas – incluindo um chocante interlúdio que não se preocupa em nos apresentar à mensagem buscada pela cantora. Em !!!!!!!, a artista na verdade nos entrega a uma ambiência homemade, transmitindo sua aura adolescente ao trancafiar-se em um quarto e anunciar despretensiosamente “olhem, este é meu álbum. Divirtam-se!”. E sem esperar algo em retorno, ela nos oferece uma jornada tour-de-force peculiar através de sua própria vida e talvez do cotidiano de inúmeras outras pessoas que mergulham em crises existenciais sobre os mais variados assuntos; é isso que ganha maior destaque dentro do disco.
Mas não espere que as tracks seguirão um crescendo conhecido, ou farão parte de um pano de fundo automaticamente compreensível; seguindo os passos de sua conterrânea Marina Diamandis e trazendo referências clássicas do hip-hop e do R&B do início dos anos 2000, cada faixa nos força a pensar para fora da nossa bolha, ousando dar passos corajosos em direção a um estilo único que, no final das contas, é uma fusão aplaudível de vários gêneros. Essa ideia subjetiva e simbólica ganha forte expressividade com xanny, um inebriante suplício de socorro sem cair nos gritos ou na agressividade lírico-instrumental. Através de sua sibilante voz, Eilish passeia através dos potentes sintetizadores e reflete uma angústia atemporal com profundos versos (“não preciso de Xanny [referência ao calmante Xanax] para me sentir melhor”).
A obra ganha notoriedade já com a primeira canção completa, bad guy. A batida bem demarcada é acompanhada pela entrega pausada e propositalmente cansada da lead singer que nos arremessa de volta para o uma atmosfera neo-noir e misteriosa. É claro que a imensa catarse causada pela música não abre margens para clichês sonoros – e é por isso que o grave baixo nos guia de modo retumbante até o refrão, onde criações imaginativas dos primórdios do synth-pop nos aguardam com paciência. A prosódia epopeica funciona como um hino trap sensual e fluido, aumentando nossas expectativas para as próximas iterações.
Eilish já provou que não é apenas mais um nome em meio a um manufaturado dilúvio de divas musicais. Muito além disso, ela é uma incrível poetisa que faz o possível para colocar as mais ácidas críticas suas composições – e aqui faço menção à incrível rendição platônica all the good girls go to hell. É quase impossível não traçar diálogos com as conhecidas rebeldias de Lily Allen e sua completa e hilária falta de papas na língua; porém, a track em questão se aventura em um terreno perigoso que critica até mesmo a onisciência de Deus (aqui tratado como Deusa em uma belíssima e espetacular contradição).
O álbum em si mergulha em uma pessoalidade ainda mais interessante quando pensamos em sua estrutura artesanal. O conceito de quarta parede é quebrado diversas vezes, não só à medida que a cantora se dirige mais diretamente a seus fãs, mas quando admite a presença de uma plateia dentro do próprio cosmos que arquiteta. É isso o que acontece em wish you were gay, onde a reação do público ganha uma voz e estende-se para outras faixas, incluindo 8, na qual o eu-lírico traça uma conversa metafórica consigo mesmo em um passado que já não pode mais voltar.
Eilish também faz um bom uso das ballads, trazendo a envolvente melodia do piano para este íntimo âmago. Tal base é emocionante e se faz presente com uma força impetuosa em listen before you go, completando inclusive os doces acordes do violão em i love you (aliás, o próprio título de ambas as canções entram em sincronia logo de cara). Nesta, porém, o individualismo se depara com uma nova camada, principalmente no momento em que Billie e Finneas encontram suas vozes e a tratam como apenas uma.
When We All Fall Asleep dá ao gênero pop uma nova perspectiva e, ainda que não ganhe a atenção que merece por seu afastamento quase total das concepções mercadológicas, sem sombra de dúvida é um divisor de águas e o início concreto de uma carreira deliciosamente perturbadora e diabólica.
Nota por faixa:
- !!!!!!! - 4,5/5
- bad guy - 5/5
- xanny - 4,5/5
- you should see me in a crown - 5/5
- all the good girls go to hell - 5/5
- wish you were gay - 4/5
- when the party's over - 5/5
- 8 - 4/5
- my strange addiction - 5/5
- bury a friend - 4/5
- ilomilo - 4,5/5
- listen before i go - 4/5
- i love you - 5/5
- goodbye - 5/5
When We All Fall Asleep, Where Do We Go? (Idem, EUA – 2019)
Label: Darkroom, Interscope
Lead: Billie Eilish
Composição: Billie Eilish, Finneas O'Connell
Gênero: Trap-pop, Eletro-pop, Synth-pop
Faixas: 14
Duração: 43 min.
Crítica | 1989 - Uma Nostálgica Originalidade
Toda carreira musical eventualmente preza por mudanças - e tais mudanças são muito bem-vindas. É claro que, apesar das múltiplas tentativas, essa busca por algo novo às vezes enfrenta obstáculos e acaba caindo em convenções conhecidas e monótonas ao invés de oferecer ao público algo original e interessante. Felizmente, não é isso o que acontece com 1989, quinto álbum de estúdio de Taylor Swift e que representa, de longe, um incrível ápice em sua carreira iniciada aos quinze anos de idade.
É costumeiro perceber que, logo após um sucesso, a expectativa de determinado público-alvo, ávido por mais composições e obras envolventes, alcance níveis inenarráveis - e por mais que certa parte dos ouvintes não se relacione com o estilo musical de Swift, é inegável dizer que a jovem cantora carrega consigo uma mentalidade mercadológica de ponta e, por vezes, invejável. Não é surpresa que o período que sucedeu o lançamento de Red (2012) serviu para seu amadurecimento e sua fluida transição para a multimilionária indústria do pop - e mais: seu aguardado disco também serviu para reafirmar sua paixão pelo clássico synth-pop da década de 1980, trazida com força em diversas faixas.
A produção musical pode até ser mimética, mas não peca em apenas imitar ou homenagear construções já existentes. Mesmo que a primeira track, Welcome to New York, funcione como uma apresentação teatral e animada, ainda que previsível, ela não revela o restante do conteúdo - e esse é o aprazível pano de fundo que nos acompanha do começo ao fim. Swift é auxiliada por nomes como Max Martin e Shellback e mostra-se inspirada em grande parte do CD, ainda que deslize aqui e ali, talvez apenas para suprimir algumas necessidades mais populares e modestas. De qualquer forma, mesmo os perceptíveis equívocos não conseguem apagar ou desconstruir o que a artista procura como mensagem principal.
Não há como negar que Taylor acaba deixando para trás suas tendências country e abra portas para um respaldo que não aparecia com tanta força em sua carreira. Porém, ela prefere aglutinar ao renegar o que a colocou no topo da indústria musical, tanto que algumas músicas retomam a beleza da guitarra e a presença extremamente sutil do baixo e do banjo - escolhas nostálgicas que, em geral, funcionam (e aqui, menciono, por exemplo, I Wish You Would, que resgata seus vestígios interioranos dos Estados Unidos de modo belo e competente).
1989 parece ter ciência de sua estrutura e, mesmo começando de forma morna, cresce ao longo de suas cinco primeiras faixas. Desde o dançante e minimalista Blank Space, que explode em um épico refrão recheado de fusões do electro e do dance-pop, até All You Had To Do Was Stay, uma irreverente iteração que permite a insurgência de um convidativo cosmos, Swift explora a si mesma ao máximo e não se cansa, nem nos cansa. Style também aparece como uma brincadeira estilística declarativa entre "James Dean daydream look in your eyes", cuja proposital rima é bastante lúdica, mas é Out of the Woods que nos rouba a atenção por estruturar-se em um propositalmente ultrarromântico tour-de-force.
A quebra nessa fluidez quase mágica vem no miolo do disco, mais precisamente com a pedante Shake It Off. Aqui, desde a instrumentalização vocal até o arranjo composicional se forçam em um monótono e repetitivo ciclo que, na verdade, não contribui em nada para a obra e se torna datada em pouquíssimo tempo. Felizmente, a volta por cima já ocorre nas próximas faixas, alçando voo em duas belíssimas e melódicas baladas - This Love, que sem dúvida explora a potência da cantora, e Clean, uma conclusão bastante satisfatória e que resume cada uma das mensagens das composições anteriores.
1989 é uma ótima adição à discografia de Taylor Swift que, recheada de competentes construções, representa uma brusca e adorável mudança em seu estilo, encontrando um equilíbrio quase perfeito entre suas raízes e sua nova perspectiva.
Nota por faixa:
- Welcome To New York - 3,5/5
- Blank Space - 4/5
- Style - 4,5/5
- Out Of The Woods - 5/5
- All You Had To Do Was Stay - 4,5/5
- Shake It Off - 2,5/5
- I Wish You Would - 4/5
- Bad Blood - 3/5
- Wildest Dreams - 3,5/5
- How You Get The Girl - 4/5
- This Love - 4,5/5
- I Know Places - 4/5
- Clean - 4/5
1989 (Idem, EUA – 2014)
Label: Big Machine
Lead: Taylor Swift
Composição: Taylor Swift, Max Martin, Shellback, Ryan Tedder, Ali Payami, Jack Antonoff, Imogen Heap
Gênero: Pop, Eletro-pop, Synth-pop
Faixas: 13
Duração: 56 min.
Crítica | One Day at a Time: 2ª Temporada - O Amadurecimento da Família Alvarez
O grande problema com as sitcoms atuais é conseguir se manter no mesmo ritmo a que nos apresentou em seu ano de estreia. Em diversas produções contemporâneas, a rapidez com a qual as produções acontecem muitas vezes impedem os componentes de determinada equipe em perceber falhas e erros que facilmente seriam previstos antes de chegarem a um público que, desde as últimas décadas do século passado, nunca deixou de se encantar com a leveza e a sutileza – e muitas vezes a canastrice proposital – trazida por séries de comédia. Talvez Gloria Calderon Kellett e Mike Royce tivessem a triste oportunidade de ceder a esses equívocos amadores ao retornar para mais uma parceria com a Netflix, mas felizmente One Day at a Time encontra um terreno fértil para se reinventar e emocionar ainda mais seus crescentes fãs.
A principal ideia da segunda temporada, que mais uma vez começa e termina em um piscar de olhos, é mostrar de que forma a família Alvarez lida com as intermináveis mudanças do ano predecessor, mantendo sua união e sua herança cubanos ao mesmo tempo que enfrente diversos obstáculos para chegar a conclusões epifânicas inesperadas – pelo menos dentro de um contexto cômico como este aqui. E, levando em consideração que já conhecemos os personagens principais que farão parte dessa jornada, os showrunners não veem o porquê de esperar certo tempo para nos apresentarem ao primeiro baque – uma dura crítica à xenofobia e ao preconceito racial que acometem nossos queridos protagonistas, principalmente Alex (Marcel Ruiz), que agora encontra-se no ápice da puberdade.
Kellett e Royce, em colaboração a uma competente e habilidosa equipe criativa, fazem questão de trazer temas importantes e necessários à discussão – ainda mais levando o panorama dos dias de hoje. Em meio ao levante ocidental de governos de extrema-direita, manter o nível de coesão crítica acerca das angústias e dos problemas diários das minorias sociais é um trabalho difícil que muitas vezes tangencia o saturado melodramático e, eventualmente, culmina em uma reflexão vazia. Porém, é necessário lembrar que o show em questão é, antes de tudo, uma comédia, e por isso mesmo não abre mão das convencionais quebras de expectativa como forma de desconstruir um pano de fundo tenso. Com isso, os novos episódios ganham um prospecto muito amadurecido que dosa com sabedoria as vertentes tragicômicas, aumentando não apenas a complexidade de cada persona em questão, mas também de suas múltiplas subtramas.
É claro que uma ou outra narrativa é perscrutada por traços quase surrealistas e propositalmente over-the-top – e não há o mínimo problema com isso. Afinal, o gênero em questão abre portas para que o absurdo dê as caras e mostre que também existe sem parecer algo estranho demais. Aliás, é incrível como o roteiro, aliado à atuação de um elenco de ponta, consegue transformar até a ideia mais inusitada em algo que dialogue de modo crucial com o que cada um dos personagens sente – e isso insurge de forma mais sólida na figura da matriarca Penélope (Justina Machado), cuja performance torna-se ainda mais envolvente e deliciosa que a do ano anterior, ainda mais levando em conta que ela decide ir em busca dos sonhos que abandonou em prol de seu ex-marido e da mãe.
Penélope também se joga em um arco romântico que, apesar de todas as fórmulas que insistem em aparecer, não trilham o caminho esperado. Talvez a maior de suas conquistas no âmbito em questão seja o reencontro com Max (Ed Quinn), bombeiro que trabalhou com ela e com Victor (James Martinez) durante a Guerra do Afeganistão e que reacende certas paixões incontroláveis. E é justamente nesse ponto que o público recebe um balde de água fria muito mais poderoso que o da temporada anterior, visto que Penélope é uma mulher forte e independente e humana, dotada de falhas, defeitos e também de desejos inerentes a qualquer um – e isso não significa que ela vê a necessidade de um homem por perto, mas sim que quer ter um companheiro para transbordar uma vida já cheia de alegria.
Mais uma vez, Rita Moreno encontra-se em seu próprio mundo como a doidivanas Lydia Alvarez, uma mulher sedutora que talvez nunca tenha saído de seus tempos de glória e é a que carrega a cultura cubana para dentro do lar norte-americano supervisionado por sua filha. Agora, mesmo tentando ao máximo manter-se presa às raízes latinas, ela percebe que está na hora de adquirir a cidadania estadunidense de uma vez por todas – e faz isso ao lado do irreverente e também conturbado Schneider (Todd Grinnell), o vizinho inconveniente que todos amam. Moreno e Machado nutrem de uma química essencial que nos carrega de modo fluido até um chocante season finale, no qual a indestrutível relação entre mãe e filha sofre uma brusca oscilação e coloca a perspectiva de cada membro da família em xeque sobre o que acredita e o que pensa.
Elena (Isabella Gomez) talvez seja a personagem que mais ganha foco neste ano. Além de ter se assumido gay para sua família e ser abandonada por um preconceituoso e conservador pai no momento da dança em sua quinceañera apenas para descobrir que Alex vem visitando-o pelas costas de todos – mas, na verdade, é para tentar arrumar as coisas e tentar reuni-los novamente como uma grande família. E como se não bastasse, a série aproveita para explorar tramas que não costumam ganhar foco nas produções atuais: Elena também se joga em seu primeiro relacionamento lésbico com uma pessoa não-binária, Syd (Sheridan Pryce), passando pelos mesmo obstáculos e medos que qualquer outro ser humano também passaria – o que ajuda a reafirmá-la como parte da sociedade.
One Day at a Time é uma série que, diferente de muitas outras, consegue renovar a si mesma ao manter sua identidade principal e explorar sem escrúpulos temas que permanecem como tabu no mundo em que vivemos. Além de continuar em uma construção nostálgica, a segunda temporada se mantém tão envolvente quanto a primeira e já nos prepara para a súbita e já saudosa conclusão.
One Day at a Time – 2ª Temporada (Idem, EUA – 2018)
Criado por: Gloria Calderon Kellett, Mike Royce
Direção: Phil Lewis, Pamela Fryman, Victor Gonzalez, Michael Lembeck, Jody Margolin Hahn, Linda Mendoza
Roteiro: Whitney Blake, Gloria Calderon Kellett, Mike Royce, Norman Lear, Allan Manings, Michelle Badillo, Peter Murrieta, Caroline Levich, Sebastian Jones, Audra Sielaff
Elenco: Justina Machado, Todd Grinnell, Isabella Gomez, Marcel Ruiz, Rita Moreno, Stephen Tobolowsky, Sheridan Pryce, James Martinez, Ed Quinn
Emissora: Netflix
Episódios: 13
Gênero: Comédia
Duração: 30 min. aprox.
Crítica | Once Upon a Time: 5ª Temporada - Salvando Emma Swan
Em cada uma de suas temporadas, Once Upon a Time tenta ao máximo se renovar, entregando-nos contos clássicos revestidos em histórias de drama e de suspense, renegando até mesmo a ideia do costumeiro final feliz em prol de chocar o público e aumentar ainda mais a complexidade dos inesquecíveis personagens e suas respectivas fábulas. Porém, a partir do terceiro ano, a série começou a forçar uma nova estrutura que, de início, prometia redescobrir a si mesma – porém, começou a cair em uma infeliz datação e monotonia. E a estrutura em questão, a partir da qual cada uma das iterações se divide em duas e apresenta uma narrativa principal que se desmembra em várias outras, desmantelou-se por completo com a chegada da quinta temporada.
Em uma continuidade esperada para o aplaudível cliffhanger do ano anterior, em que Emma (Jennifer Morrison) sacrificou-se para salvar Regina (Lana Parrilla) em um nobre e heróico ato que nos arremessa de volta para o proposital maniqueísmo dos contos de fada e, como consequência, tornou-se a Senhora das Trevas. E logo no primeiro episódio, descobrimos que Emma não apenas se transformou na criatura mais poderosa de todos os Reinos, como também se materializou em um místico e famoso território: Camelot, lar das medievais e irretocáveis novelas de cavalaria das escolas literárias trovadorescas.
À prima vista, Camelot e Once Upon a Time são um casamento perfeito e inesperado, visto que o Reino do lendário Rei Arthur é palco das jornadas mais emocionantes de todos os tempos, além de carregar consigo uma gama de personagens que vão muito além da superficialidade. E, em uma ramificação coesa, faz até sentido que a série se valha desse subplot e abandone, por ora, o escopo fabulesco – entretanto, as coisas não permanecem nesse âmbito por muito tempo. Essa talvez é a terceira vez que os protagonistas se veem em um local muito diferente da pacata Storybrooke, e os criadores Edward Kitsis e Adam Horowitz definitivamente não fazem jus ao potencial que a temporada nos apresenta, esquecendo-se até mesmo de colocar personas ímpares em prol de uma construção preguiçosa e nada satisfatória.
Emma deseja se livrar da escuridão que começa a controlá-la cada vez mais e, para isso, apenas um ser mais poderoso que ela mesma pode ajudá-la: o mago Merlin (Elliot Knight), preso na forma de uma árvore há milênios. E é claro que, de forma a emular as iterações predecessoras, cada um deles terá de abrir mão de uma certa parte de si mesmo para completar o feitiço, quebrar a “maldição” que se apossou de um coração tão puro quanto o de Emma e voltar para casa. E, como também é de praxe, certos obstáculos insurgem nesse meio tempo para impedir que completem sua missão (e cada vez mais o show se assemelha mais a um jogo não finalizado de RPG que uma investida televisiva).
A primeira parte da temporada não é de toda jogada no lixo: a construção dos cenários medievais alcança um novo patamar dentro das limitações da série, obviamente. Mas é interessante ver a organicidade dos personagens e como, mesmo em meio a tantas falhas, Kitsis e Horowitz conseguem nos entregar algumas viradas interessantes – colocando, por exemplo, o Rei Arthur (Liam Carrigan) como um dos principais antagonistas. Arthur é um guerreiro cuja missão de salvar Camelot acaba nunca se concretizando, principalmente pelo fato de Excalibur, a poderosa espada, não estar completa (aparentemente a adaga do Senhor das Trevas é parte do objeto). E mais que isso, o intocável herói, na verdade, constrói-se em cima de mentiras e manipulações para conseguir o que sempre desejou: um Reino para comandar ao lado de sua amada, Guinevere (Joana Metrass).
Porém, a série volta a se perder em meio a tantos personagens ao invés de focar apenas em um momento da storyline. Nesse meio-tempo, os conhecidos personagens também se desenvolvem e descobrem coisas sobre seu passado que até então não sabíamos – e que marcam inúmeros furos no roteiro apenas para tapar os buracos existentes. E Emma, que poderia sofrer uma grave desconstrução em sua personalidade, insurge como a Senhora das Trevas mais boazinha de todas, afastando-se de sua família e roubando suas memórias (de novo) para que não descubram o que realmente aconteceu – incluindo a transformação de Gancho (Colin O’Donoghue) em uma criatura vingativa e sedenta por sangue.
De qualquer forma, é frustrante ver como o incrível potencial é desperdiçado – Morgana Le Fay, uma das principais figuras das novelas de cavalaria, nem ao menos é mencionada ao longo dos episódios. E as expectativas para a segunda metade, que leva os heróis para o submundo para resgatarem uma alma perdida, desfalece logo nos primeiros minutos, e nem mesmo a presença sarcástica de Greg Germann como Hades, comandante do Inferno e primeira entrada concisa da mitologia grega no show, consegue se salvar. Na verdade, sua atuação canastra nunca chega aos pés de performances infinitamente melhores, como a de Parrilla e a de Cora (Barbara Hershey).
Talvez o único ponto realmente interessante seja o retorno de personagens que pensávamos nunca mais aparecer no escopo seriado. Além de Cora, Peter Pan (Robbie McKay), Cruella (Victoria Smurfit) e até mesmo Gastão (Sage Brockleback) aparecem em árduos trabalhos, presos no submundo por terem questões pendentes com o mundo dos vivos – resgatando uma deliciosa nostalgia das primeiras temporadas, a qual pelo jeito nunca mais existirá. Todavia, essa animadora centelha logo se apaga quando o time de roteiristas apressa as conclusões de cada um dos arcos, quebrando maldições episódio sim, episódio não, introduzindo personas desnecessárias que dão adeus no mesmo capítulo (incluindo Hércules, Mégara, Dorothy e Chapeuzinho Vermelho) e não acrescentam em nada a continuidade da narrativa principal.
A quinta temporada de Once Upon a Time é a pior entrada de todo o show. A originalidade vista em anos anteriores simplesmente deixa de existir, dando lugar a construção inacabadas, apressadas e até mesmo formulaicas demais para a identidade inicial da série. De fato, sentimos falta de quando a série da ABC estava em sua glória e, em uma máxima quase realista, é pouco provável que ela retorne.
Once Upon a Time – 5ª Temporada (Idem, EUA – 2015)
Criado por: Edward Kitsis, Adam Horowitz
Direção: Ralph Hemecker, Dean White, Milan Cheylov, David Solomon, Paul Edwards, David M. Barrett, Anthony Hemingway, Ron Underwood
Roteiro: Edward Kitsis, Adam Horowitz, Christine Boylan, Jane Espenson, Kalinda Vasquez, Daniel T. Thomsen, Andrew Chambliss
Elenco: Jennifer Morrison, Ginnifer Goodwin, Josh Dallas, Lana Parrilla, Emilie de Ravin, Colin O’Donoghue, Jared S. Gilmore, Robert Carlyle, Rebecca Mader, Amy Manson, Caroline Ford, Greg Germann, Liam Carrigan
Emissora: ABC
Episódios: 23
Gênero: Fantasia, Drama
Duração: 45 min. aprox.
Crítica | Reputation - O Fundo do Poço
Taylor Swift começou sua carreira ainda em 2004, com apenas quinze anos, e desde então vem encantando fãs pelo mundo inteiro. Porém, ainda que faça bastante sucesso e seja uma das artistas mais lucrativas e comerciais do mundo pop contemporâneo, a cantora talvez tenha perdido o brilho ao afastar-se por completo da música country e se lançar no pop – e aqui não me refiro à redescoberta e à reinvenção do gênero, mas sim a cópias formulaicas sem qualquer tipo de ousadia. Claro que esse triste deslize não havia ocorrido com 1989, seu quinto álbum de estúdio que redefiniu a si mesma e entregou algumas obras-primas visuais e melódicas, e sim à sua próxima investida – um infeliz disco intitulado Reputation.
É inegável dizer que o próprio título já almeja a algo novo para a carreira de Swift, buscando falar sobre sua reputação na indústria musical, os inimigos que “conquistara” ao longo do caminho, almejando uma construção cronológica de sua vida e de sua carreira. Porém, a esperada ousadia nunca se concretiza, criando uma conturbada mancha em sua carreira com uma obra totalmente reciclada, repetitiva e sem qualquer coesão – e mais: tentando nos fazer engolir um conceito que, eventualmente, não vê a luz do dia e morre já nas primeiras faixas, ainda mais pelas péssimas adições ao time de compositores.
No geral, Reputation resgata elementos do pop clássico com um revestimento eletrônico que invade sem escrúpulos o synthpop. O arranjo musical identitário desse suis-generis já se mostra inconfundível com a primeira faixa – e um dos muitos singles do álbum -, ...Ready For It? Mais uma vez, a cantora retorna como uma das principais compositoras e parece perder a mão de vez, esquecendo-se (propositalmente?) até mesmo das lições mais básicas, incluindo a fluidez musical. Os fortes acordes criados da mistura entre dubstep e trap music funcionam com a linearidade compulsória e crua da primeira estrofe, porém se perdem com uma entrada bizarra e fabulesca que antecede o refrão puramente instrumental – algo que nunca deveria se repetir, mas parece encontrar um terreno fértil para se erguer.
É normal que a primeira música de um álbum, principalmente recostado ao pop, comece com algo medíocre, evoluindo conforme seguimos as tracks. Porém, nesta “pérola” musical, as coisas funcionam exatamente ao contrário: a falta de vontade e originalidade de Swift é angustiantemente preocupante, alcançando pouquíssimos ápices que refletem suas habilidades de outrora – alguns deles fazendo bom uso dos elementos musicais sintéticos com Delicate, cuja arquitetura é bastante envolvente e interessante, e Don’t Blame Me, que marca uma semelhança deliciosa com Take Me to Church, de Hozier – com enfoque na estrofe.
Por outro lado, algumas canções começam de forma estupenda e se desmantelam conforme os blocos se completam – e essa excessiva bagagem de equívocos é enfurecidamente amadora, iniciando pela brutal entrada de I Did Something Bad, cujo chorus parece uma peça aleatória costurada a um escopo sem qualquer característica coesiva. O mesmo volta a acontecer em Gorgeous e Getaway Car, esta última com um incrível potencial desperdiçado e jogado para debaixo do tapete. Entretanto, nada é mais frustrante que prestar atenção aos arranjos musicais e chegar à imutável conclusão de que o disco não ousa em nenhum momento: cada uma das investidas é extremamente parecida com a anterior e, mesmo com isso, é quase impossível encontrar alguma que não ceda às ruínas da prolixidade.
Getaway Car, em especial, é um rip-off ligeiramente melhorado de Delicate e End Game, esta se concretizando como uma das piores entradas da obra de Swift. Além da desnecessária e infantilizada fusão de estilos, a parceria com Ed Sheeran não funciona em nenhum âmbito. A artista procura mostrar uma versatilidade profissional ao investir seus esforços em o que se assemelha a um rap, mas nunca chega às glórias do que almeja. Porém, nada alcança a completa falta de senso estilístico e vocal de King Of My Heart: a única coisa que consegue se salvar em meio a esse vórtice inexplicável é uma letra interessante e cautelosa, ofuscada por uma entrada eletro-pop que não orna com a ideia da música e nem mesmo com o que Taylor deseja transmitir ao público – talvez apenas aos seus fãs.
Swift tenta viralizar algo que já começava a dar as caras desde 2010, com o lançamento de Bionic, de Christina Aguilera, aperfeiçoado por Lady Gaga três anos depois com Artpop: a utilização dos acordes eletrônicos do synth-pop, incluindo a rebeldia e a irreverência instrumentais. Porém, neste álbum, não existe brilho próprio, e sim reutilizações de coisas que já existem, de obras de arte que já se mostraram muito além de sua época e agora já adentram o mundo do convencionalismo – e, comparando aos seus trabalhos anteriores, a sexta obra da cantora é um regresso tremendo em uma carreira permeada por sucessos.
Taylor Swift sabe como vender e criar músicas que serão consumidas por milhões de fãs. Porém, Reputation simplesmente não consegue fazer jus ao que ela já nos apresentou, funcionando mais como um projeto descartado que algo que realmente queria fazer – e, mesmo se quisesse ter se apresentado de um jeito novo, poderia ter encontrado meios muito melhores para isso.
Nota por faixa:
- ... Ready For It? - 2/5
- End Game - 1/5
- I Did Something Bad - 3/5
- Don't Blame Me - 3,5/5
- Delicate - 4/5
- Look What You Made Me Do - 2,5/5
- So It Goes - 1/5
- Gorgeous - 2/5
- Getaway Car - 2/5
- King of My Heart - 0,5/5
- Dancing With Our Hands Tied - 1,5/5
- Dress - 1,5/5
- This Is Why We Can't Have Nice Things - 1/5
- Call It What You Want - 2,5/5
- New Year's Day - 1/5
Reputation (Idem, EUA – 2017)
Label: Big Machine
Lead: Taylor Swift
Composição: Taylor Swift, Max Martin, Shellback, Ali Payami, Ed Sheeran, Nayvadius Wilburn, Jack Antonoff, Richard Fairbrass, Fred Fairbrass
Gênero: Pop, Eletro-pop, Synth-pop
Faixas: 15
Duração: 56 min.
Crítica | Delirium - Os Delírios Amorosos de Ellie Goulding
Delirium começa justamente como promete: uma aventura mística, longínqua, que nos abstrai da dura realidade em que vivemos e abre portas para um mundo novo. E é com a Intro que mergulhamos no que podemos considerar como uma das melhores entradas da cantora Ellie Goulding, que alcança um amadurecimento impressionante e faz um ótimo uso de sua incrível voz com músicas envolventes e emocionantes, ainda que tangencie a falta de originalidade em certas composições. De qualquer forma, é um erro muito grande tirar os méritos da artista em, depois de alguns anos tomada pela cruel indústria musical, entregar um álbum seu e apenas seu. Sua terceira obra é, por falta de outro adjetivo que lhe faça jus, aplaudível nos sentidos mais óbvios e mais inesperados.
A expressiva identidade de Goulding já insurge na transição para a segunda track: o mágico prelúdio parece aterrissar no nosso mundo com Aftertaste, uma dançante iteração que nos lembra dos momentos finais de uma festa regada a pop e a bebida, e que termina no ápice do aproveitamento. A priori, a construção pode parecer estranha aos ouvidos despreparados, mas é essa negação das fórmulas que a torna interessante até demais. E mais que isso, a música é um preparo interessante para o delicioso R&B de Something in the Way You Move. Talvez o único aspecto negativo aqui seja sua previsibilidade que, no final das contas, acaba não emergindo como um iminente problema e mantém um ritmo dinâmico que busca uma unidimensionalidade proposital de sua adorável voz.
A breve falta de ousadia praticamente deixa de existir conforme seguimos o álbum, reinventando-se com Keep on Dancin’, dentro de uma inesperada irreverência para o synth-pop que começam com a preparação do pré-coro e culminam em um divertido chorus. O refrão é pautado em assovios próprios dos primórdios do eletrônico, reimaginados com as inconfundíveis notas do teclado eletrônico. E mais: Goulding redescobre a si mesma com On My Mind, que se mostra além de seu tempo e respalda-se quase inteiramente no R&B e no eletro-pop, buscando afastar-se da dominância dos acordes sintéticos próprios daquele ano e até mesmo do gênero pop em si.
É claro que Delirium não fica livre de seus deslizes, por mais ínfimos que sejam. Porém, algumas tracks insistem em preencher buracos e pecar no quesito da originalidade ou no do envolvimento – não é à toa que se configuram como as mais fracas dentro de uma imensidão de pontos positivos. A primeira delas é Around U, cuja arquitetura é forçada e infantilizada demais para a proposta de Goulding para seu terceiro disco. Aqui, ela se vale de uma declaração bem clara sobre como se sente sobre seu “correspondente romântico”, dizendo repetidas vezes que deseja estar ao lado dele. Porém, os acordes monótonos e alegres ao extremo eventualmente a transformam em algo genérico – talvez uma reciclagem aproveitada de outras produções, até mesmo Codes.
Esta canção, inclusive, pode até ser um pouco melhor, mas não atira muito longe por um simples motivo: o escopo rítmico é praticamente arrancado e reaproveitado de Taylor Swift, que faria o que a artista fez aqui em músicas como Style e Blank Space (1989, 2014). Porém, a popularidade gigantesca de Swift é fruto de sua incrível e empreendedora mente para criar discos comerciais – e é por essa razão que Codes não encontra um espaço adequado dentro da pessoalidade e intimismo oferecidos por Goulding. Ao contrário, é quase bizarro ouvir o quão diferente ela é em comparação às outras – mas não se engane: ela tem seu mérito de praticidade e de “fofura”, por assim dizer.
Esse suave declínio se repetiria novamente com We Can’t Move to This e Army; todavia, esse novo duo traz uma competência muito maior dentro do mote que move o álbum, além de servirem como um preparo interessante para a trinca que fecha a jornada da cantora, começando com a tocante Lost and Found, a qual, através de uma construção que usa e abusa de fórmulas a seu favor, iniciando com uma mesura sutil ao country-rock antes de adentrar de forma completa no melhor do pop – isso tudo fazendo um ótimo uso de sua voz. A melódica balada Scream It Out, entretanto, já busca por algo mais expressivo e novo cujas referências datam dos corais religiosos revestidos em uma contemporaneidade apaixonante.
E com isso, é ímpar falar da tríade carro-chefe da obra, que envolve já com a teatral Holding On For Life, um hino que reflete uma delirante Goulding fugindo com o amor da sua vida para seu próprio paraíso. É justamente aqui que as fantasias românticas da artista ganham vida, acompanhadas por uma batida bem orquestrada e dançante. Logo depois, o dinamismo dá lugar ao desconstruído soneto Love Me Like You Do, cuja performance é uma épica e sedutora rendição onírica – e, com isso, chegamos à irreverente e bruta Don’t Need Nobody, cuja descrição dispensa muitos adjetivos além de perfeita, seja pelo retorno ao R&B, seja por sua mescla equilibrada com o eletro-pop novamente (que só se repetiria com Devotion, a penúltima canção. Também é aqui que a lead singer prova sua habilidosa capacidade de estruturar seu disco, criando composições em um crescendo honrável e que mantém a fidelidade de seu público.
Delirium é uma ode aos sonhadores e aos românticos e, mais que isso, configura-se como uma ótima entrada para a discografia de Ellie Goulding, uma voz cujo potencial definitivamente não foi explorado ao máximo. E, como se não bastasse, o álbum beira a perfeição com o encontro impagável de diversos gêneros musicais, provando sua versatilidade performática e identitária.
Nota por faixa:
- Intro (Delirium) - 5/5
- Aftertast - 5/5
- Something in the Way You Move - 4/5
- Keep On Dancing - 4,5/5
- On My Mind - 4/5
- Around U - 3/5
- Codes - 3/5
- Holding On For Life - 5/5
- Love Me Like You Do - 5/5
- Don't Need Nobody - 5/5
- Don't Panic - 4/5
- We Can't Move to This - 3/5
- Army - 3/5
- Lost and Found - 4/5
- Devotion - 5/5
- Scream It Out - 4,5/5
Delirium (Idem, Reino Unido – 2015)
Label: Polydor
Lead: Ellie Goulding
Composição: Ellie Goulding, Joe Kearns, Chris Ketley, Greg Kurstin, Ryan Tedder, Nicole Morier, Noel Zancanella, Max Martin, Ilya Salmanzadeh
Gênero: Eletro-pop, R&B, Pop
Faixas: 16
Duração: 56 min.
Crítica | Prism - Um Épico Amadurecimento
Katy Hudson pode não ser um nome extremamente conhecido na indústria musical, mas o alter-ego Katy Perry realmente é um dos mais conhecidos dos últimos anos e amadurece a cada ano que passa. Lançando seu primeiro álbum como Perry com One of the Boys em 2008, a cantora já havia causado um rebuliço gigante ao lançar a música Ur So Gay, considerada homofóbica devido ao contraditório refrão, e I Kissed a Girl, que contrariava sua formação evangélica e levou grupos religiosos a condenarem a canção por “estimular a homossexualidade”. Desde então, ela alcançou a fama ao evoluir cada vez mais, fosse na construção de suas composições, fosse na forma como se apresentava ao seu gigantesco fandom – chegando até mesmo a ser elogiada pela lendária Madonna.
Entretanto, seu amadurecimento profissional não daria as caras até 2013, quando Perry voltou ao topo das paradas com Prism, seu quarto álbum de estúdio. O disco, apesar de ter seus óbvios deslizes, é um dançante e frenético electro-pop que, sem sombra de dúvida, agrada boa parte dos ouvintes, com múltiplos singles bastante competentes que abrem um espaço interessante para as habilidades vocais da artista. E talvez a principal sacada de sua mais nova obra tenha sido começar com uma ótima e prática música, intitulada Roar, na qual ela conversa com sua independência como mulher dentro de uma indústria comandada majoritariamente por homens – e que, em meio aos instrumentos convencionais, funciona em sua completude, com um espirituoso refrão.
É muito difícil não se apaixonar por algumas das faixas – e essa facilidade de envolvimento é justamente o que cria uma oscilação excessiva ao longo do álbum. Afinal, a segunda música, apesar de buscar por algo novo, respalda em uma formulaica música que seria relida com mais coesão: Legendary Lovers ganha pontos por seu pré-coro, com a entrada de uma proposital unidimensionalidade tanto da voz quanto do escopo instrumental, mas que se perde em meio a uma fusão de estilos. Essa mesma base, como supracitado, encontraria um lugar muito mais propício para se desenvolver em Dark Horse, cuja rebeldia é tão alta, que somos praticamente engolfados no sintético ritmo – e a condenável zona de conforto é jogada no lixo para algo novo e inesperado.
É certo dizer que Prism se vale muito de uma abordagem mais comercial e dentro de uma bolha que cria. A mensagem é simples e tocante – sair de um lugar obscuro e encontrar a luz (não é à toa que o prisma de luz seja o mote material principal do disco). E conforme vamos entendendo as mensagens, músicas como Ghost, Love Me e This Moment acabam por funcionar mais do que deveriam. Porém, não podemos deixar de sentir que as canções que antecedem o grand finale parecem datadas e recicladas umas às outras, mantendo-se em uma linearidade que eventualmente nos cansa, apenas para nos encantar uma vez mais na conclusão do CD.
Todavia, tirar mérito de algumas pérolas que Perry nos entrega é um erro irreparável. Além de Roar, Walking on Air alcança um patamar extremamente alto que, mesmo com as entradas contemporâneas, nos arremessa de volta para o final dos anos 1980 e começo da década de 1990, com uma demarcação rítmica sedutora e que remete ao melhor do dance-pop – além de lançar referências para Whitney Houston e, de modo mais claro, à Madonna novamente (principalmente quando cita “Erotika”. Aqui, Klas Ahlund entra com seus maneirismos conhecidos, incluindo a construção de uma atmosfera onírica que dialoga diretamente com suas investidas ao falsete e aos deliciosos agudos.
O grande problema de Prism talvez seja sua falta de ousadia. Não podemos dizer que já não ouvimos os arranjos instrumentais em álbuns anteriores – e isso não teria o menor problema se não se repetisse na maior parte das músicas. De forma resumida, a maior parte das faixar começa do mesmo modo, preparando o terreno para um break que antecede o primeiro refrão, caminhando para o momento em que existe apenas a voz de Perry segundos antes da entrada-clímax. Em suma, é a própria Katy que salva os convencionalismos, seja segurando a nota, seja caminhando para um tom acima do que a track pede. Porém, a originalidade não existe em um âmbito palpável, o que tira o brilho do álbum, ainda que mantenha sua caracterização funcional.
Feliz e contraditoriamente, Unconditionally consegue usar a fórmula a seu favor e insurge como a melhor música do álbum. A poderosa construção inicia-se em um minimalismo esperado que explode inúmeras vezes com a chegada do refrão tríplice. O power pop faz uso de instrumentos novos, incluindo os tambores tribais que carregam consigo uma catártica potência. Porém, o que mais chama a atenção é a simplicidade da letra que contrasta com aquilo que Perry faz de melhor: nos levar em uma épica e epifânica jornada musical que apenas reafirma o peso de seu nome na indústria fonográfica.
A catarse retorna mais uma vez em outra conclusão que conversa em reverso com a música supracitada: em By The Grace of God, a cantora retorna às suas raízes e opta por um arranjo mais contido através do piano clássico, explodindo de forma comedida, mas nunca a ofuscar sua irretocável rendição e dizer finalmente a si mesma para erguer a cabeça e acreditar em seu potencial. A belíssima mensagem só ganha mais força pelos poderosos sintetizadores e pelos naturalistas tambores antes do último respiro.
Prism pode ser repetitivo e perder um pouco o fio da meada em seu miolo, mas representa um amadurecimento aplaudível para a jovem cantora – que, em pouquíssimo tempo, alcançara um status ainda maior daquele que já possui. E o que nos chama a atenção para o disco é a sua polarização: as músicas recicladas passam uma sensação de não finalização, mas as principais iterações são, sem exagero algum, extremamente épicas.
Nota por faixa:
- Roar - 4,5/5
- Legendary Lovers - 3,5/5
- Birthday - 3/5
- Walking on Air - 4,5/5
- Unconditionally - 5/5
- Dark Horse - 4/5
- This Is How We Do - 3,5/5
- International Smile - 3/5
- Ghost - 3,5/5
- Love Me - 3,5/5
- This Moment - 3,5/5
- Double Rainbow - 3,5/5
- By The Grace of God - 4,5/5
Prism (Idem, EUA – 2013)
Label: Capitol
Lead: Katy Perry
Composição: Katy Perry, Lukasz Gottwald, Max Martin, Bonnie McKee, Henry Walter, Klas Ahlund, Jordan Huston, Sarah Theresa Hudson, Sia Furler
Gênero: Pop, Dance-pop
Faixas: 13
Duração: 49 min.
Crítica | Do You Want the Truth or Something Beautiful? - O Equilíbrio Perfeito
A cantora britânica Paloma Faith definitivamente é um nome não muito conhecido no cenário musical atual, mas sem sombra de dúvidas deixou sua marca em 2009 quando lançava seu primeiro álbum de estúdio, Do You Want the Truth or Something Beautiful?, no qual colocava sua marca pessoal em uma lista de adoráveis e dinâmicas dez músicas. Mas diferente de outras cantoras da era digital, Faith mergulhava em um estilo único, fundindo o melhor do pop, do rock, do jazz e do soul, com algumas pitadas deliciosas de um gospel mezzosoprano de tirar o fôlego. E ainda que não tenha ganhado muita visibilidade desde que resolveu produzir seu próprio disco com ajuda da Epic, essa voz representa o melhor do passado, do presente e do futuro.
O álbum já começa com um frenético rock-country que nos transporta direto para os anos 1990 e 2000, na altiva Stone Cold Sober, cuja guitarra casa perfeitamente com a bateria e já prepara terreno para a suave voz da cantora, que caminha em um interessante, porém convencional crescendo, culminando em um pré-coro um tanto quanto estranho para a composição geral. Entretanto, a mudança de tom e os breaks que fazem parte da principal estrutura são meticulosamente pensados, ainda que com um objetivo mais comercial que intimista - não é surpresa que possa desagradar a alguns ouvintes. Porém, o modo com o qual Faith brinca com suas habilidades vocais é algo a se levar bastante em consideração, principalmente conforme seguimos o curso do CD.
Paloma busca por uma mixórdia perigosa ao unir diversos gêneros musicais; entretanto, a esperada saturação acaba criando camadas muito envolventes e bem colocadas que aumentam toda a complexidade e as mensagens que ela deseja passar. Em meio às suas tentativas de viver consigo mesmo e com seus medos, ela se entrega para canções contraditórias entre si - que começam com a quase perfeita Smoke and Mirrors, que buscam referências até mesmo com Dolly Parton em uma versão mais contemporânea para finalizar a si mesma. O caminho trilhado aqui pode até ser previsível, mas mesmo assim encontra algumas brechas para a artista mostrar a que veio - e ela faz isso com falsetes irretocáveis.
Já em Broken Doll, Faith mergulha em uma homenagem sincera para uma das divas mais recentes do blues e do jazz, Amy Winehouse. O silencioso grito de desespero da faixa em questão é o que mantém relações com a aceitação e resignação de Winehouse em You Know I'm No Good, principalmente quando diz para seu amado e para o próprio público que era a própria definição de "problemas". À prima vista, as duas construções se assimilam pela voz e pela entrada no piano clássico - até mesmo pelas referências a "componentes" do cenário jazz, seja a bebida, seja a vitrola quebrada, seja seu pesaroso sofrimento.
É claro que o álbum tem seus altos e baixos, procurando por uma zona de conforto conforme passamos da metade e nos aproximamos da aprazível conclusão. Enquanto Romance Is Dead é bastante prática, ela peca um pouco em sua falta de originalidade, ainda que abra espaço considerável para os vocais da lead singer. O início fabulesco e fixado ao piano é um acompanhamento perfeito para a infeliz unidimensionalidade; no refrão, ela acaba por se encontrar no conformismo do pop, e, mesmo assim, consegue se entregar muito mais que diversas conterrâneas. O que quebra essa "magia", por assim dizer, é a adição inexplicável dos maneirismos do synth pop, incluindo o teclado eletrônico.
Paloma se reencontra nas próximas canções, principalmente em New York e My Legs Are Weak, duas rendições que deixam bem claro o tema de suas composições: o apreço pela teatralidade musical. Desde o pano de fundo místico até as oscilações dos instrumentos principais, é muito fácil visualizar a cantora entregando-se a performances de tragicomédias musicais, encarnando em cada uma das faixas uma personagem única. Talvez em Stargazer ela volte a um puerilismo desnecessário, mas ainda se mantém fiel à própria identidade.
De qualquer forma, é a música-título e Upside Down que acabam roubando os holofotes mais que qualquer outra produção. Naquela, a única coisa que talvez incomode os ouvidos mais atentos seja a transição entre alguns dos atos, mas o encontro entre o clássico e o novo se concretizam com extrema força aqui. O baixo e a guitarra ao fundo são a base necessária para que Faith entregue-se de corpo e alma aos seus escritos vocalizados - e até mesmo os violinos aumentam a catarse que produz nos ouvintes, brincando com nossas percepções ao transitar entre vários tons. E mais: a letra é carregada com um tom confessional e ao mesmo tempo acusatório, que praticamente dá um ultimato ao interlocutor em questão.
Já nesta, a perfeição está em contradizer-se no tocante ao ritmo da anterior e, ao mesmo tempo, completá-la. Aqui, ela não aceita que os outros a tratem como tola, mas ela mesma prefere viver "invertida" ao que os outros consideram normal. Entretanto, o que nos rouba quase imediatamente é a deliciosa construção que nos joga de volta para os anos 1950, principalmente com a participação dos backing vocals enquanto a cantora mais uma vez diverte-se em uma narrativa. A bateria, a guitarra e o piano elétrico também contribuem para a construção de uma atmosfera extremamente dançante que não cai em fórmulas.
Do You Want the Truth or Something Beautiful? é um começo praticamente perfeito para Paloma Faith, inclusive por permitir que una o melhor de todos os mundos em um único local. E o mais interessante é que os deslizes, mesmo existindo, parecem ser propositais para aumentar nossas expectativas e nos envolver em uma experiência nova e bastante interessante.
Nota por faixa:
- Stone Cold Sober - 4,5/5
- Smoke and Mirrors - 4,5/5
- Broken Doll - 5/5
- Do You Want the Truth or Something Beautiful? - 4,5/5
- Upside Down - 5/5
- Romance Is Dead - 3,5/5
- New York - 4/5
- Stargazer - 3,5/5
- My Legs Are Weak - 4,5/5
- Play On - 4,5/5
Do You Want the Truth or Something Beautiful? (Idem, Reino Unido – 2009)
Label: Epic
Lead: Paloma Faith
Composição: Paloma Faith, Patrick Byrne, Blair Mackichan, Steve Robson, Alison Clarkson, Ian Barter, Ed Harcourt, George Noriega, Rob Wells, Jörgen Elofsson, Samuel Dixon
Gênero: Pop, Soul, Jazz
Faixas: 10
Duração: 37 min.
Crítica | Electra Heart - A Consagração de Marina and the Diamonds
Mariana Diamandis, mais conhecida por seu nome artístico Marina and the Diamonds, é uma das vozes mais autênticas de sua geração, ainda que em diversas vezes seja ofuscada por outras artistas. Em 2012, a mezzosoprano saía de sua construção crítica de The Family Jewels e culminava em um álbum muito mais intimista com Electra Heart – e o resultado, levando em conta a pessoalidade que a cantora traz para suas composições, pode não ter feito muito sucesso entre a crítica especializada na época, mas sem dúvida tornou-se um de seus melhores trabalhos, buscando vertentes que variavam desde o clássico pop-dançante até a rebeldia do rock. E talvez por esse mesmo motivo, o disco esteja sendo redescoberto com nuances sutis e uma incrível desabafo que conversa com grande parte de seu público.
O segundo álbum de estúdio pode não carregar o escopo social e propositalmente supérfluo do anterior, mas ganha vários pontos ao iniciar com a agressividade de Bubblegum Bitch. A música, como sempre trazendo os melhores vocais de Marina, nos introduz ao seu alter-ego Electra Heart após um relacionamento fadado às ruínas, além de abrir espaço para o restante das canções até a culminação em How to Be a Heartbreaker – a qual coloca um ponto final em todo o seu desespero ao mesmo tempo que reinicia um ciclo inquebrável. É digno de nota dizer que essa abertura, mesmo trazendo algumas falhas estruturais na transição ao refrão, é um ótimo e explosivo começo.
Electra Heart é uma exploração através das diversas personalidades que habitam a criativa e conturbada mente da artista. Com a chegada de Primadonna e Homewrecker, fica claro que o disco não se limita apenas a criar um mundo próprio, mas faz referência a diversas outras cantoras da indústria musical: Marina talvez encontra-se em uma fusão mais complexa de seus múltiplos heterônimos e represente até mesmo um ápice compulsoriamente confuso de suas conterrâneas e influências. Afinal, Madonna já nos apresentou a Ditta, Stefani Germanotta encontrou-se em Lady Gaga, e Lana Del Rey, que mantém muitas similaridades com Marina, encarnou May Jailer; aqui, temos as melhores partes da nostalgia passada enquanto, de uma forma incrivelmente emocionante, encontramo-nos junto a uma originalidade muito promissora.
Lies e Starring Role encontram similaridades uma com a outra, mas é a relação de causa e consequência que as une em um único núcleo. A primeira desenvolve-se com batidas que relembram o electro-pop e faz um uso incrível de sua potência vocal, alcançando um crescendo que logo quebra em um belíssimo grave – e mais: ela arquiteta uma declaração de decepção tocante que nos leva para a segunda música. Nesta segunda parte, Marina inicia com uma suavidade onírica que nos leva a um clímax tradicional, porém construído de forma preocupada e, mais uma vez, fazendo uma ótima exploração de sua voz.
É claro que o álbum não está isento de certos deslizes. Homewrecker, Power & Control e Living Dead são boas canções, mas, em relação às outras melodias apresentadas, parecem um pouco preguiçosas e datadas. Ainda que a cantora busque se reencontrar com uma letra poética e algumas investidas vocais interessantes, não podemos deixar de pensar que existem composições melhores. E talvez outro problema que possamos encontrar é o número excessivo de alter-egos que, com exceção da incrível conclusão, passam um por cima do outro. É claro, Marina busca sua identidade em meio a uma personalidade fragmentada; porém, a saturação infelizmente insurge em certos pontos, mesmo não tirando o brilho que a obra carrega consigo.
Fear and Loathing também pode não agradar muitos, mas é um preparativo interessante para a música final – que conquistou diversos fãs e até hoje é relembrada como um ótimo dance-pop digno de nota e muito divertido. De qualquer forma, são as entradas mais intimistas que roubam os holofotes de forma instantânea, começando por uma das melhores tracks do disco, Teen Idle, um hino sobre sonhos perdidos e um futuro destroçado, que entra em uma catártica contradição com o suave ritmo. Ela até mesmo ganha mais importância quando serve de base para o emocionante ápice – podendo dizer que seja um dos melhores de sua jovem carreira.
Valley of the Dolls é uma pequena joia lapidada que não ousa ser mais do que pretende e mesmo assim no entrega mais do que pedimos. O começo nos entrega alguns ares futuristas do synth-piano que, apesar de não serem muito utilizados, não são colocados à toa. O caminho é trilhado em mais um incrível crescendo – um dos pontos fortes da cantora – e, após atingir um cume vocal, volta-se para um break inesperado que reafirma a tecedura de Marina e sua sutileza em oscilar entre diversos tons, criando uma coreografia musical aplaudível. E mais: o escopo instrumental serve de respaldo para um momento em que a lead singer percebe que está perdida em sua própria Torre de Babel, lutando para se achar em meio a um tumultuoso interior.
Electra Heart é uma ótima adição à carreira de Marina Diamandis e sem dúvida merecia mais reconhecimento do que teve. Suas múltiplas inclinações miméticas convergem com uma obra pessoal e que, além de conseguir conquistar ainda mais o público, nos emociona em diversos níveis.
Nota por faixa:
- Bubblegum Bitch - 4/5
- Primadonna - 4/5
- Lies - 4,5/5
- Homewrecker - 3,5/5
- Starring Role - 4/5
- The State of Dreaming - 3/5
- Power & Control - 3,5/5
- Living Dead - 3,5/5
- Teen Idle - 4/5
- Valley of the Dolls - 5/5
- Hypocrates - 4/5
- Fear and Loathing - 3/5
- How to Be a Heartbreaker - 4,5/5
Electra Heart (Idem, EUA – 2012)
Label: Atlantic Records
Lead: Mariana and the Diamonds
Composição: Mariana Diamandis, Rick Nowels, Julie Frost, Lukasz Gottwald, Henry Walter, Thomas Wesley Pentz, Greg Kurstin, Steve Angello
Gênero: Pop, Electro-pop
Faixas: 13
Duração: 47 min.
Crítica | Thank U, Next - Uma Tentativa (Mais) Conceitual
Em agosto do ano passado, Ariana Grande alcançou um interessante amadurecimento ao lançar Sweetener, seu quarto álbum de estúdio que, sem sombra de dúvida, destoa de suas obras anteriores por buscar composições experimentais em detrimento de um produto simplesmente mercadológico - como foi o caso de Dangerous Woman, ainda que o disco seja notoriamente incrível. Quase seis meses depois, Grande retorna a ganhar atenção ao lançar mais um antecipado álbum, Thank U, Next, seguindo o lançamento de dois clipes de grande sucesso entre o público.
Porém, o que a cantora conseguiu alcançar com sua entrada anterior, falha em diversos aspectos por aqui. Mesmo com grande parte das canções alcançar uma satisfatoriedade considerável do crescente fandom de Grande, é inegável dizer que ela perde seu brilho de originalidade em prol das fórmulas. Aliás, é possível até dizer que Ariana faz um rip-off de diversas outras produções musicais, misturando vários gêneros que, no final das contas, culminam em algo tão experimental que chega a ser confuso.
Diferente de Sweetener, Thank U, Next não tem um tema próprio por assim dizer, e prefere atirar para todos os lados. Os interlúdios deixam de existir e o álbum já abre com imagine, cuja composição linear pode até ser interessante, mas morre no meio do caminho por não criar um ápice envolvente. Nem mesmo needy que a procede, indica uma versatilidade tão grande quanto a que vimos nos discos anteriores, e marca uma justaposição com uma música melhor criada e cuja fusão de estilos funciona em quase sua completude - 7 rings.
Ao longo das letras, é possível encontrar certa personalidade. Inserida num escopo tráfico que marcou suas esferas pessoal e profissional - é só nos recordarmos do tiroteio de Manchester -, este álbum é embebido com certo empoderamento e até mesmo uma volta por cima, levando em conta, inclusive, que suas composições anteriores eram revestidas sutilmente por duras críticas a si mesma e uma atmosfera musical amargurada. Aqui, 7 rings e thank u, next, os carros-chefe do álbum, mostram que o eu-lírico de Grande superou diversos obstáculos, mas, eventualmente, se vale de uma infeliz superficialidade.
O trap e o R&B retornam mais uma vez para sustentar o escopo das músicas, mas o que mais chama a atenção (e não necessariamente de uma forma boa em todos os momentos) são as lacunas preenchidas com instrumentos sinfônicos inesperados. ghostin e bad idea fazem uso desses enxertos; porém, enquanto aquela funciona e auxilia no envolvimento da canção, a qual, apesar do início monótono, melhora em um incrível crescendo, esta parece fragmentada, nunca alcançando uma unidade plena.
Ariana também encontra brechas para colocar sua costumeira "farofa" no meio e, se breathin alcançou o gosto do público por seu ritmo dançante e seu simples conteúdo, bloodline alcança um patamar parecido que mantém o mesmo potencial para se tornar single - talvez até mais aceito que os anteriores. Essa similaridade não conversa apenas com o íntimo universo da artista, mas também emula outra cantoras: em broke up with your girlfriend, i'm bored, a identidade de Grande dá lugar a uma medíocre homenagem a Rihanna, seja no composé do refrão, seja na aglutinação dos versos.
fake smile, make up e in my head e representam uma tríade com as melhores intenções, mas que, no geral, não fazem jus ao potencial que Ariana nos entregou nos últimos anos. Em construções cruas e não finalizadas, são nesses momentos que a obra perde mais sua identidade e criam a temida confusão - em make up, principalmente, o arranjo instrumental cai nas mesmas falhas de Accelerate, de Christina Aguilera.
Thank U, Next tem grandes chances de agradar o público, mas definitivamente não é um dos melhores álbuns de Ariana Grande. Considerando que suas intenções são as mais puras possíveis, a cantora se perde no meio do caminho - ainda que isso não interfira em sua potência vocal em nenhum momento.
Nota por faixa:
- imagine - 3,5/5
- needy - 3/5
- NASA - 3,5/5
- bloodline - 4/5
- fake smile - 2,5/5
- bad idea - 3,5/5
- make up - 2/5
- ghostin - 3,5/5
- in my head - 2,5/5
- 7 rings - 3,5/5
- thank u, next - 3/5
- break up with your girlfiend, i'm bored - 3/5
Thank U, Next (Idem, EUA – 2019)
Label: Republic
Lead: Ariana Grande
Composição: Ariana Grande, Andrew Wansel, Jameel Roberts, Nathan Perez, Priscilla Renea, Tommy Brown, Victoria Monét, Tayla Parx
Gênero: Pop, Trap, R&B
Faixas: 12
Duração: 41 min.