Lançado originalmente nos cinemas em 2007, Encantada é um filme mais importante do que a própria Disney pode oferecer crédito. Muito antes de o estúdio e toda a indústria começar a questionar a fórmula e reinventar as lições de contos de fadas, o filme de Kevin Lima já apresentava ideias disruptivas e originais, e fazia com muito charme, diversão e carisma graças ao trabalho fantástico de Amy Adams – em um dos papéis definidores de sua carreira.

15 anos depois, a Disney volta a capitalizar a nostalgia de gerações para oferecer um novo – e aguardado – capítulo da história da princesa Giselle, agora com uma aventura produzida diretamente para o Disney+. E se Encantada realmente é um filme que transborda magia e encantamento, Desencantada faz bastante jus a seu título ao se desfazer de ambos os elementos.

Na trama, Giselle (Adams) está se mudando para o subúrbio americano de Monroeville ao lado de seu marido Robert (Patrick Dempsey) e a enteada Morgan (Gabriella Baldacchino). Porém, enquanto ela se diverte com uma vida mais simples, nota a infelicidade de sua família neste novo ambiente, e logo recorre à magia para transformar seu cotidiano em um conto de fadas. O feitiço só tem um efeito inesperado ao transformar Giselle na Madrasta Má da história.

Por um lado, é importante elogiar a ousadia. Afinal, o trio de roteiristas David Weiss, J. David Stem e Richard LaGravenese segue por um caminho mais difícil, já que muitas continuações contemporâneas se contentam em repetir a fórmula de seu filme original; a ideia de enxergar Giselle como uma pseudo antagonista é realmente ousada e garante um bom material para Amy Adams se divertir. Porém, não há traço algum do charme e da originalidade que tornaram o primeiro Encantada tão bem sucedido e especial, já que Desencantada não parece saber qual tom acertar.

Se o primeiro era uma ótima exploração da fórmula do peixe fora da água, Desencantada não vai além de um pastiche genérico de diversos outros contos de fada da Disney: em parte Branca de Neve, alguns elementos de A Bela Adormecida e – claro – uma repetição quase grotesca de todos os beats de história de Cinderela, que surge como a principal inspiração da história. É como assistir a um filme completamente diferente do original, e um que infelizmente é muito mais genérico, excessivamente longo e que lamentavelmente descarta diversos de seus elementos vencedores – o maior deles, o príncipe Harry de James Marsden que é reduzido a uma participação de meros 5 minutos.

A reviravolta de Giselle estar em conflito consigo mesmo oferece outro problema ao longa quando uma segunda antagonista é introduzida: a Rainha Má de Maya Rudolph. O próprio filme parece em conflito quanto a qual ameaça prefere priorizar: Rudolph ou a própria personalidade maléfica de Giselle, que ao menos servem para render um bom número musical antagônico entre as duas – mas Rudolph surge completamente deslocada em relação ao elenco, que ainda precisa apostar na irregular Gabriella Baldacchino como pseudo protagonista por boa parte da duração.

Não bastasse a confusão conceitual, Desencantada é mais um exemplo preocupante da pobreza visual sobre a qual Hollywood vem se afundando. A direção de Adam Shankman (de Hairspray: Em Busca da Fama) nunca vai além do básico, captando até números musicais de escala grandiosa com a estética rudimentar de uma sitcom de TV da década de 1990, jamais fugindo do previsível “plano-contraplano-plano geral”, que só empalidecem na paleta de cores lavada e sem qualquer brilho. 

Na verdade, o diretor de fotografia Simon Duggan (que geralmente é um ótimo fotógrafo) tem a infeliz escolha de aplicar um filtro horroroso sobre todas as cenas que se desenrolam após o feitiço de Giselle – inexplicavelmente transformando todos os personagens e cenários em bonecos de cera, tão desagradáveis quanto o efeito usado por Peter Jackson em sua trilogia de O Hobbit.

Infelizmente, Desencantada desce muito o nível de qualidade em relação ao anterior. No lugar de uma aventura engraçada, inteligente e bem realizada, o resultado é bem mais próximo das lamentáveis continuações direto para VHS que a Disney lançava na década de 1990. É realmente um desencanto completo.

Desencantada (Disenchanted, EUA – 2022)

Direção: Adam Shankman
Roteiro: David Weiss, J. David Stem e Richard LaGravenese
Elenco: Amy Adams, Patrick Dempsey, Maya Rudolph, Gabriella Baldacchino, James Marsden, Idina Menzel, Griffin Newman
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 120 min

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Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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