Vinte e cinco anos após seu lançamento, “Psicopata Americano” continua sendo uma obra perturbadoramente atual, talvez até mais hoje do que em 2000. Essa foi a principal reflexão de sua diretora, Mary Harron, durante uma conversa com o comediante Hasan Minhaj no Festival de Tribeca, no último sábado (7), para celebrar o aniversário do clássico cult. Harron admitiu que a realidade atual, com seu “fascismo declarado”, superou a sátira que ela pretendia criar.
A realidade imita a sátira: “está muito pior do que quando fiz o filme”
Harron confessou que, na época da produção, acreditava que os excessos da cultura yuppie de Wall Street dos anos 80, personificados pelo banqueiro de investimentos e assassino em série Patrick Bateman (Christian Bale), eram como “dinossauros” em extinção. “Nunca imaginei que veríamos” homens assim novamente, disse ela. “Não que não houvesse comportamento voraz e ganancioso em Wall Street”, continuou. “Na verdade, por alguns anos após o lançamento do filme, [esse comportamento] era muito melhor escondido.”
No entanto, a diretora expressou seu choque com o cenário atual, onde as pessoas parecem “se deleitar com o mau comportamento” e “com a alegria de ser excessivamente racista” abertamente. Essa mudança a fez repensar a trajetória da sociedade. “Eu diria que quando estávamos fazendo o filme, [a crença era que] o arco da história se curva em direção à justiça. E agora eu acho que talvez o arco da história seja como um saca-rolhas”, disse ela. “Está muito pior […] pode ser o motivo pelo qual as pessoas ainda gostam deste filme”.
Patrick Bateman: o símbolo da ganância e um herói incompreendido da internet
Durante o debate, Hasan Minhaj observou que Bateman parecia “dizer a parte silenciosa em voz alta”, algo que hoje se tornou comum na retórica pública. Harron concordou, explicando que sempre viu o personagem mais como um símbolo do que como uma pessoa real. “Patrick Bateman é como se você pegasse tudo de terrível sobre, tipo, o capitalismo do século XX e a era Reagan”, afirmou, citando crueldade, desprezo pelos pobres, sexismo e racismo.
Harron também se mostrou perplexa com a forma como Bateman foi adotado como uma figura de aspiração por alguns grupos, como homens do mercado financeiro e a cultura “sigma male” na internet. “Sei que o filme é muito popular entre os caras de Wall Street e [a co-roteirista] Guinevere [Turner] e eu pensamos: ‘Espera aí, o quê? Tipo, estamos tirando sarro disso’”, disse ela, teorizando que a atração vem do fato de que Bateman “tem tudo materialmente” e “faz o que quer”.
A escalação de Christian Bale e a importância do humor
A diretora relembrou o conturbado processo de escalação, que por um breve período teve Leonardo DiCaprio cotado para o papel. A escolha final por Christian Bale, na época menos conhecido, foi selada por uma percepção em comum: o humor. “Ele era o único ator que considerava o roteiro ‘engraçado’ como eu”, explicou Harron. “Os outros atores que conheci […] percebi que achavam Bateman meio legal. E, para mim, não há nada de legal aqui. Não estamos fazendo o que é legal. Estamos fazendo o absurdo dele”.
A menção a Donald Trump no filme, que no livro homônimo de Bret Easton Ellis é um ídolo de Bateman, também foi abordada. Harron explicou que a obsessão do personagem por Trump nos anos 80 era, na verdade, para ser um traço de sua “nerdice”. “Os nova-iorquinos não o consideravam realmente descolado. Ele era, tipo, meio que uma piada”, disse ela.
Ao final, Harron refletiu sobre o legado inesperado do filme, que foi difícil de ser produzido até a Lionsgate abraçar o projeto. “Eu nunca imaginei que seria tão bem recebido”, concluiu, sobre a obra que, um quarto de século depois, parece dialogar com o presente de forma ainda mais direta e assustadora.
Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
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